Economia

Candidatos ao Planalto escondem a situação fiscal do país

Embora seja considerado inevitável para recolocar o país no rumo do crescimento, o ajuste das contas públicas é pouco detalhado, ou mesmo ignorado, nos programas dos principais postulantes à Presidência da República

Rosana Hessel
postado em 19/09/2018 06:00
Embora seja considerado inevitável para recolocar o país no rumo do crescimento, o ajuste das contas públicas é pouco detalhado, ou mesmo ignorado, nos programas dos principais postulantes à Presidência da República
O desequilíbrio das contas públicas, que compromete a capacidade do governo de investir e desencoraja projetos do setor privado, é um dos principais problemas que terá de ser enfrentado pelo próximo governo para recuperar a saúde da economia. No entanto, nenhum dos programas apresentados pelos candidatos à Presidência da República detalha as medidas que devem ser tomadas para alcançar o ajuste fiscal, considerado inevitável pela grande maioria dos economistas. De acordo com analistas, o que mais há nas propostas dos candidatos são contas que não fecham. Além disso, o quadro é tão ruim que será impossível zerar o deficit primário da União em um ou dois anos, como alguns deles prometem ; mesmo com aumento de tributos.

;Não tem aumento de imposto que dê conta do ajuste fiscal necessário para equilibrar as contas públicas;, afirmou Marcos Lisboa, presidente do Insper, que classifica os programas econômicos dos postulantes ao Planalto de ;inconsistentes e contraditórios;. ;A maioria não toca, de fato, no problema fiscal. Os candidatos jogam para a plateia, apresentando medidas de pequeno impacto, como o imposto sobre grandes fortunas, e ignoram o tamanho do problema. Ele é grave e, se não for enfrentado, a crise vai voltar;, disse Lisboa. Para o economista, serão necessários amplos cortes de gastos e reformas, como a da Previdência, para que a economia recupere a capacidade de crescer.

Bráulio Borges, economista da LCA Consultores, também acredita que o próximo governo terá dificuldades para zerar o deficit primário em até dois anos, ainda que a carga tributária seja elevada. ;A maioria dos programas está muito enxuta, apenas com diretrizes gerais. Os candidatos não detalham como pretendem fazer o ajuste fiscal para não virarem vitrine antes do primeiro turno. Não mostram que vão aumentar impostos, mas isso será inevitável;, frisou.

Estelionato


Para o economista Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), quem diz que não vai aumentar impostos está mentindo, e quem ignora o problema fiscal cometerá estelionato eleitoral em caso de vitória. ;Cortar benefícios tributários, como alguns admitem, equivale a aumentar tributos. Mas, é muito difícil para os candidatos detalharem suas propostas, porque ajuste fiscal machuca. É preciso ter corte de gasto e aumento de tributação. Não tem saída;, sentenciou.

Os especialistas observam que, nos programas dos partidos de direita, de centro e de centro-esquerda, há consenso sobre a necessidade do ajuste, que passa inevitavelmente pelas despesas obrigatórias, como Previdência e folha de pagamento, as que mais pesam no orçamento. Porém, faltam detalhes sobre como fazer o ajuste. As legendas da esquerda, por sua vez, ignoram o problema fiscal e adotam o discurso de que o governo precisa gastar mais, descartando a necessidade de reformas.

Isso vem gerando preocupação no mercado. Os investidores têm reagido positivamente à liderança de Jair Bolsonaro (PSL) nas pesquisas, apesar das ideias polêmicas do candidato, porque consideram que Fernando Haddad (PT), que vem subindo nas sondagens, representa um risco para a economia. Haddad defende um programa estatizante e intervencionista, e indica que pretende interferir na autonomia do Banco Central, entre outras medidas.

Rombo e dívida


A gravidade do desequilíbrio das contas públicas pode ser constatado nos dados do balanço da União de 2017 levantados pela Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal. O patrimônio público federal está negativo em R$ 2,4 bilhões uma vez que os ativos, de R$ 4,9 bilhões, não são suficientes para cobrir o passivo, de R$ 7,3 bilhões. Em qualquer lugar do planeta, uma empresa que apresentasse números como esse estaria em situação de falência. A União registra deficit primário desde 2014 e, pelas estimativas da IFI, deve continuar no vermelho, pelo menos, até 2022.

Não à toa, a dívida pública bruta chegou a 77% do Produto Interno Bruto (PIB) em junho, conforme dados do Banco Central. Pela metodologia usada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), porém, a proporção é de 85,5% ; contra 48% da média dos países emergentes. ;Se a dívida chegar a 90% ou 100% do PIB, o país vai entrar em uma crise muito severa e a inflação vai voltar, porque o governo terá de emitir moeda para cobrir os papéis que forem vencendo;, afirmou Marcos Lisboa, do Insper.

Pelas contas de Samuel Pessoa, da FGV, apenas para zerar o deficit primário da União e estabilizar a dívida será necessário um ajuste de 4% do PIB, ou seja, algo em torno de R$ 300 bilhões, montante superior ao rombo da previdência dos setores público e privado em 2017, que atingiu R$ 268 bilhões. Para ele, o ajuste teria de passar por congelamento de salários, um nova regra do salário mínimo e pela redução de desonerações tributárias.

Os cálculos de Carlos Pedroso, economista sênior do Banco MUFG Brasil, são mais preocupantes. ;Para termos estabilidade da dívida pública, é preciso produzir um superavit primário de 6%, e, portanto, uma diferença de 8% a 9% do PIB é o tamanho do ajuste que precisa ser feito;, disse.

O diretor executivo da IFI, Felipe Salto, alertou para os riscos de um aumento de impostos. Como o país que já tem uma carga tributária elevada, isso pode prejudicar a retomada econômica. ;O Banco Mundial publicou um estudo mostrando que aumento de tributos em países que já têm uma carga elevada é mais prejudicial ao crescimento, a curto prazo, do que cortes de gastos;, afirmou.

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