Economia

Planos de Haddad e Bolsonaro tratam a economia de forma antagônica

Programas de governo têm matrizes distintas: um liberal e outro intervencionista. No entanto, de acordo com especialistas, ambos são de difícil aplicação

Simone Kafruni
postado em 08/10/2018 06:00
Os programas econômicos dos dois candidatos à Presidência da República que disputarão o segundo turno ; Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) ; são bastante antagônicos. Enquanto um é intervencionista, o outro flerta abertamente com o liberalismo. No entanto, na avaliação de especialistas, os dois planos de governo terão de ser revistos antes do embate final entre os adversários nas urnas, marcado para 28 de outubro.

Com mais de 46% dos votos válidos no primeiro turno, Bolsonaro promete unificar impostos, fechar estatais, reduzir os atuais 29 ministérios para 23, manter o tripé econômico de câmbio flexível e metas fiscal e de inflação, e introduzir um sistema de contas individuais de capitalização para reformar a Previdência Social, além de ampliar a reforma trabalhista, com a criação de uma nova carteira de trabalho.

Garantido na disputa do segundo turno, com cerca de 29% dos votos válidos, Haddad quer isentar os mais pobres de impostos e taxar grandes fortunas, manter o câmbio competitivo e menos volátil mediante regulações e controle de entrada de capital especulativo no país. O petista ainda defende revogar a reforma trabalhista e a emenda constitucional do teto dos gastos, tributar mais os bancos e suspender a privatização de empresas consideradas estratégicas para o país.

Programas de governo têm matrizes distintas: um liberal e outro intervencionista. No entanto, de acordo com especialistas, ambos são de difícil aplicação

Para a professora de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Maria Beatriz David de Albuquerque, nenhum dos dois projetos de governo apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) serão levados a cabo. ;Os dois são inviáveis e, certamente, haverá um redirecionamento das propostas;, prevê. Segundo ela, isso vai ocorrer porque, do lado do PT, Haddad precisa ampliar o espectro político de apoio para vencer as eleições. ;O programa dele é de rompimento com a trajetória dos outros governos do PT, é isolacionista. Terá de flexibilizar seu projeto econômico;, afirma.

Já o plano econômico de Bolsonaro, desenhado pelo economista Paulo Guedes, não combina com a figura política do candidato do PSL, na opinião da professora. ;Bolsonaro é nacionalista, mas o programa é totalmente liberal. E ele mandou o economista calar a boca. Se for radical, vai sofrer o isolamento;, estima. O ponto principal, para a especialista, no entanto, é que os dois candidatos têm propostas antidemocráticas. ;Um quer nova Constituição, o outro quer fazer uma constituinte de notáveis. Isso nem passará pelo Congresso;, diz.

Maria Beatriz ainda comenta que a reforma da Previdência e as privatizações serão um problema para o candidato do PSL. ;O Bolsonaro contou com o apoio dos militares, tem muita coisa ligada à Defesa nas privatizações, Vai ter que rever isso. Como vai rever os privilégios previdenciários, se são justamente nos setores militar, judiciário e legislativo?;, indaga. Tampouco, acredita a professora de economia, Bolsonaro conseguirá resolver a questão da dívida pública em um ano, como está escrito no seu programa de governo.

O economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, afirma que os programas são opostos. ;O do PT é petista de raiz. Intervencionista. Quer controlar o spread bancário, tributar dividendos distribuídos. São medidas controversas;, avalia. O plano de Bolsonaro, ao contrário, tem uma filosofia clara ;de economia de mercado;, aponta. ;Ele pretende manter a liberdade de iniciativa.; Contudo, Freitas se preocupa com a falta de propostas para buscar a estabilidade fiscal. ;Os dois vão mal nesse aspecto;, critica.

O professor do Insper Ricardo Rocha tem a mesma opinião sobre a questão fiscal. ;Nenhum dos dois programas deixa claro como recuperar as contas públicas;, destaca. ;O do PT me parece mais para Dilma do que para Lula, muito estatizante, uma coisa confusa em relação a bancos. Num segundo turno, Haddad vai ter de explicar isso melhor;, pontua. Do lado do Bolsonaro, Rocha estima que a área econômica também terá de detalhar as propostas econômicas. ;Como vão ajustar a Previdência, que é um ponto importante, não ficou claro. Mas é mais pró-mercado;, afirma.

As reformas tributárias prometidas pelos dois candidatos são inviáveis, acrescenta o professor. ;Me parece que nenhuma das duas é possível. É difícil cortar tributação, porque a questão fiscal é muito forte. Temos problema sério de engessamento orçamentário, o que levou as duas candidaturas a falarem em reformas constitucionais. Ambos foram muito criticados por isso;, aponta. Para Rocha, o segundo turno será a eleição da rejeição. ;Vai ser a narrativa do bem contra o mal. Agora, resta saber quem é o bem e quem é mal;, pondera.

No entender de José Marilsons Martins Dantas, do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais (CCA) da Universidade de Brasília (UnB), as propostas tributárias de ambos os candidatos são muito simplistas. ;Houve uma simplificação política para comunicar ao povo. Mas não pode ser assim. Isso será um desafio para os dois candidatos;, ressalta. A reforma previdenciária, completa, terá de ser amplamente discutida com a sociedade. ;Os dois projetos também tratam muito superficialmente a questão da dívida pública;, acrescenta.

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