Economia

Insegurança jurídica atrasa investimentos para levar internet para todos

Empresa norte-americana Viasat tem acordo com Telebras para implantar modelo que avança no México, mas a parceria é alvo de liminares e cautelar no Brasil

Simone Kafruni - Enviada Especial
postado em 31/07/2018 06:00
Vilarejo de Los Mezquitez, onde não há nem sinal de celular, atendido por banda larga por satélite
Alvo de liminares e cautelar, o acordo entre a estatal de telecomunicações Telebras e a norte-americana Viasat ; para levar internet em banda larga a escolas, unidades de saúde, aldeias indígenas, postos de fronteira e quilombos ; é uma amostra do quanto a insegurança jurídica pode atrasar investimentos no Brasil. Carentes de infraestrutura em telecomunicações, áreas remotas do território nacional poderiam estar se beneficiando de conexão via satélite desde o início do ano, quando uma liminar da Justiça do Amazonas suspendeu o acordo.

[SAIBAMAIS]O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a suspensão há duas semanas, no entanto, uma cautelar do Tribunal de Contas da União (TCU), deferida na semana passada pela relatora Ana Arraes, voltou a comprometer a parceria entre as empresas. Além de uma companhia de Manaus, a Via Direta, que alega ter um pré-contrato com a Telebras, os sindicatos brasileiros que representam as operadoras de telefonia móvel (Sintitelebrasil) e as empresas de satélite (Sindisat) questionam a legitimidade do acordo.
Enquanto isso, no México, a Viasat leva banda larga a lugares remotos com uma velocidade incrível. Em menos de um ano, alcançou 1,2 mil localidades e deve chegar a 3,5 mil povoados até o fim de 2018. O serviço, chamado de Community WiFi, é um dos modelos que a Viasat pretende implantar no Brasil se o acordo com a Telebras vingar. Pela parceria, a Viasat vai operar parte da capacidade comercial do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação (SGDC1) e instalar os equipamentos em terra para recepção da banda larga.
Comerciantes dos povoados vendem conexão de internet por tempo ou dados graças à instalação das antenas da Viasat
Nas regiões remotas do México, a empresa norte-americana prospecta pequenos comércios para instalar um ponto de acesso ao satélite, com uma antena de distribuição de WiFi. Kevin Cohen, gerente-geral dos serviços de Community WiFi para as Américas, explica que a Viasat faz um mapeamento das localidades onde não há cobertura de antena celular e envia um representante, que identifica os potenciais pontos de venda e define quem será o representante de vendas local. Sergio Buenrostro Santana é um destes representantes na região entre os estados mexicanos de Nayarit e Jalisco. ;Depois de encontrar um parceiro, a Viasat envia os instaladores;, conta.

O comerciante ganha comissão de 15% para revender o acesso, sem gastar com nada, pois toda a instalação é de responsabilidade da Viasat, embora o varejista tenha de garantir a segurança dos equipamentos. A venda ao consumidor é pré-paga. O morador do vilarejo contrata o tipo de acesso que quiser, por tempo ou por franquia de dados. A velocidade depende da distância do ponto de WiFi, cuja cobertura é de até 500 metros.

Nos três povoados visitados pela reportagem do Correio, os preços praticados eram de 12 pesos por hora, o equivalente a R$ 2,40, ou 32 pesos por 200 Mb, cerca de R$ 6,40. Conforme a Viasat, os valores poderão ser diferenciados no Brasil por causa dos tributos. No vilarejo de Cacalutan, com aproximadamente 450 moradores, a comerciante Ester Garcia Lopez, diz vender cerca de 64 acessos por dia. ;A maior parte nos fins de semana. E o mais comum é vender o acesso de 1 hora;, explica. O comprador paga o valor, recebe um PIN (Personal Identitification Number) gerado pelo comerciante e autentica sua conexão, válida mesmo em outra localidade, desde que esteja no prazo.
Kevin eCohen da Viasat e Ester Garcia Lopez, no povoado de Cacalutan
Na comunidade Los Mezquites, de 380 habitantes, o volume de vendas é menor, de 20 por dia, chegando a 40 nos fins de semana. Segundo a varejista local Maribel Cárdenas, o serviço levou comunicação ao vilarejo, onde nem sequer há sinal de celular. ;A maioria utiliza para falar com os parentes que moram nos Estados Unidos, por meio de videochamadas;, revela.

No povoado de La Higuerita, de 200 moradores, José Guadalupe Lara Ocampo, dono do único comércio local, colocou a filha Rosalva como responsável pelo equipamento da Viasat e pelas vendas de banda larga, pois pouco entende de tecnologia. ;Como não conhecia, não acreditava que venderia bem, mas aceitei entrar no negócio pois não há risco, nem investimento. Estou surpreso com a rapidez com que instalaram. Duas pessoas da Viasat estiveram aqui e, em um dia, estava tudo operando;, conta.

