Economia

Participação feminina no mercado de jogos cresce 38% em quatro anos

O preconceito ainda existe, mas especialistas apostam em rápida evolução com o maior engajamento delas no setor de tecnologia

Simone Kafruni, Bruno Santa Rita*
postado em 01/10/2018 06:00
Michele Pandini: atual cenário abre portas para novas experiências

As mulheres estão cada vez mais presentes no setor de tecnologia, sobretudo nos mercados que envolvem jogos. Desde a idealização e a produção até o monitoramento de público. Do último censo do Ministério da Cultura, divulgado em 2014, para o atual, deste ano, a participação delas na indústria dos games passou de 15% para 20,7%, um crescimento de 38%. Ainda representa apenas um quinto do total, mas a luta do público feminimo para entrar nesse mercado não para, e o envolvimento é crescente.

Para a gerente de comunidade Michele Pandini, que trabalha na empresa desenvolvedora de jogos virtuais Fira Soft há quatro anos, o trabalho para entrar no setor é árduo. Ela explica que já viu muitas atitudes precoceituosas no meio. Porém, felizmente, a experiência dela foi positiva. ;Sempre fui bem recebida na empresa, mas ainda existe muito preconceito por parte dos desenvolvedores e da comunidade;, critica.

Michele trabalha no monitoramento do público para os jogos, atualizando informações sobre a preferência de games de determinados segmentos. Nesse meio, a profissional já ouviu muita coisa. ;Eles acreditam que mulheres não são boas desenvolvedoras;, lamenta. Uma frase comum se refere às mulheres programadoras como as mais discriminadas, segundo Michele. ;Já ouvi dizerem que mulher não programa, mulher desenvolve projetos;, exemplifica.

A gerente vê com bons olhos as novas estatísticas. O aumento da participação representa que o cenário de trabalho para games está abrindo portas para novas experiências. ;Eu vejo uma grande união, não só por parte das mulheres, mas também por parte do público LGBT. Há mais processos nas empresas para aceitarem esse público;, afirma.

A ilustradora Victória Oliveira também entende que o preconceito mais forte é contra as programadoras. ;Geralmente, há essa ideia de que o homem é um ser mais lógico do que a mulher. Eu não acredito nisso. Homens e mulheres são iguais;, diz. Ela trabalha no mercado de games há dois anos e conta que sua experiência tem sido boa.

Onda

O professor André Miceli, coordenador do MBA de Marketing Digital da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que o número de mulheres interessadas nas carreiras de desenvolvimento de novas tecnologias é menor, mas que essa tendência começa a mudar. ;Existe uma primeira onda de profissionais homens, porque a educação ainda sofre o efeito de questões familiares. Os pais estimulam os meninos dando jogos, enquanto dão bonecas para as meninas;, lembra.

Outra questão social com efeito na menor participação feminina na área de Tecnologia de Informação (TI), diz Miceli, é que o trabalho, neste setor, ocorre durante períodos do dia considerados mais perigosos para as mulheres. ;As aulas ocorrem à noite, e as janelas para atualizar sistemas de TI em empresas são durante a madrugada;, enumera. No entanto, numa sociedade cuja distribuição de renda é desigual, como a do Brasil, o interesse das mulheres, em número de matrículas, nas carreiras de Ciência e Engenharia, começa a aumentar. ;A hipótese mais aceita, no entanto, ainda é por questões financeiras, porque essas carreiras costumam pagar mais;, avalia.

O especialista estima que esse quadro deve mudar radicalmente em alguns anos. ;Os governos começaram a fazer os seus programas de inserção das mulheres na tecnologia há menos de 10 anos, e o fizeram com meninas dos níveis de ensino fundamental e básico. Não deu tempo de avaliar os resultados;, diz. Somente quando essas meninas chegarem à idade de escolher as carreiras é que se verá a explosão da participação feminina, aposta.

