Economia

Fernando Tennenbaum: 'Temos que ganhar o mercado todo dia'

Executivo fala sobre as transformações do setor de cervejas e dos desafios de vencer a crise

Geraldo Samor, Natalia Viri
postado em 19/09/2018 06:00

Linha de produção da Ambev: fabricante busca portfólio mais completo para atender ao consumidor

São Paulo ; Dona de uma das maiores histórias de criação de valor da bolsa, as ações da Ambev enfrentam sua maior ressaca nos últimos dois anos. Desde o fim de 2016, quando a combinação de crise, concorrência e aumento de impostos causou uma tempestade perfeita, o papel vem vacilando ; neste ano, com o dólar em alta, greve dos caminhoneiros e a incerteza eleitoral, acumula queda de 13%. Os números mostram que o negócio não está fácil. O consumo per capita de cerveja no Brasil caiu 12% desde o pico de 2012. Há quem acredite que o movimento é cíclico, fruto de uma economia que só fez jogar água no chope nos últimos anos. Mas já há quem se preocupe que o movimento seja mais estrutural. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas/Correio Braziliense, Fernando Tennenbaum, o novo diretor financeiro da Ambev, discute a questão.

Nos últimos anos, as principais marcas da Ambev ; Skol, Brahma e Antarctica ; foram espremidas de um lado pela migração para cervejas mais premium e de outro para marcas mais baratas. Como vocês estão lidando com essa mudança?
Temos que dar um passo atrás e ver como o mercado vem evoluindo no Brasil e no mundo. Em 2004, só havia Brahma, Skol e Antarctica, em latinha e retornável. O consumidor era fiel: só tomava Brahma ou só tomava Skol. Agora, o consumidor não é o mesmo em todos os momentos. Isso é uma mudança estrutural, que está acontecendo em todo lugar. Na praia, ele toma Corona. Quando está jantando com o marido ou com a mulher, vai para a Stella Artois. Temos que ter um portfólio mais completo para atender esse consumidor em cada uma das necessidades. E não é só produto, mas embalagem também. Quando vai para um mercado que tem mais marcas, vai ficando mais sofisticado, a oportunidade grande que aparece é a oportunidade premium. Naturalmente, quando olhamos para a frente, imaginamos que o premium vai ser maior do que é hoje, em que representa 10% do volume.

A maior novidade do setor nos últimos anos foi a chegada mais forte da Heineken, que cresceu bem no mercado premium e comprou a Brasil Kirin. Qual o impacto da hegada desse concorrente?
Eu não falo da concorrência, o que eu posso dizer é o que a gente está fazendo. O mais importante é que tem uma ideia errada de todo mundo de que o Brasil não é um mercado competitivo. Daí chega um cara novo e todo mundo acredita que o mercado vai passar a ser competitivo. Sempre foi. O problema é que o Brasil é mais de um Brasil. Quando você olha na média, pode ter a impressão de que não tem competição. Mas, quando você olha região por região, é um mercado supercompetitivo. Nosso vendedor todo dia acorda e, quando ele olha o que ele tem de pedido, ele não tem nada. Tem que ganhar o mercado todo dia. Eu não olharia um competidor específico, eu acho que o mercado vai ser desafiador de um jeito ou de outro.

A Ambev foi construída em cima de um grande poder de distribuição sobre os bares e estaurantes. Com a evolução do mercado, as pessoas começaram a beber mais em casa e o supermercado ganhou participação. A dinâmica de preços é mais difícil nos supermercados?
A questão não é se é difícil negociar com um ou com outro. O que acontece é que a dinâmica dos pontos de venda é diferente. A elasticidade de preço é sempre muito maior nos supermercados, onde a decisão é menos emotiva. Quando você está no bar com os amigos, provavelmente não vai fazer tanta diferença se uma cerveja custa um real a mais ou a menos.

O consumo per capita de cerveja está caindo. Como líderes de categoria, quais providências vocês estão tomando para fazer o consumo crescer de novo?
A indústria vem estável ; sobe um pouquinho, cai um pouquinho ;, muito em função da situação do país. Desde 2014, está quase linear. A gente vem performando, em média, acima da indústria, quase todos os trimestres. Num momento de crise, se você fica olhando trimestre a trimestre, tem uma volatilidade que é normal, mas quando olhar no longo prazo, os fundamentos do país são bons e a gente acha que vai crescer.

Em refrigerantes, a margem vem caindo ao longo do tempo. A Coca-Cola fez diversas aquisições, mundialmente no segmento de soft drinks, indo para água, chá, sucos. Qual diagnóstico você faz?
Refrigerante tem um consumo muito mais elástico que cerveja. Então, quando temos uma crise, ele sente muito mais. Nós também fizemos aquisições. Teve o suco Do Bem, que tem uma proposta diferente e está muito positivo. Dentro dessa marca, estamos ampliando a categoria: tenho suco, chá, leite vegetal. Fora da marca, temos Fusion (energético), Gatorade. No nosso horizonte, o máximo que a gente está indo é uma expansão do portfólio da Do Bem. É uma marca que permite fazer isso.

Como vai o negócio da companhia fora do Brasil?
Hoje 10% do meu resultado é América Central e Caribe. Mas quando vou falar com investidor, ele gasta 99% do tempo falando sobre Brasil e nem lembra que eu tenho um negócio no Caribe, na Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile. Brasil é 60% e tem todo esse resto que cresce muito. América Central e Caribe vêm crescendo acima de 10% todos os anos. Já é um mercado do tamanho do Canadá e o pessoal não olha muito, mas é bem bacana. A gente tem uma posição muito boa na República Dominicana, no Panamá. Uma operação menor, mas com participação relevante, na Guatemala. São países pequenos, mas é a região em que a gente encontra mais oportunidade de crescer o portfólio.

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