Economia

"Alta de juros este ano não está descartada", diz economista-chefe do Itaú

Mario Mesquita enfatiza importância do debate político e diz que BC pode antecipar ciclo de elevação da Selic

Antonio Temóteo
postado em 17/06/2018 07:00
Mario Mesquita, do Banco Itaú

As eleições terão papel determinante no processo de recuperação ou não da economia brasileira a partir de 2019, avalia o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita. Mas se engana quem pensa que o mercado acompanhará com lupa somente a disputa de quem concorrerá ao Palácio do Planalto. A composição do Congresso Nacional será determinante nesse processo, destaca Mesquita, ex-diretor de Pesquisa Econômica do Banco Central. ;Na questão política, os analistas prestam muita atenção às eleições presidenciais e pouca ao Congresso. O Congresso tem muitos poderes e uma independência importante em relação ao Executivo. É bom que seja assim, com independência entre os poderes. E a palavra final cabe ao Congresso. Quem vai aprovar ou não as reformas é o Congresso;, lembra.

O economista ainda destaca que a composição de bancadas será determinante nesse processo. ;Vários candidatos, de todo o espectro, têm mencionado a necessidade de reforma política. No fundo, uma das coisas que eles mais querem é trabalhar com um Congresso com sete, oito ou nove partidos, que já seria mais funcional do que hoje, com essa fragmentação;, destacou.

Para Mesquita, o Banco Central (BC) só deve subir os juros se ocorrer uma desancorarem das expectativas de inflação. ;Esperamos alta de juros no ano que vem. Se as expectativas de inflação começarem a subir de forma intensa, não descartamos que o BC tenha que trazer esse movimento para este ano. Ele tem sinalizado, enfaticamente, que quer seguir implementando o regime de metas, e o regime de metas tem seus padrões de comportamento;, afirmou.

Os ajustes gradualistas adotados no Brasil e na Argentina não deram certo. Essas agendas fracassaram?
Não. Acho que não há muita alternativa. No caso brasileiro, o país precisa sair de um deficit primário de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para um superavit equivalente, uma virada de 5 pontos percentuais do PIB. O gradualismo aí não é uma opção, é necessário, porque não é possível fazer um ajuste dessa magnitude em curto espaço de tempo. No caso brasileiro são necessárias reformas que exigem quórum constitucional. O processo de tramitação de uma emenda constitucional é lento. Quando o Brasil começou a estratégia de ajuste gradual em 2016 estava no fundo do poço da recessão. No meio de uma recessão, fazer um ajuste de 5 pontos percentuais do PIB seria inexequível.

A política econômica, para dar certo, depende do Congresso Nacional. Mas, nem banqueiro central, nem ministro da Fazenda garantem voto no Congresso. É um trabalho político. Como o senhor vê essa dificuldade de debater com a sociedade?
A sociedade está ciente da necessidade da reforma da Previdência. Esse tema não será usado pelos políticos para ganhar votos, mas tenho certeza de que o próximo presidente, seja quem for, apontará os desafios para a sociedade. É razoável, no início, quando tem de fato chances de aprovar medidas controversas, ele se comunique de forma mais intensa com a sociedade. Na questão política, os analistas prestam muita atenção às eleições presidenciais e pouca ao Congresso. O Congresso tem muitos poderes e uma independência importante em relação ao Executivo. É bom que seja assim, com independência entre os poderes. Quem vai aprovar ou não as reformas é o Congresso. Por isso, é muito difícil imaginar um presidente brasileiro bem-sucedido sem capacidade de articular politicamente. O mercado passará a olhar com mais atenção as eleições para o Congresso.

Sobretudo a composição de bancadas? As maiores e menores composições serão um termômetro para a aprovação da reforma da Previdência?
Isso. Acho que fragmentação do Congresso dificulta a aprovação de reformas. Vários candidatos, de todo o espectro, têm mencionado a necessidade de reforma política para isso. No fundo, uma das coisas que eles mais querem é trabalhar com um Congresso com sete, oito ou nove partidos, que já seria mais funcional do que hoje, com essa fragmentação.

As eleições de 2018 parecem mais com a de 1989 ou a de 2002?
Do ponto de vista econômico, não tenho dúvida de que a gente está melhor do que em 1989 e 2002. Do que em 1989, nem se fala. Tínhamos hiperinflação, estávamos excluídos do mercado financeiro internacional, porque tinha ocorrido a moratória de 1987. Em 2002, tínhamos reservas externas de US$ 36 bilhões. Agora são mais de 10 vezes isso. A gente tinha um deficit em conta corrente importante. Hoje, ele é pequeno. A inflação é bem menor temos taxa de juros abaixo de 10% ao ano. Porém, no aspecto estritamente fiscal, estamos pior do que em 2002. Daí, essa vulnerabilidade frente ao aperto monetário nos Estados Unidos. Mas, do ponto de vista político, do número de candidatos, parecemos mais com 1989.

A alta significativa do dólar antes do Banco Central anunciar o programa de swaps cambiais foi um movimento especulativo para testar a autoridade monetária? Não foi o BC que trouxe esse debate para a mesa quando deixou de cortar os juros adicionando o componente cambial à decisão de não cortar os juros?
O debate sobre juros e câmbio viria de qualquer jeito na perspectiva de um aperto monetário mais intenso nos Estados Unidos. O que a gente observou depende de uma questão semântica: especulação ou comportamento defensivo? Quando o BC fez uma intervenção mais forte, observamos empresas exportadoras entrando no mercado para vender dólar. Se sou exportador e tenho dólar para vender, prefiro vender a R$ 4 em vez de R$ 3. Eu tenho dever fiduciário de fazer isso com os acionistas da minha empresa. Acho que o BC colocou um pouco de ordem no mercado. Ele fez o mercado funcionar melhor e esse comportamento defensivo se desfez. Acho que o mercado é mais banal e menos emocionante do que é descrito.


