Hamilton Ferrari
postado em 20/06/2018 06:00
Não bastassem os diversos problemas econômicos que enfrenta, o Brasil ainda deve sofrer impactos negativos com a guerra comercial entre os Estados Unidos (EUA) e a China. As duas maiores potências do mundo saíram das alfinetadas verbais e levaram o nível de desentendimento para ações de retaliação mútua. A expectativa de analistas é de que a briga gere perdas de até dois pontos percentuais no Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 2018, prejudicando, principalmente, países de economia mais frágil, como o Brasil.
Na semana passada, a Casa Branca anunciou que vai impor tarifas de 25% sobre importações de US$ 50 bilhões em produtos chineses ligados a tecnologia. A medida provocou resposta de Pequim na mesma intensidade. Na última segunda-feira, o presidente norte-americano, Donald Trump, pediu para que sua equipe estude a aplicação de taxas de 10% sobre mais US$ 200 bilhões em importações da China se o país asiático não voltar atrás na decisão de retaliar os EUA. O comunicado oficial, porém, cita a possibilidade de que outros US$ 200 bilhões sejam barrados, ampliando as restrições para US$ 400 bilhões ; montante maior que o próprio deficit comercial dos EUA com a China, que foi de US$ 375,2 bilhões em 2017.
[SAIBAMAIS]De acordo com especialistas, as duas nações têm um alto grau de integração das cadeias produtivas e, por isso, as imposições devem ter efeitos negativos nas duas economias. O conselheiro econômico da Casa Branca, Peter Navarro, afirmou que os EUA estão abertos para negociações e apontou que a China ;tem mais a perder;.
O especialista em comércio exterior Weber Barral, sócio da consultoria Barral M. Jorge, destacou, porém, que o impacto será sistêmico, ou seja, atingirá todos os países. ;A guerra comercial afeta o Brasil, porque diminui a demanda e a competitividade de nossos produtos;, explicou. A economia brasileira enfrenta grandes problemas estruturais. Além de conviver com um cenário desastroso nas contas públicas, com risco de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o país ainda não engatou a retomada da economia esperada por analistas.
Há ainda grande receio de que o resultado das eleições de outubro prejudique os investimentos. Barral disse que empresários e mercado ficam ainda mais apreensivos com a disputa entre EUA e China. ;O embate é extremamente negativo, porque afeta os insumos brasileiros, prejudicando as exportações do país. O Brasil estava voltando a exportar nos últimos dois anos e pode sofrer o impacto desse processo.;
Efeitos
Lia Valls, pesquisadora da área de economia aplicada da Fundação Getúlio Vargas (IBRE-FGV), destacou que o país está numa situação delicada, já que EUA e China são os dois maiores mercados de exportação do país. ;É complicado para o Brasil tender para algum lado para preservar relações diplomáticas;, disse. O governo norte-americano poderia, por exemplo, cobrar ações de retaliação contra a China, já que ofereceu isenção da taxa sobre o aço brasileiro.
A especialista disse que é difícil estimar o impacto da contenda no PIB mundial, mas, diante da importância dos dois países, o efeito tende a ser grande. ;China e EUA são os maiores exportadores e importadores mundiais. Se houver estagnação no fluxo comercial de ambos, o PIB mundial com certeza sofrerá um grande impacto;, avaliou Lia Valls.
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes, ressaltou que a economia chinesa teve um papel muito importante para a economia mundial nas últimas duas décadas. ;O país inundou o mercado internacional com produtos mais baratos, e essa é a principal queixa do seu maior adversário econômico atualmente. Então, se começarem a ser barrados nos países desenvolvidos, os produtos chineses podem ser direcionados para outros, como o Brasil;, explicou. ;Quem sofreria com isso seria a indústria nacional. Os produtos mais baratos podem ajudar na inflação, mas reduzir o emprego na indústria;, afirmou.