Para que essa realidade chegue aos povoados e áreas remotas do Brasil, onde as empresas de telefonia móvel não têm interesses econômicos por conta da baixa rentabilidade, é preciso que a parceria Telebras-Viasat vença as batalhas jurídicas. A estratégia da norte-americana é usar o acordo com a Telebras como porta de entrada para operar no Brasil. Inicialmente, por meio do SGDC1. Conforme Lisa Scalpone, vice-presidente de Serviços Internacionais e gerente-geral da operação no Brasil, a empresa não descarta utilizar seus próprios satélites no futuro.
Maribel Cárdenas, de Los Mozquites

A cautelar do TCU, contudo, pegou a companhia de surpresa. A Viasat já se preparava para fechar acordo com parcerias locais para desbravar o interior do Brasil, instalar suas antenas de WiFi, abrir o escritório, sediado, possivelmente, em São Paulo, e iniciar a contratação de funcionários. ;A nossa rede de instaladores vai gerar empregos no país. A Viasat Brasil pretende contratar engenheiros, técnicos e administradores. Mas, por enquanto, estamos contratando muitos advogados;, destaca Jeffrey Eddington, assessor jurídico da Viasat para o Brasil.

Entenda o caso

A Viasat tem um acordo com a Telebras para exploração do SGDC1 para implantar o programa Internet para Todos e as liminares que impediam a parceria foram derrubadas pelo STF. Porém, a Telebras tem um contrato com o Ministério de Ciência, Tecnologia, Comunicações e Inovações (MCTIC) para viabilizar o programa Gesac, alvo da cautelar do TCU. A Viasat não depende do contrato do Gesac para seguir adiante com o Community WiFi, mas a mesma decisão do TCU questiona também o programa Internet para Todos, que está diretamente ligado ao modelo que pretende implantar no Brasil.

Em nota, a Viasat diz não fazer parte do processo do TCU entre Sinditelebrasil e Telebras, por isso não comenta o caso. ;Entendemos que a capacidade da Telebras de implantar internet de alta velocidade nos pontos de acesso do Gesac pode ser interrompida. Apesar disso, a Telebras e a Viasat estão preparadas para conectar os desconectados no país. Continuamos comprometidos com a nossa parceria com a Telebras, direcionando nossos esforços para levar internet de alta qualidade a preços acessíveis para todos os cantos do Brasil.;
José Guadalupe Lara Ocampo e sua filha Rosalva vendem internet no povoado de Higuerita

Linha do Tempo

>> 12 de março | Presidente Temer e MCTIC anunciam Internet para Todos e assinam um contrato público com cidades

>> 19 de março | A Via Direta solicita a suspensão do contrato Telebras-Viasat, informando que possui um contrato prévio que dá direito a 15% da capacidade do SGDC1

>> 23 de março | Tribunal de Justiça de Manaus suspende contrato entre Telebras e Viasat, arquivado pela Via Direta

>> 6 de abril | Kassab anuncia instalação das primeiras antenas Viasat em Pacaraima

>> 9 de abril | Tribunal Regional Federal da 1; Região (TRF1) nega recurso da Telebras para reconsiderar a decisão

>> 17 de abril |TRF1 mantém suspensão

>> 24 de abril | Sinditelebrasil abre novo processo na Justiça Federal de Brasília solicitando suspensão do contrato da Gesac entre a MCTIC e a Telebras

>> 25 de abril | Sindisat abre novo processo na Justiça Federal de Manaus solicitando suspensão do contrato Telebras-Viasat

>> 4 de maio | Telebras anuncia perda de R $ 100 milhões com suspensão

>> 7 de maio | Vara Federal em Brasília nega pedido do Sinditelebrasil contra Gesac e MCTIC

>> 25 de maio | Supremo Tribunal Federal (STF) mantém suspensão do contrato entre Telebras e Viasat a pedido do Sindisat, mas indica que o Tribunal de Contas da União (TCU) deve dar sua análise

>> 30 de maio | Telebras anuncia desconexão de antenas em Pacaraima por ordem de justiça

>> 5 de junho | Ministro Kassab diz que o contrato com a Telebras e a Viasat não será cancelado

>> 20 de junho | A Justiça Federal de Manaus dá 48 horas para que a Telebras participe de uma audiência de conciliação com a Via Direta. Telebras nega pedido e pede aviso de 30 dias

>> 16 de julho | STF suspende liminar e permite que contrato entre Telebras e Viasat seja retomado

>> 18 de julho | Antenas em Pacaraima são reinstaladas e operacionais

>> 25 de julho | TCU suspende temporariamente o contrato Gesac entre a MCTIC e a Telebras a pedido do Sinditelebrasil e dá 15 dias para o MCTIC responder a consulta
* Repórter viajou a convite da Viasat

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação