Economia

Brasileiro é menos sensível a preços do que europeu, afirma Wilhelm Kauth

Executivo responsável por reformular a divisão de marcas próprias do Pão de Açúcar, Wilhelm Kauth trabalha para mudar os hábitos dos brasileiros e já obtém resultados

Natalia Viri
postado em 01/11/2018 06:00
Wilhelm Kauth

São Paulo
; Wilhelm Kauth não entende a razão de o brasileiro apreciar farofa, nem de onde vem o hábito de colocar goiabada em tantas sobremesas. Mas o alemão, contratado há um ano para reformular as marcas exclusivas do Grupo Pão de Açúcar (GPA), está conseguindo vender mais farofa e goiabada Qualitá. Em outubro, as vendas da marca Qualitá cresceram 30% em relação ao mesmo mês de 2017.

O Brasil é um dos mercados do mundo com a menor participação de marcas próprias no total das vendas ; apenas 5% ; e o aumento da aceitação desse tipo de produto é uma das principais estratégias do GPA para os próximos anos. É instrumento para aumentar margens, diminuir a dependência da indústria e fidelizar os clientes.

;No passado, o grupo posicionou a marca Qualitá apenas como preço, o que não fideliza o cliente; a proposta e o posicionamento tem de ser de preço e qualidade;, disse Kauth, durante encontro com jornalistas. O executivo aprendeu um português fluente morando oito anos em Lisboa, onde trabalhava para o grupo Lidl, o maior varejista europeu, com mais de US$ 100 bilhões de faturamento.

Antes de chegar ao GPA, ele fez carreira de 16 anos na rede alemã, que é um exemplo quando se trata de marcas próprias: mais de 80% das vendas da empresa tem origem nesses produtos. Com supermercados relativamente pequenos e uma oferta enxuta ; cerca de um terço da variedade dos concorrentes ;, a Lidl consegue vender produtos equivalentes até 50% mais baixos que os preços da concorrência.

Essa estratégia ; utilizada também por outros varejistas como a também alemã Aldi ; exige esforço monumental junto à cadeia de fornecedores. Muito mais do que vender o produto, a Lidl aprendeu a produzi-lo e empacotá-lo de uma forma tão atrativa quanto empresas globais de bens de consumo, desenvolvendo itens premium e comunicando que não há relação de perda na qualidade em razão do preço menor.

No mercado europeu, as marcas próprias já representam cerca de 40% do varejo, de acordo com dados da empresa de informação e consultoria de consumo Nielsen, número que aumenta ano a ano. No Brasil, a participação fica abaixo dos 8% observados na América Latina.

Pode parecer contraintuitivo, mas Kauth diz que o consumidor brasileiro é menos sensível a preço do que o europeu porque é mais emocional na hora da compra ; o que significa que precisa de uma conexão com a marca para colocá-la no carrinho.

As vendas da marca própria Qualitá cesceram 30% neste mês ante a outubro de 2017

Cliente exigente

Mas as dificuldades logísticas e limitações da própria cadeia de suprimentos também criam um gargalo no lado da oferta. O maior desafio de Kauth é exatamente o relacionamento com a indústria. Sua equipe refez todo a relação com a cadeia de fornecedores para garantir a qualidade dos produtos e assegurar que haveria escala para diminuir ainda mais os preços.

Até o ano passado, os produtos Qualitá eram, em média, de 10% a 15% mais baratos que os produtos de marcas tradicionais. Neste ano, a diferença passou para 35%. O executivo alemão também fez um funil de qualidade. Se o produto não estava em condições de competir com o líder de categoria, foi reformulado ou riscado do portfólio. Foram centenas de painéis de degustações com os consumidores.

Cerca de 300 produtos foram cortados do portfólio Qualitá, que hoje conta com 1.300 itens. Em 2019, esse número deve chegar a 2.800, saindo, além da linha mais básica de produtos de mercearia e de limpeza, que já são os carros-chefes da marca, para mercadorias um pouco mais sofisticadas, como uma linha light e uma premium, que vai incluir chocolates, doces finos e massas frescas.

Estudo da Nielsen mostra que as marcas próprias vêm ganhando participação no mundo todo. Em mercados mais maduros, como o europeu, chegam a liderar a inovação nas categorias em que atuam. Mais bem informados, muitos consumidores enxergam as marcas próprias como equivalentes ou substitutas de marcas multinacionais.

No Brasil, o momento pode ser propício. Com a opção por produtos mais baratos devido à crise da economia, o consumidor pode ter a percepção de que não há prejuízo de qualidade em relação à marca líder e manter a marca própria na cesta de compra mesmo em tempos mais prósperos.

Espaço

Se o plano do GPA de fato funcionar, a rede deve arrumar um problema com a indústria, que vai perder espaço na gôndola. Racional, Kauth diz que esse é um bom problema. ;Nos últimos dois meses, algumas grandes marcas já começaram a mostrar algum desconforto;, afirma. ;Mas isso é um sinal de que estamos fazendo um bom trabalho. O Brasil é um mercado muito dominado pela indústria.;

A Taeq, marca associada a produtos saudáveis, deve ser a próxima marca própria do GPA a passar por uma reformulação. ;No mundo, em média, os produtos orgânicos ou aqueles destinados a consumidores com intolerância alimentar (a glúten ou a lactose) são de 30% a 40% mais caros que os tradicionais. Aqui, esse valor chega a ser o triplo;, diz. ;Há uma oportunidade muito grande;.

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