Economia

Liminar derruba reoneração da folha; 36 setores seguirão o mesmo caminho

Indústria de equipamentos médicos e odontológicos consegue liminar que adia volta do pagamento de tributos sobre funcionários para janeiro de 2019. Desembargador do TRF-3 entende que não é possível mudar regras tributárias no meio do ano

Hamilton Ferrari
postado em 25/08/2018 07:00
Ilustração de calculadora representando folha de pagamento e homem andando em caminho sinuoso
A menos de uma semana da reoneração da folha de pagamento de vários setores da economia, um impasse jurídico tomou conta da volta da tributação em 2018. O Tribunal Regional Federal da 3; Região (TRF-3) acatou um pedido da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo), que entende que o custo tributário não pode ser exercido neste ano. Assim, a cobrança passa para janeiro de 2019. Na prática, a decisão só beneficia as companhias filiadas à entidade, mas abre espaço para que outros contribuintes entrem na Justiça para garantir o benefício.

A reoneração da folha foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em 30 de maio, mas a cobrança só é feita 90 dias após a publicação ; prazo para as empresas se prepararem para a volta dos custos. Antes, 56 setores da economia tinham o benefício fiscal de pagar menos impostos para a contratação de mais funcionários. A política foi implementada desde 2011 pelo governo federal, mas não surtiu os efeitos esperados na economia e no mercado de trabalho.

Tanto é que a equipe econômica propôs o corte de vários setores beneficiados. Pelas novas regras, apenas 17 grupos continuarão com o incentivo fiscal ; com prazo até 2020. Os 39 setores restantes voltam a ser tributados em 1; de setembro. A Receita Federal espera arrecadar R$ 830 milhões a mais neste ano com a medida. O impasse jurídico, entretanto, pode atrapalhar os ganhos do governo federal.

Na decisão envolvendo a Abimo, o desembargador Luiz Alberto Souza Ribeiro, do TRF-3, entendeu que não é possível mudar as regras tributárias no meio do ano, porque isso ;atenta; contra a segurança jurídica e viola a boa-fé do contribuinte, ;que, na crença da irretratabilidade da escolha, planejou suas atividades econômicas frente ao ônus tributário esperado;.

Para Paulo Henrique Fraccaro, diretor-superintendente da associação, ;o governo cria distorção na contabilidade da empresa com uma modificação em pleno ano fiscal;. ;É muito difícil para qualquer companhia, no meio do ano, fazer essa alteração. Seria um prejuízo enorme, porque tem impacto significativo no faturamento;, afirmou.

De acordo com ele, a entidade representa 360 associados, que respondem por 84% do consumo brasileiro no setor. ;Essas empresas teriam juntas custos de R$ 400 milhões;, estimou Fraccaro. O diretor da Abimo lembrou que o governo é grande beneficiário do mercado de saúde, porque o setor público é o maior ;consumidor;.

A determinação do TRF-3 não beneficia setores e empresas que não estejam incluídas no processo. Por ser uma decisão monocrática, a liminar pode ser levada para julgamento na turma do tribunal. Segundo a assessoria de imprensa da Corte, o governo federal também pode recorrer aos tribunais superiores. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que avaliará a conveniência da interposição de recurso.

Independentemente do que ocorrerá no futuro, outros setores e entidades empresariais se preparam para obter o benefício na Justiça e protelar a volta da cobrança para janeiro de 2019. Especialistas tributários divergem sobre a questão. A advogada Catarina Borzino, do escritório Corrêa da Veiga, considera a decisão do desembargador acertada. ;Foi certa. Principalmente na situação de crise econômica avançada e de dificuldade financeira das empresas;, disse. ;A avaliação sobre a postergação da reoneração da folha leva em consideração que o pagamento prejudica empresas que se programam, desde o início do ano, de acordo com a definição tributária posta. Então, a companhia acaba sendo surpreendida com o retorno dos pagamentos;, completou.

A Lei 12.546, que trata sobre a desoneração da folha, estabelece que a opção pela tributação será ;irretratável; para todo o ano-calendário. O advogado tributarista Eduardo Diamantino alegou, porém, que o projeto de lei aprovado neste ano derruba a questão. ;Lei posterior derroga lei anterior;, explicou. ;Além disso, houve prazo de 90 dias para preparação das empresas;, completou.

Incongruência


Enquanto o impasse jurídico não é resolvido, economistas criticam a mobilização das companhias para evitar a tributação. O presidente da Macroplan, Cláudio Porto, afirma que é preciso acabar com qualquer tipo de ;artificialismo; de políticas públicas de subsídios, desoneração e incentivos fiscais que não deram certo no país. ;Essa série de benesses é uma das causas do buraco fiscal em que o país se encontra, com deficit de R$ 159 bilhões neste ano;, afirmou. ;Todos são a favor da sustentabilidade fiscal do país, desde que não mexa no próprio benefício;, criticou.

Roberto Piscitelli, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), declarou que o fim da desoneração às empresas não deve gerar demissões. ;Essa é uma pressão que sempre existiu para que companhias e setores não perdessem benefícios, mas, na verdade, as renúncias só resultaram em aumento dos lucros dos empresários. A política de incentivo foi dada de mão beijada, sem acompanhamento do governo federal;, apontou o especialista.


Beneficiados


A desoneração da folha de pagamento será mantida para 17 setores: calçados, call center, comunicação, confecção/vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas. O benefício da desoneração da folha acabará no fim de 2020 para todos os setores.

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