No entanto, como não é mais possível prescindir da tecnologia, a maior participação das mulheres no setor é inexorável. ;Tínhamos uma formação matemática muito fraca nos rankings das escolas brasileiras. Isso torna essas carreiras mais complexas;, afirma. À medida que a própria gamificação for surtindo efeito na redução da rejeição à disciplina de matemática nas escolas, o efeito será um maior número de profissionais de ambos os gêneros em busca de carreiras ligadas às novas tecnologias.

Gamificação movimenta US$ 2 bilhões nas empresas


Avançar a fase em um jogo virtual deixou de ser mero entretenimento. Há quem use os games para evoluir não só o protagonista do vídeo, mas também as relações empresariais. A Pesquisa Como a indústria brasileira de jogos digitais pode passar de fase, da Universidade de São Paulo (USP), revela que o setor corporativo é o segundo maior mercado de jogos sérios. Estima-se que a movimentação no mercado global de games voltados ao aprendizado seja superior a US$ 2 bilhões.

O fenômeno chamado gamificação atinge várias áreas, como educação, saúde, treinamento, militar, segurança, comunicação. Na saúde, são aplicados jogos para tratamentos de fisioterapia, psicoterapia e terapias cognitivas. Na prevenção, promovem práticas de exercícios físicos e de memória, na quebra de resistências a certos tratamentos, até diagnósticos.

Segundo o levantamento, em todo o campo do conhecimento é possível fazer uso de jogos digitais como ferramenta de apoio à transmissão de conceitos e informações. O diretor da empresa de recursos humanos Spot, Lucas Mendonça, explica que adotou os games como forma de levar engajamento às empresas. ;As pessoas passam horas jogando. Aí pensamos em como aplicar isso no corporativo, porque trabalhamos com motivação e cada pessoa é estimulada por coisas diferentes;, diz. Ele explica que a premiação dos jogos é usada como incentivo. ;Ao premiar em um ranking, valorizando a criatividade, a pessoa se sente bem;, acrescenta. A cooperação da equipe também é reforçada pela gamificação. ;Não é só concorrer. Tem exercícios de engajamento;, assinala.

Conforme Mendonça, existem operações em grupo que dependem da interação da equipe para gerar um melhor resultado. ;Na gamificação, você tem um objetivo comum;, diz. Apesar do foco no jogo, o argumento para as empresas trabalharem com gamificação é sério. ;Não é uma brincadeira. Melhora a produtividade e o comportamento das pessoas na empresa;, destaca.

O diretor da Spot garante que a recepção dos gestores é positiva quando fica claro o objetivo de motivar a equipe. ;Uma grande dificuldade das empresas é manter as pessoas motivadas. A gente aprofunda essa questão da motivação humana nas conversas com os clientes;, acrescenta.

Estratégia
A corretora de seguros Wiz Soluções aderiu ao projeto. Segundo a superintendente de gestão da empresa, Cristina Leal, a estratégia de gamificação foi usada há quatro anos, inicialmente, como ferramenta de educação corporativa. A técnica foi usar moedas virtuais que podiam ser trocadas por ações de desenvolvimento, como cursos para os funcionários. A plataforma gamificada contribuiu para que os colaboradores entendessem melhor questões específicas do negócio. "Essa solução ajudou nosso time a acompanhar melhor, por exemplo, a remuneração variável; explica.

Outra empresa que decidiu aderir à gamificação foi a Brasal. Segundo a gerente de marketing, Laissa Alvim, os objetivos iniciais são fortalecer a cultura institucional da empresa e gerar ações positivas. ;Como a Brasal é uma empresa com vários segmentos e tem estágios diferentes de colaboradores, existia uma dificuldade em levar a cultura para todos os empregados. A gamificação é uma oportunidade para experimentarmos;, conta.

Segundo Laissa, os empregados estão cientes da implantação do projeto e ansiosos pelos resultados da novidade. ;Está todo mundo com uma expectativa boa;, analisa. Ela admite que o trabalho não acaba com a implantação da gamificação na empresa. Ainda será necessário monitorar o engajamento e promover uma transição para mais plataformas digitais. ;O mundo é digital. É uma transformação necessária;, resume. (BSR com a colaboração de Anna Russi*)

* Estagiário sob supervisão de Simone Kafruni

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