Economia

Incertezas internas e externas freiam retomada do crescimento

Taxa de expansão, que no início do ano estava em alta de 3%, recuou para perto de 1%, o que significa que a economia deverá andar de lado neste ano

Rosana Hessel
postado em 06/08/2018 06:00

Alessandra Ribeiro, da Tendências:  economia perde força e incertezas eleitorais deixam tudo em suspenso
A greve dos caminhoneiros, que parou o país em maio, puxou o freio de mão da retomada da economia neste ano. Desde então, as previsões caíram pela metade em meio à maior instabilidade no mundo emergente e ao aumento de incertezas no cenário doméstico, devido, principalmente, às eleições. O ritmo esperado de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018, que, no início do ano, estava em torno de 3%, hoje está mais perto de 1% para vários analistas. A mediana das expectativas computadas no Boletim Focus, do Banco Central, é de 1,5%. Com isso, a economia praticamente andará de lado, pois repetirá a taxa de 2017.

E as revisões para baixo não param. Na sexta-feira, foi a vez de o Bradesco cortar novamente a expectativa de 1,5% para 1,1%. O banco iniciou o ano prevendo alta de 2,8%. A última redução, entretanto, ocorreu um dia depois de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ter divulgado crescimento de 13,1% na produção industrial de junho na comparação com maio, dado comemorado por técnicos do governo. Integrantes da equipe econômica apostam que o pior já passou e que haverá uma estabilidade do PIB no segundo trimestre e avanço ;acima de 1%;, no terceiro, e que o ano encerrará com alta de 1,6%.

Pelas contas de Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, contudo, o terceiro trimestre ainda será bem fraco, com alta de apenas 0,3%. Ele e outros analistas ouvidos pelo Correio advertem que o dado positivo da produção, assim como de outros indicadores antecedentes, como venda de embalagens e papel ondulado, produção de veículos e movimento nas estradas, estão contaminados pelo represamento da produção em maio, que teve queda de dois dígitos. Portanto, como a base foi baixa, o crescimento em junho acabou sendo também acima de 10%, algo que não deve se sustentar nos meses seguintes.

;O represamento é o efeito de curto prazo, mas foi devolvido e não muda muito a trajetória de PIB fraco. O problema é que a confiança do consumidor e do empresário continua baixa. Ela vinha subindo no primeiro trimestre e, depois do choque da greve e das pesquisas eleitorais, deve ficar em compasso de espera, porque o mercado de trabalho não deve apresentar recuperação forte e não vai dar o impulso esperado na economia;, explica Honorato. O economista reduziu a previsão de abertura de 1,2 milhão de vagas formais neste ano para 600 mil. ;No fundo, o emprego está mais fraco e um fenômeno à parte é a inadimplência, que ainda segue baixa. Quem conseguiu manter-se empregado está reduzindo a dívida;, explica.

Fabio Bentes, chefe do Centro de Pesquisas Econômicas da Confederação Nacional do Comércio e Serviços (CNC), apesar de prever 1,6% de crescimento do PIB neste ano, está pessimista em relação ao mercado de trabalho. Para ele, o país vai criar no máximo 500 mil vagas formais. E, por conta disso, não demonstra otimismo no consumo voltar a ser o grande motor de crescimento, como no passado. ;As incertezas são grandes, a confiança ainda está muito baixa e só deve voltar quando o governo sinalizar que vai recuperar o equilíbrio fiscal, algo que não vemos claro nas propostas dos pré-candidatos;, lamenta.

Sem a volta do superavit primário (economia para o pagamento da dívida pública), analistas destacam que a trajetória do endividamento continuará ascendente, confirmando as projeções mais pessimistas, que apontam para 90% do PIB até 2019. Com esse nível de comprometimento, o país ficará à beira da insolvência, o que abriria a porta para a volta do maior imposto que esse país já teve: a hiperinflação. ;O grande problema hoje é fiscal. Enquanto a reforma da Previdência não começar e o governo não der sinal de que está realmente comprometido em entregar o superavit primário, a confiança não voltará a crescer;, afirma Bentes.

