Economia

Indústria faz versão para mudar rótulos de alimentos que agrade à Anvisa

Associação Brasileira da Indústria de Alimentos contrapõe a Anvisa, sob alegação de que proposta da agência pode levar à demissão de 200 mil trabalhadores do setor

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 08/06/2018 06:00
As empresas defendem modelo das cores verde, amarelo e vermelho para indicar graus de risco de cada componente do alimento

São Paulo ;
A indústria de alimentos processados corre atrás de estratégia para minar a proposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a mudança na rotulagem dos produtos. A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que representa o setor, busca reunir dados e pesquisas para tentar convencer a agência de que sua proposta para os novos rótulos dos alimentos é a melhor alternativa.

O primeiro movimento foi tentar ganhar tempo com um pedido para que o prazo de 45 dias para a apresentação de sugestões, que vence em 9 de julho, seja estendido para 60 dias. A razão, segundo Wilson Mello Neto, presidente da entidade, é que a greve dos caminhoneiros teria atrapalhado os trabalhos de coleta de dados. O pedido ainda terá de ser avaliado pelo colegiado da Anvisa. Mas para Thalita Lima, gerente-geral de Alimentos da agência reguladora, a solicitação não tem respaldo.

;As discussões sobre a regulação ocorrem desde 2014. Fizemos um grupo técnico do qual participaram a indústria, ministérios e órgãos de defesa do consumidor;, diz a representante da agência. O Relatório Preliminar de Análise de Impacto Regulatório sobre Rotulagem Nutricional foi apresentado no mês passado e é a partir dele que as observações poderão ser feitas.

Segundo Thalita, foram avaliados pelo menos 20 estudos, nacionais e internacionais, para chegar ao conteúdo final. ;Buscamos uma avaliação crítica dessas pesquisas. Não será uma pesquisa apresentada agora que vai descartar o conjunto de evidências que temos até o momento. Se essa é a justificativa da indústria para estender o prazo, isso não parece apropriado;, afirma.

Quem decide se o pedido de prorrogação do prazo será aprovado é a diretoria colegiada da Anvisa. Os atuais rótulos estampados nas embalagens de alimentos seguem regras definidas em 2003. ;São tabelas com normas muito técnicas, de difícil compreensão. Além disso, as letras são muito pequenas;, acrescenta a gerente da agência.

Apesar de o trabalho da Anvisa buscar melhorar o acesso a informações nutricionais dos alimentos processados, Thalita Lima explica que isso não será suficiente para resolver os problemas de saúde pública do país. Para a executiva, paralelamente, é preciso investir em campanhas de educação para melhorar o nível de informação e, com isso, reduzir os casos de doenças crônicas causadas no país.

Advertência


A proposta do grupo da Anvisa é que o rótulo com as informações nutricionais passe a ocupar um espaço na frente das embalagens e venha com recursos gráficos que facilitem a compreensão das características do alimento e dos seus efeitos no organismo. O desenho final da nova rotulagem ainda não está aprovado. O relatório apresenta algumas opções.

A Abia defende que o modelo adotado no país seja o que utiliza as cores verde, amarelo e vermelho, como no sinal de trânsito, que vão indicar o maior ou o menor risco de cada componente do alimento ao consumo humano. ;A Anvisa prefere o modelo de advertência, não de informação, que é o que nós defendemos. O modelo de rotulagem deve respeitar a escolha do consumidor. Ele deve ser informado, mas a escolha é dele. Não devemos tutelá-lo, tomar a decisão no seu lugar;, opina Mello.

O presidente da Abia compara a proposta brasileira ao modelo adotado no Chile, que também alterou sua rotulagem, seguindo o caminho de alertar o consumidor. Segundo Mello, no país vizinho a queda no consumo foi de quase 20%, mas a obesidade na população não diminuiu. ;Ou seja, esse tipo de rotulagem não ajudou o consumidor como se esperava. E é bom lembrar que o Brasil não é o Chile, temos uma riqueza que vem do agronegócio que pode sofrer com essas mudanças;, alerta.

Anvisa quer que a embalagem dos alimentos já apresente na parte da frente as informações nutricionais, incluindo recursos gráficos

Semáforo


Mello explica que os estudos preliminares feitos pela Abia apontam para o risco de redução de cerca de 200 mil postos de trabalho no setor caso a proposta de advertência da Anvisa seja colocada em prática. A entidade contratou o Ibope para testar junto aos consumidores qual era o melhor modelo de rotulagem. Segundo o presidente da associação, sete a cada 10 entrevistados consideraram que o padrão mais fácil de compreensão é o do semáforo.

Apesar da discussão, o presidente da Abia concorda que é preciso mudar o atual padrão de rótulos no país. Mas o executivo acredita que a indústria de alimentos deva continuar a fazer parte de um processo de garantia da segurança alimentar. ;Mas isso não passa por apontar vilões entre os alimentos e santificar outros, como vimos nos últimos tempos com o crescimento do consumo de itens sem glúten e sem lactose, em uma proporção bem maior do que o número de brasileiros que, de fato, não podem ingerir esses alimentos;, pondera.

Para Mello, ainda não é possível mensurar o tamanho do impacto das novas regras de rotulagem na indústria, mas ele arrisca dizer que está na casa de bilhões de reais. Parte da adequação pela qual terá de passar a indústria inclui o segmento de embalagens, que terá de dar conta do aumento explosivo da demanda.

Segundo Luciana Pellegrino, diretora executiva da Associação Brasileira de Embalagem (Abre), o setor tem se mostrado apreensivo quanto ao prazo que a Anvisa fixará na nova norma para que a indústria se adapte. A Abre tem conversado com a Abia e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre a alteração da rotulagem, mas ainda não levou essa demanda sobre o prazo para a Anvisa.

;O volume de itens que terão de passar pela mudança é muito grande e o processo leva tempo. Isso precisa ser levado em consideração pela Anvisa, talvez com uma proposta de métricas a serem atingidas pela indústria de forma factível. Não basta espremer o novo rótulo da embalagem e pronto;, afirma.

Luciana Lima acredita que toda adequação deva levar pelo menos cinco anos até estar concluída. A entidade está começando a fazer um estudo para ter um número mais preciso. A executiva lembra, por exemplo, que além de todos os fornecedores da cadeia de embalagens, é preciso contar com a aprovação do Ministério da Agricultura. Segundo ela, hoje a pasta leva em média seis meses para aprovar uma nova rotulagem. ;Não sei se o ministério teria capacidade para avaliar e aprovar os rótulos de toda a indústria de alimentos de uma vez só; por isso, é preciso muita cautela quanto ao prazo que as empresas terão para adotar a mudança;, pondera.

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