Economia

Em crise, países emergentes saem do focos dos investidores

Grupo de países que inclui o Brasil sofre com instabilidade global e enfrenta desvalorização de suas moedas. Aumento do protecionismo e alta de juros nos EUA são parte do problema, mas incapacidade de arrumar a economia também explica a crise

Hamilton Ferrari
postado em 06/09/2018 06:00
Sem terem feito o dever de casa, os países emergentes sofrem com a falta de interesse dos investidores. O protecionismo comercial que ameaça tomar conta do cenário global e a alta dos juros nos Estados Unidos têm diminuído a atratividade dessas nações, o que afetou, em especial, Brasil, África do Sul, Argentina e Turquia. Mas a falta de ações dos países em desenvolvimento para aumentar a solidez econômica também é responsável pela diminuição do ;apetite por risco; dos agentes de mercado, tanto é que, em 2018, as moedas desse grupo despencaram frente ao dólar, com desvalorizações de 25% a 107%.

Segundo especialistas, o cenário para investimentos nos emergentes piorou por uma mistura de fatores globais e específicos que levou grandes somas de recursos a migrar para os países desenvolvidos, que dão mais segurança para o retorno financeiro. A movimentação das taxas de câmbio é o reflexo mais imediato desse movimento. O real desvalorizou-se 25% desde o início do ano frente ao dólar, que saiu de R$ 3,31 para os atuais R$ 4,14. O mesmo ocorreu com outras moedas, sendo o caso mais notório o do peso argentino, que tombou 107%: um dólar saiu de 18,61 para 38,60 pesos no período.

Com a perda de valor das moedas, os emergentes iniciaram uma onda de elevação das taxas de juros. Em situação mais crítica, Argentina e Turquia anunciaram aumento recentemente. Na prática, o movimento ocorre para diminuir os impactos inflacionários da desvalorização cambal e evitar a fuga dos investimentos financeiros. Paulo Levy, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirmou que, enquanto a Argentina e a Turquia têm dívidas externas grandes, a África do Sul voltou à recessão econômica. Já o Brasil vive a incerteza eleitoral e a falta de garantia de que as reformas fiscais necessárias para reduzir o deficit público vão ser implementadas.

;A principal variável que vai afetar os emergentes no curto prazo será o protecionismo e como ele pode afetar a China, que responde por grande parte da economia global;, disse Levy. ;Caso haja um impacto grande, esse efeito será repassado para o resto do mundo e, consequentemente, deixará ainda mais frágeis os países emergentes;, completou. O economista-chefe da Quantitas, Ivo Chermont, ressaltou ainda que a alta dos juros nos EUA deixa essas nações sem atrativos para atrair grandes fluxos de capital.

Teto furado

De acordo com Chermont, os investidores desviam o foco dos emergentes por conta do risco. ;Quando os juros sobem nos países desenvolvidos, os investidores com aplicações nos emergentes cobram uma solidez econômica desses países, o que eles não têm no momento;, explicou. ;E os emergentes não fizeram o que deveriam ter feito. É aquela história: deixaram para consertar o teto quando já estava chovendo;, comparou.

A economia da África do Sul recuou 0,7% no segundo trimestre, após um tombo de 2,6% nos três primeiros meses do ano. O presidente Cyril Ramaphosa não conseguiu impedir a queda na atividade econômica após a renúncia do impopular Jacob Zuma em fevereiro. A Argentina é prejudicada pela inflação alta e pelo deficit nas contas públicas, tanto é que pediu financiamento de US$ 50 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A Turquia, além de problemas financeiros, sofre com sanções comerciais dos Estados Unidos.

De acordo com analistas, o cenário econômico para o Brasil vai depender dos candidatos que chegarem ao segundo turno das eleições presidenciais. ;Nossa instabilidade só pode terminar depois das eleições, quando forem definidos presidente e governadores. Se alguém com grande rejeição do mercado chegar ao Planalto, enfrentaremos mais incertezas;, disse Fernanda Fonseca, do App Renda Fixa.

"Quando ocorre um processo de alta de juros nos países desenvolvidos, os investidores com aplicações nos emergentes cobram uma solidez econômica desses países, o que eles não têm no momento;

Ivo Chermont, economista-chefe da Quantitas

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