Infográfico com dados da retomada econômica

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Na avaliação do analista de Políticas e Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo, as chances de o PIB ficar mais próximo de 1% neste ano são grandes, mas é pouco provável que a taxa caia abaixo disso, porque o fato de a economia ter avançado 1% em 2017, traz uma taxa de carregamento de 0,5% para 2018. ;Como o PIB do primeiro trimestre avançou 0,4%, a economia já tem uma taxa de 0,9% para este ano e, portanto, dificilmente ficará abaixo de 1%, a não ser que inexista crescimento no segundo semestre, o que é improvável;, explica. Azevedo, no entanto, engrossa o coro de que os dados mais positivos de junho e julho não devem ser motivo de comemoração, devido ao represamento da produção em maio.

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, reconhece que a retomada da economia perdeu a tração, mas não acredita que vai ter desempenho pior neste ano em relação ao ano passado. ;O terceiro trimestre pode aproveitar um pouco da volta do crescimento após a greve, mas como novembro e dezembro ainda estão em aberto por conta das eleições, estamos com 1,7% de previsão, mas o balanço dos riscos é mais negativo do que positivo;, explica.
;Enquanto a reforma da Previdência não começar e o governo não der sinal de que está realmente comprometido em entregar superavit primário, a confiança não volta a crescer;
Fábio Bentes, economista da CNC

Riscos no 2; semestre

As chances de a economia perder ainda mais fôlego no segundo trimestre, uma vez que o principal motor do crescimento do PIB em 2017, a agricultura, não deve ter o mesmo desempenho, são crescentes, na avaliação de José Ronaldo Castro Souza Júnior, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Ele prevê queda de 1% no PIB agrícola em 2018. ;Apesar de a safra ter sido muito boa, é menor do que a do ano passado;, explica.

Para Mauricio Nakahodo, economista do Banco MUFG Brasil, a retomada da economia pode ser mais forte no último trimestre, mas isso dependerá do resultado das eleições e de como isso afetará as expectativas e a confiança, principalmente, do setor produtivo. ;A agricultura não deve puxar o PIB este ano. Apesar de algumas previsões de crescimento, elas podem não se concretizar. A indústria e os serviços podem ajudar um pouco;, afirma. Ele prevê queda de 0,3% no ano na produção agrícola e avanços de 2,1% na indústria e de 1,5% em serviços neste ano.

;O consumo das famílias, apesar de a inflação estar mais moderada em relação aos padrões brasileiros, está fraco. Nel os juros nos menores níveis da história estãop ajudando;, avalia. Ele descarta uma recuperação mais forte no consumo das famílias nos próximos meses por causa do elevado índice de desemprego.

Guerra comercial

Outro fator de risco, neste segundo semestre e no ano que vem, que ainda não está totalmente contabilizado, é a guerra comercial entre Estados Unidos e China. Para os analistas, o impacto será maior a partir de 2019 e negativo tanto a curto quanto a longo prazos. O consenso é de que o Brasil tem mais a perder nesse cenário de aumento do protecionismo do que a ganhar. A curto prazo, o país nem conseguiria aumentar os embarques de soja para a China, porque a safra já foi colhida quase totalmente. ;O Brasil ainda corre o risco de importar soja, dependendo do cenário. A Argentina mais fraca é um dos principais destinos dos produtos brasileiros;, avisa o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro.

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, lembra que os dados mais recentes da indústria não levam em conta a retração da economia da Argentina, que já mostra queda na venda de veículos. Isso pode impactar não apenas a produção daqui para frente, como também as vendas para o exterior. ;Nos primeiros cinco meses, 90% da exportação nacional de veículos tiveram como destino a Argentina, que sofreu com desvalorização cambial superior a 30%;, afirma.

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