Economia

Venezuela lança nova moeda para combater maior inflação do mundo

Plano econômico anunciado pelo presidente Nicolás Maduro para segurar a hiperinflação institui o 'bolívar soberano', divisa atrelada ao Petro, criptomoeda criada pelo governo e vinculada às cotações do petróleo. Para analistas, não vai dar certo

Hamilton Ferrari
postado em 21/08/2018 06:00
Governo decretou feriado no primeiro dia de circulação das novas cédulas: desvalorização de 96% frente ao dólarSob forte desconfiança de analistas, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, lançou um plano econômico para tentar conter a derrocada econômica, que tem levado centenas de milhares de venezuelanos a emigrar para países vizinhos. Entre eles, Colômbia, Equador e Brasil. O ;Madurazo; cortou cinco zeros da moeda nacional, o bolívar, que passou a se chamar bolívar soberano. Para analistas, o plano tende a fracassar. Eles dizem que a mudança monetária, que entrou em vigor ontem, não deve controlar a hiperinflação que, de acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), pode alcançar 1.000.000% em 2018 ; a maior taxa do mundo.

Especialistas afirmam que, para segurar a desvalorização acelerada da moeda, é preciso, primeiro, equilibrar oferta e demanda na economia e reorganizar as contas públicas, que apresentam deficit equivalente a 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Maduro anunciou que, para se manter estável, o bolívar soberano será vinculado ao Petro, uma criptomoeda criada pelo governo com base no preço do barril do petróleo venezuelano. Na prática, um Petro começa valendo 3,6 mil bolívares soberanos, o que equivale a US$ 60. Na prática, a moeda do país foi desvalorizada em 96% em relação ao dólar.

As medidas incluem um aumento de 35 vezes do salário mínimo (3.464%), que sai de 5,2 milhões para 180 milhões de bolívares, na antiga moeda, ou 1.800 bolívares soberanos. O valor corresponde a cerca de US$ 28, ou R$ 112, o suficiente para comprar um quilo de carne no país. Maduro anunciou ainda que o Estado assumirá, por 90 dias, a diferença do reajuste do salário mínimo para todas as pequenas e médias indústrias do país, o que pode comprometer mais a situação fiscal.

Por ter sido criada pelo governo, o Petro sofre de falta de credibilidade. ;A cotação das criptomoedas têm altíssima volatilidade. Tão rápido como sobe, cai;, explicou Marcos Simplício, professor de engenharia de Computação da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE). ;Mesmo as mais conhecidas, como o Bitcoin, não têm a parte econômica bem definida, e isso pode gerar um problema grave no país;, completou.

Do ponto de vista econômico, as medidas têm mais chances de serem desastrosas do que benéficas, de acordo com Lívio Ribeiro, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A exploração do petróleo está em queda na Venezuela diante da falta de recursos para investimentos, em consequência do deficit fiscal. A nação vizinha é altamente dependente da produção da commodity, cujo preço caiu 50% nos últimos 10 anos, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

Maduro também anunciou o fim de subsídios que mantêm baixo o preço da gasolina, o que deve aumentar o preço do combustível. A medida pode melhorar as condições do caixa do governo, mas ficou restrita aos que não têm o ;carnê da pátria;, uma documentação de identidade dada aos apoiadores do presidente, ou seja, serviu para retaliar os opositores, que não se submetem ao registro. O governo também anunciou um aumento, de 12% para 16%, de impostos sobre transações financeiras e bens de luxo.

;A Venezuela, há muitos anos, está num descontrole econômico, e o quadro vai de mal a pior. As pessoas morrem por não terem acesso a remédios e alimentação. Há um brutal descasamento entre oferta e demanda, e a estatização de empresas gerou falta de controle;, afirmou Ribeiro. Segundo o especialista, cortar zeros da moeda ;não serve para nada;, e a proposta de diminuição de subsídios beneficia grupos específicos e cria um mercado paralelo. ;A Venezuela está andando na direção da calamidade econômica e social. As pessoas abandonam as casas com a roupa do corpo para fugir do país. É uma situação semelhante a dos refugiados na Europa;, comparou.

  • Reações

    Enquanto líderes da oposição tentavam organizar manifestações contra o governo, a população fez grandes filas nos postos de gasolina e nos supermercados, temendo piora na crise de abastecimento. Além disso, foi grande o movimento de saque nos caixas eletrônicos. ;As pessoas tentam se adaptar por sobrevida, por necessidade. Os benefícios são seletivos, para pessoas que se cadastraram em programas específicos do governo. O país dificilmente vai se reerguer se não for criado um sistema financeiro moderno e impessoal;, avaliou o professor Antônio Jorge Ramalho da Rocha, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

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