Economia

Brasil precisa reduzir dependência de rodovias, avalia executivo da Maersk

Antonio Dominguez, executivo da Maersk Line, gigante dinamarquesa que lidera o ranking global de transporte marítimo, lamenta falta de investimento em infraestrutura no país

Jaqueline Mendes
postado em 18/06/2018 09:46
Antonio Dominguez, executivo da Maersk Line
São Paulo ; Nas últimas décadas, o panamenho Antonio Dominguez, 46 anos, se tornou uma das maiores autoridades do mercado global de logística. Embora faça parte do time de executivos desde 1995, há dois anos ele assumiu o comando da operação regional da Maersk Line, gigante dinamarquesa que lidera o ranking global de transporte marítimo, e que emprega 21,8 mil pessoas em terra e outros 7,8 mil no mar, com 639 navios.
Sob sua gestão está a América Latina, que reponde por 12% dos negócios da companhia, que faturou US$ 35,4 bilhões em 2016, o último dado consolidado. Em entrevista aos Diários Associados, o executivo analisa o setor de infraestrutura do País, critica a falta de incentivos para investimentos e enxerga uma tempestade no horizonte, em razão da forte desvalorização do real e das incertezas eleitorais. Acompanhe a entrevista:

Quais são os maiores entraves para o desenvolvimento da infraestrutura no Brasil?
O Brasil precisa desenvolver uma cadeia de logística verdadeiramente intermodal para evitar transtornos gigantescos decorrentes de problemas no modal rodoviário, como ocorreu durante a greve recente dos caminhoneiros. Só assim é possível reduzir os custos para a indústria, para os agricultores e, para os consumidores.
O que é preciso melhorar?
O país necessita de uma malha ferroviária moderna, como a que já existe no México, por exemplo. É grave uma nação com este tamanho e potencial não ter uma malha ferroviária desenvolvida.

Isso depende do governo ou da iniciativa privada?
O governo precisa criar condições para dar vazão aos investimentos privados em infraestrutura. Considerando que praticamente 70% dos produtos que chegam ao Brasil vêm pelos navios, é urgente que o setor tenha mais atenção, para que o país trace uma trilha sustentável para o futuro.
Falando especificamente do transporte marítimo, quais são as maiores dificuldades do setor?
Um grave problema enfrentado por todos os armadores é a falta de dragagem. É inadmissível que o maior porto da América Latina, o Porto de Santos, fique dias travado por causa de problemas como este.
Quais são os planos da Maersk Line para o Brasil?
A Maersk Line tem um compromisso de longo prazo com o Brasil. Desembarcamos no país no início do século passado, geramos milhares de postos de trabalho ao longo dos anos e mantemos um ritmo consistente de investimentos. Gostaríamos de trazer navios maiores para o Brasil para aumentar a eficiência da cadeia de logística. Porém, isso só será possível com infraestrutura.
Qual a importância da operação local nos resultados globais?
A costa leste da América do Sul, em especial o Brasil, é uma região-chave para a operação global. Nosso plano é personalizar e modernizar cada vez mais o atendimento aos clientes. Queremos promover a transformação digital do setor, fazendo com que o ato de reservar um contêiner seja tão fácil quanto comprar um produto on-line. Hoje, o processo leva até 15 dias, enquanto em países como Holanda, China, Japão ocorre em 24 horas.

A disputa comercial entre Estados Unidos e China prejudica o transporte marítimo mundial?
Permitir e facilitar o comércio é parte integrante de nossos negócios e contribui para a prosperidade e o desenvolvimento global e local. A introdução de restrições regulatórias ao comércio pode ter um impacto negativo no comércio global. Afastar-se de um sistema aberto e baseado em regras afetará negativamente a atividade econômica e o emprego em setores e países dependentes do acesso ao mercado internacional.

O senhor acredita que o Brasil conseguirá fechar um acordo de livre comércio com a União Europeia?
O acordo com a Europa é praticamente o único que falta na América Latina. Estamos esperançosos de que ele se concretize. Uma modernização na economia da região é muito bem-vinda. Por outro lado, o acordo também ajuda a Europa a penetrar em setores do mercado que hoje sentem dificuldade de entrar.

A falta de investimentos em infraestrutura portuária tem sido um problema para a Maersk Line no país?
Com certeza, para todas as empresas que atuam no setor ou dependem do transporte marítimo. Conforme comentei anteriormente, um dos nossos principais problemas é a perda de profundidade dos canais dos portos, tendo como resultado a impossibilidade das maiores embarcações conseguirem operar a plena capacidade. Estamos utilizando navios com capacidade abaixo de 9 mil TEUs, enquanto portos mais modernos, inclusive na América Latina, conseguem receber navios acima de 13 mil ou 14 mil TEUs. Precisamos de terminais mais modernos, para que os processos sejam rápidos, com burocracia reduzida e despachos aduaneiros mais eficientes.
Qual a sua avaliação da economia brasileira e quais são as perspectivas para os próximos anos?
Embora o País esteja saindo de sua pior crise econômica, está claro que, sem uma agenda concreta de reformas, a economia tende a crescer muito menos do que poderia. Como a Maersk Line tem um compromisso de longo prazo com o Brasil e acredita no potencial do país, mantemos os planos de investimento na região, mas isso também depende de uma conjuntura macroeconômica mais favorável.

E o comércio exterior brasileiro?
Registramos um período vigoroso às vésperas da Copa do Mundo, com as importações saltando 19% no primeiro trimestre. As exportações aumentaram 6%, contribuindo para um crescimento de 12% no total de importações e exportações de contêineres.

Não é um resultado surpreendente diante da lenta retomada da economia?
A performance surpreende, com o Brasil emergindo da sua pior recessão desde a década de 1990. As importações para o Norte do país dispararam 59% no primeiro trimestre, já que os eletrônicos são enviados a Manaus para montagem. No entanto, acredito que o Brasil, com incertezas eleitorais e a queda do real, que se desvaloriza para níveis nunca registrados desde 2002, sofrerá uma grande ressaca no segundo semestre. Na verdade, estes indicadores já estão aparecendo. As importações desaceleraram em maio e, pela primeira vez no ano, os navios estão subocupados, diferente do que vinha acontecendo nos últimos 12 meses, quando estavam completamente carregados.

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