Economia

Proposta de Bolsonaro de fundir Fazenda e Planejamento divide analistas

Líder nas pesquisas de intenção de voto, o candidato do PSL pretende, se eleito, fundir os dois ministérios, sob o comando de Paulo Guedes

Paulo Silva Pinto
postado em 22/10/2018 06:00
Segundo especialistas, o sucesso do possível ministro vai depender da relação do economista com o presidenciável, caso o deputado seja eleito
Daqui a pouco mais de dois meses, provavelmente ninguém terá tanto poder na Esplanada dos Ministérios, além do próprio presidente, quanto o economista Paulo Guedes. Assim será caso se confirmem as previsões que, no momento, têm maior chance de acontecer: a vitória de Jair Bolsonaro (PSL) nas urnas no próximo dia 28, conforme indicam as pesquisas de intenção de voto, e a indicação de Guedes para o comando da área econômica, de acordo com os planos anunciados pelo capitão reformado do Exército.

Não foram poucos os titulares da Fazenda que podem ser chamados de superministros: Delfim Netto, Maílson da Nóbrega, Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero, Pedro Malan e Antonio Palocci se encaixam nessa definição. Só que, de acordo com o roteiro traçado, Guedes não será apenas ministro da Fazenda. Vai acumular também a pasta do Planejamento. Nessa categoria, só se encaixa Zélia Cardoso de Mello, no governo de Fernando Collor, que reunia também outras pastas, como a de Desenvolvimento e Comércio Exterior. Quando Itamar Franco assumiu a Presidência, após o impeachment de Collor, as pastas voltaram a ser desmembradas.

Entre analistas, a ideia é controversa. Há muitas dúvidas na sociedade e no mercado se tanta concentração de poder vai funcionar. ;A única avaliação que temos sobre isso é empírica. Com a Zélia, não deu certo;, afirma Paulo Baía, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele não acredita, porém, que será um desastre imediato. ;No início do mandato, o novo presidente terá muita força e todas as ações serão muito facilitadas por isso;, explica.

Para o cientista político Murilo Aragão, da Arko Advice, as situações separadas por quase três décadas são muito diferentes. ;Paulo Guedes não é a Zélia. Tem muito mais estofo e interação com o mercado. Uma demonstração disso é que as perspectivas para investimentos no próximo ano são altamente favoráveis;, defende.

Os superministros, porém, são mais a regra do que a exceção, nota o economista Eduardo Velho, sócio da consultoria G.O. Associados. ;O normal é que o Planejamento esteja alinhado com a Fazenda. Quando isso não acontece é que há problema;, destaca. Ele percebe essas situações de dicotomia em algumas fases de certa instabilidade. Por exemplo, quando Pedro Malan comandava a Fazenda e o senador José Serra (PSDB-SP) estava no Planejamento. Ou, mais recentemente, na gestão de Dilma Rousseff, quando na primeira pasta estava Joaquim Levy e, na segunda, Nelson Barbosa. ;Em um país com um grande problema fiscal, como o Brasil, é importante que o ministro da Fazenda tenha grande poder na elaboração do orçamento, a principal função do Planejamento;.

Velho atuou no Ministério do Planejamento quando o órgão era chefiado por Martus Tavares, no segundo mandato da presidência de Fernando Henrique Cardoso. À época, não havia qualquer divergência com a Fazenda. Ele não vê grandes problemas na concentração de poder com a fusão das pastas, lembrando que várias áreas da Fazenda equivalem em complexidade ao Planejamento. É o caso do Tesouro Nacional e o da Receita Federal, por exemplo. ;O que se terá de fazer é escolher nomes fortes para todas essas áreas e delegar as decisões;.

Opinião contrária

O economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC), não vê a ideia com bons olhos, apesar de considerar boas as perspectivas de um eventual governo Bolsonaro. ;Juntar os dois ministérios é uma grande bobagem. No fim, vão ter de voltar atrás;, alerta. Ele foi assessor de Zélia no Ministério da Economia, entre 1990 e 1991. ;Não é que a junção mate o paciente. Funciona, mas pode ser melhor de outra maneira;, argumenta.

