Economia

Dólar pode fazer preços de produtos serem "contaminados" no Brasil

Analistas acreditam que a tendência é de que o real volte a se desvalorizar nos próximos meses, pressionado pelas incertezas do período eleitoral e pelo cenário externo desfavorável

Andressa Paulino*, Hamilton Ferrari
postado em 09/06/2018 08:00
Para Getúlio Barbosa, indústria e varejo não vão demorar para repassar o maior custo da moeda ao consumidor

O impacto na inflação provocado pela alta do dólar e a paralisação dos caminhoneiros tem aumentado especulações entre economistas sobre uma possível elevação da taxa básica de juros, a Selic ainda neste ano. Mesmo com a moeda norte-americana caindo 5,43% ontem, cotada a R$ 3,709 no fechamento, analistas acreditam que a tendência é de que o real volte a se desvalorizar nos próximos meses, pressionado pelas incertezas do período eleitoral e pelo cenário externo desfavorável. Se os preços subirem muito, empurrados pelo dólar mais caro, o Banco Central (BC) teria de elevar os juros para manter a inflação ao redor da meta traçada pelo Conselho Monetário Nacional, de 4,5%

A autoridade monetária está atuando de maneira mais forte para conter o avanço do dólar, o que gerou uma forte queda da taxa de câmbio ontem. Na quinta-feira, a instituição anunciou que ofertará US$ 20 bilhões em swaps cambiais (contratos equivalentes à venda futura da moeda norte-americana) até o fim da próxima semana. Mesmo assim, o economista-chefe e sócio do Modal Mais, Álvaro Bandeira, avaliou que o recuo da divisa norte-americana foi apenas uma ;trégua; e que a volatilidade continuará forte nos próximos meses.

;Lá fora a situação não está confortável, com elevações de juros em países desenvolvidos, o que prejudica os investimentos no Brasil. Essa inquietação do mercado foi acelerada por conta da greve dos caminhoneiros e de todas as confusões que ocorreram. O Ilan (Goldfajn, presidente do BC) mudou um pouco o quadro de mercado, mas não é algo definitivo;, afirmou Bandeira.

Pressões

Aliado à alta de preços por conta do desabastecimento nas cidades, provocado pela greve, o dólar deve intensificar as pressões na inflação. De acordo com o economista-chefe da Spinelli Corretora de Valores, André Perfeito, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de junho deve ter alta de, pelo menos, 0,6%.

;A minha preocupação é de que esse choque de preços por conta da greve se perpetue ao longo do tempo, com ruídos mais fortes. Além disso, a dinâmica será de pressão por conta do dólar;, ressaltou Perfeito. O Banco MUFG Brasil estima que a taxa ficará em 1% neste mês, influenciada, principalmente, pela interrupção de atividades produtivas provocada pelo protesto dos caminhoneiros.

Crescimento

O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes, é mais cauteloso, mas também avalia que possibilidade de alta dos juros neste ano aumentou. ;Eu apostaria que a Selic ficará no patamar atual de 6,5% ao ano até, pelo menos, a reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom), porque uma alta agora jogaria por terra o crescimento econômico, que já está fraco;, apontou.

Bentes ressaltou que o encarecimento do dólar pode não exercer tanta pressão na inflação por conta de uma atividade econômica ainda fraca no país, mas disse que é preciso observar com atenção os efeitos do câmbio. De acordo com ele, a influência nos preços deve ser sentida nos combustíveis, nos medicamentos e na própria alimentação, principalmente naqueles itens que dependem do trigo importado.

De acordo com o empresário Getúlio Barbosa, 50 anos, a indústria e o varejo não vão demorar a repassar o maior custo do dólar ao consumidor. ;A Copa do Mundo será uma ótima desculpa para o aumento de preço desses produtos;, disse. ;Eu costumo comprar pão diariamente, consumir massa com frequência, e não sou o único. Qualquer brasileiro tem esses hábitos. Então, quando esses itens ficarem mais caros, todo mundo vai sentir;, completou.

IPCA de maio vai a 0,4%

Em consequência da alta do dólar e da paralisação dos caminhoneiros, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou acima do esperado em maio, atingindo 0,4%, quase o dobro do registrado em abril (0,22%). A alta foi impulsionada pelos valores dos combustíveis. O litro da gasolina subiu 3,34%, em média, enquanto o óleo diesel aumentou 6,16%. O grupo de alimentação também sofreu com o desabastecimento nos supermercados, apresentando avanço de 0,32% em maio.

Os analistas ouvidos pelo Banco Central (BC) no boletim semanal Focus esperavam que a inflação do mês passado ficasse em 0,3%. Entre os nove grupos pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas o de artigos de residência apresentou deflação (-0,06%); os demais tiveram alta.

A aposentada Vera Lúcia Oliveira, 65 anos, reclama dos preços no supermercado. De acordo com ela, de todas as despesas que tem no dia a dia, a maior é com alimentação. ;Os produtos estão muito caros. Depois do fim da greve dos caminhoneiros, os preços não voltaram ao habitual. Itens como batata e tomate, por exemplo, continuam com valores altíssimos;, afirmou.

Em maio, entre outros, subiram os preços da cebola (32,36%), da batata-inglesa (17,51%), das hortaliças (4,15%) e do leite longa vida (2,65%). Na contramão, o açúcar cristal (-3,32%), o café moído (-2,28%), as frutas (-2,08%) e as carnes (-0,38%) caíram.

Apesar disso, devido ao bom comportamento dos meses anteriores, a alta no grupo de alimentos ficou em 0,89% no acumulado do ano.

De acordo com o IBGE, a variação do IPCA de janeiro a maio foi a menor desde o lançamento do Plano Real, com taxa de 1,33%. No acumulado de 12 meses, os produtos e serviços ficaram mais caros em comparação com o indicador contabilizado em abril, saindo de 2,76% para 2,86%. A alta ainda está abaixo da meta oficial para 2018, de 4,5%.


*Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo

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