Pedro Arbex
postado em 01/10/2018 06:00
São Paulo ; Santiago Urquiza, um ex-operador de câmbio de 61 anos, escuta, desde que começou a atuar no mercado de ações do México, as mesmas reclamações de investidores: ;Não há empresas suficientes para negociar;, ;o mercado é muito raso;, ;os custos são altos;. Para ele, a raiz dos problemas tem nome e sobrenome: a falta de concorrência. Com o diagnóstico pronto, o empresário começou ; ainda em 2004 ; um projeto ousado: a criação de uma nova bolsa de valores num país que tem um mercado três vezes menor que o do Brasil e no qual a Bolsa Mexicana de Valores (BMV) reina sozinha há 43 anos. Na época, Urquiza já tinha uma bagagem. Ele havia fundado, em 1993, a Central de Corretajes, hoje um grupo com quatro empresas atuando em diferentes áreas do mercado de capitais.
A mudança do presidente mexicano, em 2006, quando o conservador Felipe Calderón foi eleito, e a crise internacional dos subprimes, dois anos depois, fizeram com que o sonho de Urquiza ficasse engavetado. Agora, quase 15 anos depois, a ideia saiu do papel: em julho, a Bolsa Institucional de Valores (Biva) abriu as portas na Cidade do México, num prédio localizado a apenas sete quilômetros de sua concorrente. ;O mercado de ações do México não cresce há pelo menos 20 anos;, disse. ;Para mudar isso, a literatura mostra que a melhor solução é aumentar a competição.;
Com a entrada em operação da Biva, o Brasil tornou-se o único país ; entre as 15 maiores economias do mundo ; a ter apenas uma bolsa de valores. Para efeito de comparação, nos Estados Unidos, são 13; no Canadá, cinco; na Espanha e na Inglaterra, quatro; e, na França e na Itália, três.
Avanço rápido
Com poucos meses de vida, a nova bolsa mexicana já conquistou 10% do volume de operações locais, que movimentam US$ 700 milhões por dia (no Brasil, a média diária gira em torno de US$ 3 bilhões). A meta de Urquiza é dobrar a fatia até julho do ano que vem.
Para se diferenciar, a empresa foi atrás do que há de mais moderno no mercado, incluindo sistemas desenvolvidos pela Nasdaq. Além disso, a Biva criou um novo índice de ações, em parceria com a inglesa FTSE Russell, referência global na área. Com 52 empresas mexicanas de diferentes tamanhos e setores, o FTSE Biva Index tem 15 companhias a mais do que o índice da BMV e será ajustado a cada seis meses.
A Biva usa leilões para determinar os preços de fechamento, oferece um sistema de vendas em bloco mais dinâmico do que a BMV e abriu as portas com custos de listagem e de trading muito inferiores aos da concorrente. Os custos de listagem para empresas na Biva, por exemplo, são de 20% a 50% menores do que os da BMV, garante o empresário.
O objetivo com o investimento nas tecnologias mais modernas e com a oferta de preços mais competitivos é conquistar as empresas já listadas na rival e fechar este ano com 30 companhias operando em sua plataforma. O processo não será fácil. ;Para migrarem para a nossa Bolsa, as empresas precisam de aprovação no conselho de administração, o que às vezes demora;, afirma Urquiza.
Outra frente de crescimento será o próprio avanço do mercado de ações mexicano. Com a maior competição e melhora nos serviços e preços, a expectativa de Urquiza é de que 55 novas empresas abram o capital no país até 2021 ; e que boa parte delas liste suas ações na Biva. Hoje, o México conta com apenas 145 empresas listadas; no Brasil, são 344.
Desenvolvimento
O investimento total para criar e estruturar a Biva deve chegar a US$ 50 milhões até o início de 2019. Boa parte desses recursos foi captada com o LIV Capital, um fundo mexicano de private equity. O restante foi bancado pelo próprio Urquiza. Um dos fatores que estimulou o desenvolvimento da Biva foi a reforma financeira do México, realizada no início da década. Embora não falasse especificamente das bolsas de valores, a reforma buscava uma maior competição em todo o mercado de capitais. ;Quando apresentamos o projeto, desde o primeiro dia o governo tomou como política pública;, diz.
Enquanto Urquiza desenvolvia sua bolsa no México, no Brasil o fim do monopólio da B3 no mercado de ações ; que começou há quase duas décadas com a integração de todas as bolsas regionais na antiga Bovespa ; caminha a passos lentos. Ao longo dos últimos anos, diversas bolsas internacionais, como a britânica Bats e a americana DirectEdge, ensaiaram uma incursão no mercado brasileiro, mas desistiram principalmente pela dificuldade de ter acesso aos sistemas de liquidação e custódia da B3.
A única que ainda trabalha para garantir seu espaço nesse setor é a Americas Trading Group (ATG), que desde 2012 tem planos de lançar uma bolsa por aqui. Quando houve a fusão da BM Bovespa com a Cetip (que originou a B3), em 2017, uma das condições do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) foi que a empresa liberasse seus sistemas a preços definidos em arbitragem. No início do ano, o processo avançou. A ATG conectou-se ao sistema de liquidação da B3 e aguarda a decisão da arbitragem em relação aos preços para usar o sistema de custódia. Quem sabe, em breve, o Brasil não seguirá os passos de Santiago Urquiza.