Economia

Dona da maior malha ferroviária do país, Rumo espera ver concessão renovada

Para executivo, as concessões de ferrovias não serão discutidas pelo próximo presidente

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 17/09/2018 06:00
Julio Fontana Neto, presidente do grupo São Paulo ; Dona da maior malha ferroviária do país, com 12 mil km de trilhos administrados por meio de quatro concessões, a Rumo nasceu da fusão entre a Rumo Logística, do Grupo Cosan (controlador da companhia), e da ALL. Seus 27 mil vagões e cerca de 1 mil locomotivas transportam por ano 30 milhões de toneladas de commodities agrícolas e produtos industriais. Além das ferrovias, a empresa atua, por meio da Brado, no transporte multimodal de contêineres nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Com uma demanda crescente por seus serviços, Julio Fontana Neto, presidente do grupo, não deveria ter motivo para reclamar. Afinal, o que mais se ouviu, especialmente depois da paralisação dos caminhoneiros, em maio, é que o país deve investir na diversificação de seus modais de transporte e depender menos do transporte rodoviário. Mas há pelo menos três anos, Fontana e parte do seu time, têm dedicado boa parte do tempo no convencimento de que vale a pena antecipar a renovação de um de seus contratos de concessão, o da Malha Paulista, com vencimento em 2028.

No último dia 30 de agosto, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deu o sinal verde para a renovação. Mas ainda falta a chancela do Tribunal de Contas da União (TCU), que deverá receber a documentação sobre o processo nesta semana. Sem a antecipação do aumento da validade do contrato, a Rumo não vai desembolsar os prometidos R$ 5 bilhões para melhoria dessa malha, construída originalmente na época de grande produção de café no interior paulista.

A empresa já tem o dinheiro para tocar a modernização em frente, mas sem o aval do TCU terá de buscar alternativas para aumentar em 150% a atual capacidade de carga, chegando a 75 milhões de toneladas por ano, e assim melhorar a produtividade na operação que faz entre a Malha Paulista e a Norte, onde se concentra boa parte da carga agrícola. Em entrevista ao Estado de Minas, Fontana falou sobre o impacto da imprevisibilidade nesse ramo, os efeitos da insegurança jurídica nas decisões de investimento e a possibilidade de participar do leilão para a concessão de um trecho da Ferrovia Norte-Sul.

A ANTT aprovou recentemente a renovação do contrato da Malha Paulista, mas o TCU ainda não deu a palavra final. Esse pedido da Rumo começou em 2015, portanto há três anos. Como absorver essa imprevisibilidade?
Para nós, está muito claro que esse é um processo que acabará ocorrendo, mais dia, menos dia. Sabemos das dificuldades enfrentadas pelo governo para tomar decisões, principalmente quando se fala em apagão de caneta, como foi comentado pelo próprio pessoal do PPI (Programa de Parcerias dos Investimentos, do governo federal), mas isso não parou o dia a dia da empresa, nem o nosso programa de investimentos. Da nossa parte, cumprimos todas as etapas exigidas pela ANTT e, consequentemente, pelo TCU. A informação que temos do Ministério dos Transportes é de que o envio do processo para o TCU deve ser feito no início desta semana. Acreditamos que não deverá haver algum grande problema, já que tudo vem sendo acompanhado pelos técnicos e estamos muito alinhados com tudo que foi solicitado.

Qual foi o tamanho da mobilização na empresa por conta da Malha Paulista?
Não existe nenhum processo que se queira analisar, de concessão, de privatização, que tenha um nível de detalhes que nós fomos submetidos nessa renovação. Temos quase 100 projetos, inclusive com a parte de execução. São dezenas de milhares de páginas, além da participação de uma consultoria externa, a Accenture. Temos data para começar cada um dos projetos e para terminar. Se você pensar que não tem dinheiro público nesse negócio, é um nível de exagero que nos deixa até surpresos com essa demora tão longa e tamanha a polêmica, sendo que a nossa proposta vai resolver o problema da logística do agronegócio brasileiro. Não parei para estimar o quanto gastamos nesses três anos, mas temos gente praticamente morando em Brasília para acompanhar esse processo. Foram desembolsados nesse processo da renovação da concessão da Malha Paulista pelo menos duas dezenas de milhões de reais, incluindo projetos e seu nível de detalhe.

A Rumo estava preparada para esse apagão de caneta, como você citou, que aconteceu neste ano?
O problema não está acontecendo por estarmos no fim do governo, mas sim, pelo recrudescimento depois que houve a ação do TCU contra a ANTT em relação à BR 040, que teve várias pessoas com bens bloqueados. A partir daí, a situação ficou muito difícil por conta do grau de responsabilização que essas pessoas têm com seu CPF na pessoa física. Isso refletiu no nível de cuidado, por isso já esperávamos mais dificuldade.

