Economia

Milhas viram moeda de troca por passagens mais baratas na internet

Plataformas compram pontos de programas de fidelidade de empresas aéreas e oferecem passagens mais baratas aos usuários. Dinheiro da venda movimenta mercado de consumo

Bruno Santa Rita*
postado em 05/08/2018 08:00
Ilustração de mão segurando avião
A compra de passagens aéreas e pacotes com pontos adquiridos no cartão de crédito ou em viagens cresceu tanto que, o que foi criado como um programa para fidelizar clientes às companhias de aviação, acabou se transformando em moeda. Plataformas de e-commerce começaram a fazer o serviço de mediadores entre os que têm estoque de milhas/pontos para vender e os que procuram por passagens aéreas pelo menor preço.

O modelo de negócio funciona de forma simples. Quem quer vender acessa uma dessas plataformas e oferece as milhas e determina o valor. Essas milhas serão anunciadas pelo site, que receberá uma comissão pela venda, de 12% a 30%. Nessa mesma plataforma, o interessado pode comprar tanto milhas quanto passagens.

O economista da Opus Investimentos e professor da PUC do Rio de Janeiro José Márcio Camargo afirma que esse modelo de negócio tem a capacidade de aumentar a eficiência do mercado de milhas. ;Muitas pessoas acabam perdendo pontos acumuladas porque não conseguem viajar antes de vencerem. As milhas desse cidadão poderão ser usadas por outras pessoas;, afirma. Ele ressalta que os vendedores conseguem dinheiro que pode ser usado para consumir qualquer coisa. ;A milha funciona como uma moeda de troca para realizar outro tipo de sonho que não o de viagem;

Segundo Camargo, o mercado de e-commerce e o de milhas é promissor no Brasil. Dados do Banco Central mostram que o estoque de milhas referente ao final doquarto trimestre dos anos de 2014, 2015 e 2016 diminuiu, o que significa que as pessoas estão utilizando mais o recurso. Em 2014, eram cerca de 304 bilhões. No fim de 2016, havia caído para 185 bilhões de pontos. Para o economista, o modelo de negócio, da mesma forma que gera concorrência entre companhias aéreas, também estimula as pessoas a usarem, cada vez mais, o recurso para comprar passagens, o que é benéfico para as empresas. ;Como a milha passa a valer mais, as pessoas terão mais dinheiro para viajar. É bom para todo mundo;, acrescenta.
Infográfico explica compra e venda de milhas online

Segundo o CEO e cofundador da MaxMilhas, Max Oliveira, a proposta da empresa é possibilitar que as pessoas viajem mais. Segundo ele, o grande diferencial é atender tanto as pessoas que querem comprar as passagens quanto as que desejam vender milhas. ;Recebemos oferta de milhas por meio de cadastros no site. Essas pessoas recebem pelos pontos que usamos para emitir passagens para outro cliente que deseja viajar;, explica.

Escolha

Cada um pode escolher um preço, de acordo com o mercado de milhas, para ofertar uma certa quantidade. Isso, segundo Max, garante que ninguém saia perdendo. ;Se a pessoa quer vender milhas, nós explicamos. Ele pode vender mais barato ou mais caro, dependendo do restante das ofertas;, informou. Max acrescenta que as ofertas mais baratas, naturalmente, têm preferência na hora de serem compradas.

O administrador de empresas Juliano Lopes, 37 anos, que está sempre viajando, usa a plataforma. ;Sou usuário. Voo frequentemente para Brasília e para a minha terra natal, em Minas Gerais, usando essa facilidade.; Para ele, o ponto forte da empresa que intermedeia o negócio é permitir a simulação do preço nas companhias aéreas antes da decisão de compra de milhas.

Em pesquisa no site Reclame Aqui, foi possível encontrar queixas contra o serviço da MaxMilhas. A maioria referentes a compras de passagens que, por algum motivo, não foram concretizadas, deixando o cliente sem acesso à viagem. O executivo da plataforma explica que é necessário que haja um processo de checagem da compra. ;Isso acontece em todos os mercados. É necessário uma análise para saber se o cartão é saudável;, disse. Ele ressalta que, sempre que uma compra é cancelada, ela é estornada. Além disso, a empresa oferece outras formas de resolver os problemas. ;Às vezes, o sistema aponta fraude onde não tem. Nesses casos, entramos em contato com o cliente e oferecemos a possibilidade de pagar por transferência bancária;, explica.

O engenheiro Marcelo Pereira Silvestre, 41, enfrentou problemas. Comprou uma passagem para ir de São Paulo para Brasília e a companhia aérea responsável pelo voo cancelou o horário pretendido por ele. ;Por e-mail, me notificaram a questão;. Apesar de a MaxMilhas ter aconselhado uma mudança de voo, com diferença de valor, em 24 horas, conseguiu oferecer uma passagem pelo mesmo preço e horário do anterior.

Segundo o terapeuta financeiro Jônatas Bueno, o modelo de negócio pode ter riscos. As companhias aéreas vedam a comercialização dos pontos nos termos de adesão. Como não há regulação clara para esse tipo de negócio, os participantes podem estar sujeitos a uma experiência falha. ;Não dá para verificar a segurança jurídica de se comprar milhas. Isso apresenta um risco, que é muito pequeno, para quem compra;, informa. Bueno aconselha que, em caso de problema, a pessoa recorra ao Código de Defesa do Consumidor, já que se trata de serviço prestado a um cliente específico.

O terapeuta financeiro explica que é necessário que o comprador faça uma pesquisa ampla dos preços. Não apenas no site da empresa, mas também nas companhias aéreas e em outros modelos de negócio. ;Existem ferramentas de busca de preços que monitoram esse mercado. Dá para comparar os valores e ver realmente se o custo é mais baixo;, diz. Ele adverte que, se o valor no site for similar ao das companhias aéreas, o ideal é efetuar a compra padrão, já que é livre de quaisquer riscos.

O vendedor de milhas está mais sujeito a problemas. Segundo Bueno, podem haver punições por parte das empresas aéreas, já que elas proíbem a comercialização dos pontos. ;Se é proibido, a pessoa está sujeita a ser expulsa do plano e de perder as milhas que acumulou. Quem vende pontos precisa estar ciente disso;, analisa.

Quem assumiu o risco foi o empresário do ramo imobiliário José Francisco de Almeida, 28. Quando percebeu o potencial no mercado de milhas, em 2014, começou a estudar o assunto e decidiu vender milhas. ;Entrei em diversos programas de milhagem para acumular pontos;, lembra. A experiência, para ele, foi excelente. Até hoje, José comercializou cerca de 20 milhões de milhas, que lhe renderam aproximadamente R$ 300 mil. ;Eu utilizei o dinheiro para comprar material para uma obra que estava fazendo. Foi um bom investimento;, admite. Ele pretende continuar no ramo para poder reinvestir o dinheiro ganho.

Sem levar em conta que a venda de milhas pode ser um negócio, Bueno considera que, se alguém precisa vender milhas para evitar que vençam, não está utilizando bem o programa de fidelidade. ;Se a pessoa não consegue usar as milhas para viajar, pode retirar produtos. Milhas são uma forma de dinheiro. Se a pessoa não está conseguindo gastar aquele valor, ela tem que repensar o acúmulo.;

* Estagiário sob supervisão de Rozane Oliveira

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