E como avalia o BC antecipando esse debate? A autoridade monetária teve responsabilidade nesse movimento?
Não podemos nos esquecer de que vários países emergentes, em circunstâncias diferentes do Brasil, com inflação alta estão subindo taxas de juros. E o dólar está se fortalecendo. A analogia fica muito direta. Eu acho que isso, mais que a comunicação do BC, foi mais relevante. E também tem a questão de que, quando se está no fim do ciclo, o mercado sempre começa a se posicionar para o ciclo seguinte. Quando o BC para de subir juros, o mercado se posiciona para a queda, e quando o BC para de cortar, se posiciona para a alta.

Existe risco de alta de juros esse ano?
Esperamos alta de juros no ano que vem. Se as expectativas de inflação começarem a subir de forma intensa, não descartamos que o BC tenha que trazer esse movimento para este ano. Ele tem sinalizado, enfaticamente, que quer seguir implementando o regime de metas, e o regime de metas tem seus padrões de comportamento. Se ele deixa as expectativas de inflação subirem sem reagir, acaba contratando uma inflação mais alta lá na frente. E ainda que a inflação esteja abaixo da meta, a decisão de política monetária que o BC toma hoje é voltada para a inflação daqui a 18, 24 meses. Então, ele não quer deixar isso desviar da meta.

Dentro desse contexto, de a política monetária olhar para o longo prazo, ter eleições no meio do caminho pesa nas decisões do BC?
Acho que não. O BC tem sinalizado muito que vai se manter neutro no processo eleitoral. E a melhor forma é fazer o trabalho como se não houvesse eleições. Não tenho nenhuma razão para acreditar que a atual diretoria do BC vai deixar de fazer o que acha correto por conta do calendário eleitoral.

No passado, o BC foi criticado pelo fato de o estoque de swaps cambiais ter atingido US$ 115 bilhões. Desta vez, até a última sexta-feira, ele chegou a US$ 58,9 bilhões. Esse instrumento deve ser usado diante das condições atuais?
O swap não entra no cálculo do deficit ou superavit primário, então, não tem custo fiscal primário. É o instrumento mais usual de intervenção no mercado cambial brasileiro. Nós não vemos falta de dólar spot (à vista), então, não há necessidade de venda de reservas cambiais. Outros países têm adotado mecanismos de swap como o Brasil. Gestão de crise é uma guerra de atrito. Você tem que, a cada dia, responder às condições de mercado. As coisas mudam e você muda a forma de atuação. E o BC tem sido bem criativo e flexível nesse ponto.

A tendência é de volatilidade nos próximos meses?
Volatilidade significa preços subindo e caindo com intensidade, em termos mais simples. Isso, sim. Não vejo tendência de piora contínua, nem de melhora. Dada a incerteza, vejo tendência de que pequenas alterações no noticiário podem provocar movimentos de preços mais intensos.

E quais são os dois principais fatores de incerteza?
No cenário doméstico, é a continuidade do ajuste fiscal e da agenda de reformas no sentido mais amplo a partir de 2019. E o internacional é a política monetária nos Estados Unidos.

A possibilidade de cinco altas de juros nos Estados Unidos tornou-se real?
Não é o nosso cenário. Temos a perspectiva de quatro altas. Achávamos que o Federal Reserve (Fed) sinalizaria isso na reunião de março. Ele subiu a taxa de juros, mas manteve a expectativa de três altas. E fez essa mudança agora, chegando ao nosso cenário básico. Agora, a economia americana está aquecida, com desemprego baixo, começam a aparecer pressões inflacionárias. Então, é possível que sejam forçados a fazer isso. No entanto, as pessoas não devem esperar do Fed uma reação exagerada se a inflação romper os 2%. Se ele sobe os juros para evitar que a taxa de inflação rompa os 2% nos Estados Unidos, esse patamar deixa de ser a meta e passa a ser um teto.

Quais são suas projeções para inflação de junho e de julho no Brasil?
As taxas agora serão altas. A inflação de junho será de 1,15%. Mas a de julho será de 0,35%. Há um repique grande em junho porque vai capturar plenamente os efeitos da paralisação dos caminhoneiros. Depois, ela retrocede em julho. Para agosto, projetamos alta de 0,12%.

E quais são os riscos para a inflação?
O principal fator de risco na virada do ano é a depreciação cambial. É o repasse cambial.

O senhor já disse que esse repasse leva, em média, seis meses para acontecer. As previsões de crescimento da economia foram, reduzidas. Como vê esse processo?
Isso tende a mitigar o repasse.

Só voltaremos a crescer de maneira sustentável depois de reajustar as contas públicas?
Sim. Eu não poderia definir melhor. A sua pergunta já tem a resposta. Você concorda comigo que precisamos ter taxas de juros reais mais baixas para crescer. Em princípio, o melhor devedor do país é o governo. O governo tem o ativo seguro que é título público. Se as contas do governo não estão em ordem os juros serão altos. E isso desestimula a atividade econômica.

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