A empresa obteve um empréstimo do BNDES no mês passado, de R$ 2,9 bilhões. Parte do dinheiro é para as melhorias na Malha Paulista, que só acontecerão se a concessão for renovada. Esse vai-não-vai dá a sensação de que é melhor ser rentista a investir no setor produtivo?
Nossos acionistas acreditam no negócio, tanto que fizeram dois aumentos de capital nesse período. Eles acham que ferrovia é um bom negócio. Nos últimos três anos e meio, quando fizemos esse turn-around, conseguimos provar que podemos trazer retorno dos investimentos. Somos uma empresa de produção e operação, acreditamos nessa força sem ter de especular no mercado financeiro. Acreditamos no potencial do nosso negócio. O mercado também passou a acreditar na nossa companhia, que vinha de um grande descrédito no passado. Isso tudo está valorizando nas ações, também porque o mercado acredita que essa renovação da concessão vai acontecer.

A insegurança jurídica no Brasil é criticada há décadas, mas não é resolvida. Qual é a causa? E o efeito nos negócios?
Tivemos, por exemplo, uma lei aprovada no ano passado, que regulamentou as concessões e deu direcionamentos claros. Agora, vemos uma contestação do Ministério Público Federal sobre três itens dessa lei. O primeiro pensamento é ;essa dúvida só surgiu um ano e pouco depois?; Aí, ao conversar com o pessoal do PPI e da ANTT, todo mundo jura de pés juntos que os itens contestados são absolutamente constitucionais e que os esclarecimentos sobre essa questão serão feitos agora ao Ministério Público. O maior impacto dessa avaliação está em cima do investimento cruzado, que faz parte de outros pedidos de renovação de concessão, mas não nos impacta. O problema é deixar isso contaminar algo que está publicado há tanto tempo. Colocamos a bola na marca do pênalti, tiramos o goleiro para fazer o gol e vem alguém e passa na frente. Isso atrapalha muito porque atrasa os processos.

A greve dos caminhoneiros, em maio, escancarou os riscos da dependência das rodovias, mas seus efeitos foram sentidos negativamente também nos resultados da Rumo. Como solucionar essa equação?
As soluções não são de curto prazo, mas elas existem. Por exemplo, estamos sabendo que uma série de produtos e trandings estão se propondo a investir na própria frota porque estão sentindo que esse valor do frete cobrado a mais os leva a decidir por um investimento que vai dar um retorno maior. No futuro, os caminhoneiros podem vir a sentir falta de carga. Nos Estados Unidos, grandes fazendas contam com pequenos ramais ferroviários. Os trens captam a produção por meio dessas ramificações. No futuro, a dependência de caminhões vai diminuir. A área plantada no país será maior e isso levará a um aumento dos investimentos em malha ferroviária.

A Rumo tem um plano B, caso a antecipação da renovação da Malha Paulista não aconteça dentro de um determinado tempo?
Faremos os investimentos mesmo sem a renovação. Existe uma regulamentação da ANTT, a do usuário investidor. Os investimentos, no nosso caso, seriam feitos pela Malha Norte, como usuária, na Malha Paulista, mas o projeto seria outro, por exemplo, sem recursos para aumentar a segurança em áreas urbanas, porque isso não faz parte do contrato em vigor. Com isso, não investiríamos mais os R$ 5 bilhões, porque só esses adicionais que estamos propondo representam pelo menos R$ 2 bilhões. Aí essa conta teria de passar para o governo. Agora imagine encontrar tantas dificuldades como agora, em um momento em que ninguém está investindo nada no país. É um discurso, no mínimo, estranho, já que estamos falando em aumentar a capacidade de transporte de carga e dar mais fluidez ao processo.

Participar do leilão do trecho da Ferrovia Norte-Sul é de fato cogitada pela Rumo? Isso está condicionado à renovação da Malha Paulista?
Quem ganhar essa concessão também precisará fazer investimento na calha Norte-Sul, sejamos nós, seja outra empresa. Estamos estudando, sim, a participação no leilão.

A Rumo estuda diversificar investimentos por conta da demora na renovação da Malha Paulista? Pode, por exemplo, aumentar seus ativos na área de portos?
Teremos de aumentar os investimentos porque uma coisa está ligada a outra. O aumento da capacidade da Malha Paulista levará à necessidade de aumento da capacidade do Porto de Santos (no litoral paulista). A Rumo vai olhar investimentos nessa área, direta ou indiretamente. Ou faremos investimento na estrutura atual ou em um novo terminal. Precisaremos de aumento de capacidade.

A fragilidade política desperta preocupação, ainda mais no caso de uma empresa tão dependente de decisões governamentais?
Seja qual for o próximo governo, de direita, esquerda, centro ou qualquer outra coisa, as concessões de ferrovia não serão discutidas. Como sabemos, o passado condena a todos.

O que faz a Rumo


A companhia é dividida em três áreas

Operação Norte
  • Concessões ferroviárias da Malha Norte e Malha Paulista, além dos terminais de transbordo localizados em Mato Grosso e São Paulo. Faz o transporte de commodities agrícolas e fertilizantes, além de produtos industriais.

Operação Sul
  • Operações ferroviárias da Malha Oeste e Malha Sul, além dos terminais de transbordo localizados no Paraná. Transporta commodities agrícolas e fertilizantes, além de produtos industriais.

Operação de Contêineres
  • Inclui a Brado Logística e demais operações de contêineres. Responde pelo transporte de produtos agrícolas, industriais e mercado interno.


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