Freitas destaca que, embora a elaboração do orçamento seja a principal atribuição do Planejamento, há outras muito importantes e que têm sido deixadas de lado. Uma delas é analisar de modo detalhado as despesas com pessoal, para checar que áreas têm funcionários de mais ou de menos, e em quais os salários estão acima ou abaixo de funções equivalentes na iniciativa privada. ;Os gastos com pessoal não são altos como um todo. Estão em torno de 4% do PIB (Produto Interno Bruto). Mas podem cair para cerca de 3,8%, com aumento da eficiência;, nota.

O economista atribui a condensação das áreas a uma ideia equivocada de eficiência do Estado dependente da radical redução no número de pastas. ;É uma mania liberal de reduzir ao mínimo o número de ministérios. Tem que cortar mesmo, mas tirando o da pesca, o do mel de abelha;, brinca. Freitas acha que realmente é necessário alinhamento entre a Fazenda e o Planejamento.

;Mas pode haver problemas de entrosamento mesmo entre o ministro da Economia e o secretário de Planejamento. São riscos que se corre em qualquer grande organização. No regime presidencialista, quem deve resolver isso é o presidente da República.; Ele vê um risco adicional na junção das pastas: a composição do Conselho Monetário Nacional (CMN), integrado pelo presidente do BC e pelos ministros da Fazenda e do Planejamento. Com o novo desenho, o órgão, que, entre outras funções, determina a meta de inflação do país, ficaria só com duas pessoas, ou teria de ser redesenhado.

No Brasil, somente Zélia Cardoso de Mello, com Collor, reuniu tantas pastas sob seu comando

Relação

O economista Eduardo Velho avalia que o sucesso da gestão de Guedes vai depender da relação entre Bolsonaro, caso venha a ser eleito, e seu superministro. No caso de Zélia, isso não deu certo, destaca, justamente porque o plano econômico e fiscal da ministra começou a ter resultados ruins. ;Depois veio a perda de credibilidade do próprio Collor, com queda de aprovação do presidente;, conta.

Ele vê grande chance de sucesso no atual caso. ;Não haverá uma preocupação de Bolsonaro com o protagonismo do ministro, por exemplo, algo que poderia atrapalhar;, diz. Isso vai depender também do sucesso do plano econômico, mas Velho considera grandes as chances de que funcione. Ele antevê alguma dificuldade de implementação de políticas devido ao fato de que tanto Guedes quanto o capitão reformado do Exército não têm experiência no Executivo, mas acha que isso pode ser superado.

;A pauta econômica será calcada na abertura comercial ; o que é bom, porque o Brasil ainda é um país fechado e porque isso pode favorecer o estabelecimento de acordos comerciais com países mais relevantes ; e nas privatizações, o que poderá melhorar a situação fiscal até que a economia se recupere com mais força, em 2020, e as receitas recorrentes sejam mais robustas;, elenca.

Nesse cenário, Velho espera que o deficit público seja mantido sob controle e a inflação permaneça baixa. ;As expectativas já estão melhores, e isso deve ser levado em conta na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central);. Ele acha importante que, assim que sair o resultado das urnas, e caso Bolsonaro seja confirmado como presidente eleito, como indicam as pesquisas, que seja acertado com o governo de Michel Temer o envio ao Congresso de um projeto com cortes de despesas discricionárias já para este ano. ;Isso é importante para dar credibilidade ao novo governo;, destaca.

Czar da economia

O economista Antonio Delfim Netto conseguiu protagonizar a condução da política econômica em diferentes pastas durante o regime militar. Ele foi ministro da Fazenda entre 1967 e 1974, nos governos dos generais Arthur Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici. No governo de João Batista Figueiredo, voltou chefiando a Agricultura. No Planejamento, estava seu desafeto Mário Henrique Simonsen. Mas Simonsen logo deixou o governo e Delfim foi para seu lugar. Como a Fazenda era ocupada por Ernane Galveas, aliado de Delfim, não houve qualquer desavença na condução da política econômica, e Delfim voltou a ser o responsável pela condução da política econômica do governo.

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