Nelson Cilo
postado em 11/09/2018 10:20
São Paulo ; Poucos setores da economia foram tão castigados pela crise dos últimos anos quanto o de motocicletas. Apenas para dimensionar o tamanho da queda livre, as vendas despencaram de 951 mil unidades, no primeiro semestre de 2008, para 427,2 mil motos no primeiro semestre de 2017. A boa notícia é que essa situação, a julgar pelos números mais recentes, é apenas uma imagem no retrovisor.
Desde o início de 2018, depois de sete anos de quedas consecutivas, o setor de duas rodas só acelera. De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), as vendas de motos no atacado, no primeiro semestre do ano, totalizaram 451.311 unidades, crescimento de 12,2% em relação ao mesmo período de 2017.
O resultado só não foi melhor porque a greve dos caminhoneiros prejudicou o abastecimento de peças às montadoras e o transporte das motos até as concessionárias. Com um mercado mais aquecido e com a alta dos preços da gasolina, que subiu 45,7% nas refinarias desde fevereiro, a Abraciclo revisou suas projeções para o ano em razão das vendas acima do esperado. A expectativa de produção, que era de 935 mil unidades até julho, passou para 980 mil motos atualmente. Novos números deverão ser anunciados nas próximas semanas, segundo a associação.
Se o balanço de vendas já é positivo, o de produção é ainda mais animador. Pelos cálculos da entidade, a produção alcançou 96,3 mil unidades em julho, tornando-se o segundo melhor mês do ano e com crescimento de 92,1% sobre o mês anterior. ;A expansão do crédito e a estabilidade dos indicadores macroeconômicos têm sido fundamentais para a evolução dos negócios no nosso setor;, justificou Marcos Fermanian, presidente da Abraciclo.
O crédito, de fato, se apresenta com um fator determinante. A associação dos bancos de montadoras, a Anef, calcula que 2018 avançará cerca de 15% nesse quesito, se aproximando de R$ 120 bilhões. ;Depois de três anos de recessão, as vendas financiadas voltaram a crescer;, afirmou Luiz Montenegro, presidente da Anef. ;Isso é reflexo da redução da taxa básica de juros e de outros indicadores econômicos, que garantem maior previsibilidade ao consumidor, que se sentiu mais confiante e foi às compras.;
Segundo a entidade, o financiamento via Crédito Direto ao Consumidor (CDC) respondeu por 48% dos contratos fechados para a compra de automóveis e veículos leves, enquanto 45% pagaram à vista. Consórcios e leasing responderam por 5% e 2%. ;A redução da taxa básica de juros e de outros indicadores econômicos garantem maior previsibilidade ao consumidor;, disse o executivo.
Soma-se ao crédito o fato de que empresas novatas estão fortalecendo suas operações e acirrando a concorrência por esse mercado. A montadora JTZ, que compartilha estrutura com a J.Toledo (representante da Suzuki) para a montagem e distribuição de motocicletas e scooters das marcas chinesas Haojue e Kymco, passou à terceira colocação no mercado nacional, atrás apenas das japonesas Honda e Yamaha, com 5,2 mil motos vendidas no primeiro semestre.
A marca austríaca KTM, de olho na expansão do mercado nacional, chegou a cogitar uma operação nacional no segmento de alta cilindrada, mas decidiu abortar a missão. Por enquanto, a marca continuará sendo importada pela Dafra nas categorias de cilindradas mais baixas.
Vizinho
O desempenho do setor de motos poderia ter sido ainda melhor não fossem os problemas econômicos da Argentina, destino de 70% das vendas externas do segmento. Foram exportadas para o país vizinho 41.030 unidades no primeiro semestre, alta de 26,6% sobre o mesmo período de 2017. Só que o cenário positivo virou de ponta-cabeça. Em junho, as exportações alcançaram 4.404 unidades, queda de 42,4% sobre junho do ano passado e de 33,6% em relação a maio deste ano.
;Esses números mostram o impacto do mercado da Argentina, que vem sofrendo com a desvalorização cambial;, disse o presidente da Abraciclo, que projeta que as exportações fechem 2018 com queda de 2,2%, com 80 mil motos enviadas ao mercado externo. ;Não há como blindar setores que são, historicamente, dependentes das vendas à Argentina, como o de motos, calçados e eletrodomésticos;, afirma o economista Ricardo Sastre, especialista em América Latina pela Fundação Getulio Vargas. ;O caminho para os exportadores será buscar alternativas para compensar a retração da Argentina, que não deve superar a dificuldade tão cedo.;