Jornal Correio Braziliense

Economia

Restrição hídrica mobiliza empresas contra desperdício

A cada ano mais intensas e prolongadas, as secas impõem um novo estilo de consumo de água. Saiba o que tem sido feito no país para reduzir o gasto e minimizar o risco de racionamento



São Paulo ;
Uma notícia boa, outra nem tanto. As empresas e os lares brasileiros estão consumindo menos água, diminuindo o impacto das grandes cidades no meio ambiente. A redução, no entanto, tem sido causada pelo aumento inquestionável dos períodos de estiagem. Algumas importantes regiões agrícolas e industriais no interior de São Paulo e no Sul de Minas Gerais enfrentaram, neste ano, quase 150 dias de seca.

;Estamos vivendo um ano de volume de chuva abaixo da média, o que não é anormal se compararmos aos últimos 100 anos;, explicou o professor do departamento da Esalq Felipe Gustavo Pilau. Segundo ele, o cenário pode estar relacionado ao fenômeno La Niña, responsável por invernos intensos e grandes secas em várias partes do mundo.

Isso explica, em parte, o que vem ocorrendo nos hábitos de consumo. De acordo com dados da Lei de Acesso à Informação (LAI), com base nos relatórios da empresa de saneamento básico do estado de São Paulo, a Sabesp, na região metropolitana da capital paulista o consumo de água tratada é hoje 15% menor do que em 2013, ano que antecedeu a maior crise hídrica da história do Sudeste. Em 2013, o consumo médio, por pessoa, atingiu 169 litros por dia. Desde o ano passado, esse número é de 129 litros por dia.

Se por um lado a estiagem prolongada força uma redução de consumo de água, por outro obriga as empresas a se enquadrarem em uma nova mentalidade sobre a importância de respeitar a natureza. Um dos mais bem-sucedidos exemplos é o do Grupo Boticário. Nos últimos dois anos, quase 30% da água consumida em suas fábricas foi proveniente de reuúso ; tanto para a limpeza de seus processos produtivos quanto para uso em torneiras, descarga e irrigação de jardins.

Segundo a empresa, além da água de reuso, outros 35% do consumo dos centros de distribuição da companhia, instalados em São Gonçalo dos Campos, no Rio de Janeiro, e Camaçari, na Bahia, são provenientes de água da chuva. ;O processo de economia de água em uma indústria é semelhante ao que podemos desenvolver em casa. Começamos identificando onde estão os principais pontos de gastos e as oportunidades de investimento. A economia financeira que temos com a redução no consumo justifica novos investimentos e, assim, o processo se torna cíclico;, diz Malu Nunes, gerente de sustentabilidade do Grupo Boticário.

Assim como o Boticário, a operação brasileira da maior empresa de bens de consumo do mundo, a holandesa Unilever, também investe em ações para reduzir o consumo. A recém-inaugurada nova sede da companhia no país, aberta em agosto no bairro paulistano do Brooklin, possui dispositivos reguladores nas válvulas e torneiras que resultam na redução de 35% no consumo.

Parece um gesto pequeno, mas não é diante do porte da empresa. Com nove andares, 13 mil metros quadrados e capacidade para acomodar até 1,5 mil pessoas, o edifício é base da meta estabelecida pela empresa, de reduzir o consumo de água em mais 37%, até 2020.

Não só apenas as grandes companhias estão implementando iniciativas de redução do consumo de água, mas também as micro, pequenas e médias empresas (MPEs). No ano passado, segundo estudo do Sebrae, 17% delas sofreram com os impactos da crise hídrica e tomaram iniciativas para driblar a escassez. O mesmo estudo, realizado neste ano, aponta que 31% dos pequenos negócios estão sendo afetados pela falta de água.

;Depois que adotam bons hábitos, geralmente eles são mantidos mesmo quando voltam os períodos de chuva;, afirma professor da USP Pedro Luiz Côrtes, especialista no tema. Uma prova disso é que a pesquisa do Sebrae constatou que, atualmente, 47% dos empresários ouvidos em todo o país relataram ter adotado medidas para driblar a crise hídrica neste ano. Destes, 23% passaram a reduzir o consumo de água no estabelecimento.

Gravidade

A gestão da água é uma questão mais do que urgente. A Agência Nacional de Águas (ANA) alerta que nove estados ultrapassaram ou estão no limite do déficit hídrico. O vilão, além do consumo elevado, é o desperdício, que chega a 40% e gera perdas de R$ 8 bilhões por ano, equivalentes ao investimento anual em saneamento no país.

Esses números são endossados pelo Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, que confirma a perda de 40 litros a cada 100 litros de água tratada. Isso se torna ainda mais grave em regiões do país onde a água é historicamente escassa ou tem grande demanda para suprir parques industriais.

No ABC Paulista, por exemplo, onde funciona o Polo Petroquímico de Capuava, no limite dos municípios de Mauá e Santo André, está em operação o maior projeto de água de reúso para fins industriais do hemisfério sul. O Aquapolo, como é chamado, surgiu de uma sociedade formada entre a Odebrecht Ambiental e a Sabesp. Inicialmente, o modelo focalizava fábricas de cinco empresas do polo: Braskem, Cabot, Oxicap, Oxiteno e White Martins, mas hoje atende a outras empresas da região.

;A falta da água na crise assustou a população e as empresas, despertando na sociedade a consciência de que, se não cuidarmos, ela vai acabar;, diz Diogo Taranto, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Opersan, empresa especializada em gestão da água em indústrias.

Falta incentivo do governo

;Se houvesse mais incentivos às pessoas e às empresas, a economia de água seria muito maior.; A afirmação do executivo Diogo Taranto, diretor de desenvolvimento de negócios da Opersan, empresa especializada em projetos de gestão da água e efluentes, revela que o país ainda tem um longo caminho a percorrer na questão das políticas de sustentabilidade. ;Os órgãos ambientais deveriam simplificar, criar estímulos e valorizar as políticas voltadas aos projetos de reúso. Afinal, as crises hídricas nunca terminam.;

Mesmo sem incentivo, a Opersan se tornou uma das maiores empresas do setor no país. Desde 2012, a empresa investiu mais de R$ 50 milhões para trazer às empresas brasileiras novas tecnologias destinadas, segundo ele, a modernizar 80 sistemas utilizados nos trabalhos de processamento. Somente nos últimos 12 meses, foram assinados 15 contratos que elevaram a mil o total de clientes, com operações em São Paulo, Amazonas, Ceará, Sergipe, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Bahia. Todas as unidades mantêm laboratórios próprios.

Assim como a Opersan, a francesa Veolia Water Technologies tem nadado de braçada na crise hídrica do país, que reponde por 35% dos negócios da companhia na América Latina. Sob comando do executivo Yves Besse desde 2016, ela cresce a um ritmo de dois dígitos. A empresa se diz pronta para comprar empresas de saneamento em todo o país, principalmente nos mercados do Sudeste e do Sul.

;Assim que passarem as turbulências da eleição, queremos iniciar um processo de desenvolvimento mais forte a partir de 2019;, diz Yves Besse, diretor-geral de projetos para a América Latina da Veolia. De acordo com ele, o número de novos projetos para este ano é duas vezes maior do que em 2017.