Economia

O maior desafio do novo governo é a crise fiscal, diz economista

Especialista Nicola Tingas diz que a volta dos investimentos depende de solução para contas públicas

Nelson Cilo
postado em 12/11/2018 06:40
São Paulo ; O economista Nicola Tingas, responsável pelo Departamento de Economia da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), tem se dedicado a apoiar e ampliar pesquisas, estudos e análises sobre a economia brasileira. Nos últimos meses, ele avaliou de perto o impacto da eleição no ambiente de negócios do país. Nesta entrevista, Tingas destaca que a perspectiva de um governo mais liberal é positiva, deverá estimular a atração de investimentos e a geração de empregos.

Superadas as turbulências eleitorais, qual é a sua visão sobre os rumos da economia brasileira?
Estamos ainda numa situação de crise fiscal. É necessário que se priorize agora a construção de uma política econômica consistente. Por enquanto, o que se sabe do presidente eleito Jair Bolsonaro e da equipe econômica é que ele e seus assessores lideram essa frente. Mas essa frente depende também de apoio parlamentar, como é o caso da reforma da Previdência. O mercado como um todo está acompanhando o andamento desse processo, a equipe só toma posse no governo em janeiro, e nós estamos ainda no começo da transição. A expectativa é em relação à capacidade do novo governo de cumprir essa agenda.

As perspectivas são positivas para o setor produtivo, que historicamente reivindica políticas de incentivo setorial?
Como em qualquer setor da economia, cada um vai tentar defender seus interesses dentro das normas legais e de acordo com a Constituição. Há de se considerar caso a caso, como estão os setores e como está a política de governo com relação a subsídios. Essa é uma discussão que está em aberto. Como é que vai se fazer uma plataforma de crescimento econômico consistente, sem contar com subsídios? O governo não poderá abandonar subsídios de qualidade e muito bem definidos.

A queda do dólar e a alta da bolsa podem ser encaradas como uma reação de comemoração por parte do empresariado?
Não. Ainda existem riscos no horizonte. Os mercados têm sidos afetados pelo que está acontecendo lá fora. Estávamos sendo afetados pelo resultado das eleições aqui e nos Estados Unidos; onde os democratas ganharam a maioria das cadeiras no Congresso, os republicanos levaram o Senado. Agora, temos a questão das turbulências no comércio internacional, que preocupam. Tudo vai depender da concretização das expectativas com relação à viabilidade de uma agenda econômica forte e que coloque o Brasil em rota de crescimento consistente e de longo tempo. Os mercados estão reagindo ainda de forma momentânea e aguardando os acontecimentos.

Quais são os maiores desafios do novo governo?
Sem dúvida nenhuma, é fiscal. A questão de ter uma dívida grande, que já se aproxima de 80% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma da produção de bens e serviços do país), é um desafio enorme. O deficit está sendo financiado com dívida crescente, e isso não funciona em nenhum país, em governo estadual ou em um município. Não funciona para uma empresa e não funciona para o orçamento familiar. Será preciso sanear minimamente as finanças, o fluxo de caixa do governo; criar condições de aumento de receitas através de crescimento, diminuir os desperdícios e controlar as despesas. O próximo governo precisará ter, antes de tudo, uma gestão eficiente das finanças públicas. Só assim, realizando as reformas, poderemos cobrir o rombo que temos.

As reformas tendem a ser aprovadas de forma mais rápida no Congresso agora com um novo governo?
Historicamente, não só no Brasil, mas em muitos países, um governo recém-eleito tem a credibilidade das urnas, e esse governo também fez uma participação importante no Congresso. Bolsonaro não tem maioria, mas tem, como de praxe, a capacidade de mobilização da força política que recebeu das urnas. Isso será sua chave para tentar conquistar o suporte do Congresso para aprovar as reformas. Mas isso ainda está em aberto. O Congresso tomará posse em fevereiro, e o governo, em janeiro. Estamos observando que, por enquanto, as negociações ainda estão muito incipientes.

Qual será o impacto na economia caso as prometidas privatizações saiam do papel?
As privatizações são uma das formas de sanar problemas financeiros, para ter caixa e fazer investimentos. Hoje, por exemplo, sabemos que as privatizações serão utilizadas pela equipe do novo governo para poder abater uma parte da dívida. Mas as privatizações levam um tempo para acontecer, pois são trâmites mais complexos e acontecem ao longo do tempo. Julgo que as privatizações serão muito mais importantes para construir agenda progressista para a economia do que para reduzir a dívida do Estado. Em curtíssimo prazo, temos que tomar medidas na área fiscal e, principalmente, ter o andamento na reforma da Previdência, que é um dos principais itens de deficit do orçamento público.

A intenção de Paulo Guedes de zerar o deficit fiscal é factível no curto prazo?
Ninguém definiu muito bem de que déficit ele está falando, e qual prazo é esse. Tudo depende da capacidade de ter ferramentas nas mãos. Se Guedes conseguir crescimento econômico fantástico, em um ou dois anos, a criação de receita já ajudaria. Se adotar medidas de contenção de despesas e contar com privatizações, com reformas, certamente poderá conseguir zerar o deficit em poucos anos. Agora, tudo isso é uma agenda complexa num país que vive um momento delicado.

Corte drástico nos gastos públicos não poderá comprometer o funcionamento de áreas essenciais, como saúde e educação?
Na verdade, todas essas áreas estão extremamente comprometidas há vários anos. Estão de forma crescentemente comprometidas. Então, o que nós precisamos é estancar esse processo de total perda de qualidade em alguns segmentos de serviços públicos em algumas regiões do país e reverter isso. É prioridade. Vejo que este governo, pelo menos na campanha, nas propostas, está dizendo que vai cumprir com essas metas sociais. O problema será ter fontes de recursos para isso. Acho que a área de serviço público e tudo o que diz respeito à população, a grande demanda do eleitor, está nas prioridades.

A aproximação do Brasil dos Estados Unidos e Israel e o afastamento do Mercosul são uma decisão acertada do próximo governo?
Como o próprio presidente eleito disse, em parte como candidato, não tem nada certo ainda. É muito natural que, depois de uma eleição acirrada, qualquer que fosse dos candidatos o presidente eleito, teria ainda que parar para fazer sua agenda de governo. Tanto por parte de um candidato quanto por parte do outro, não havia uma grande definição de agenda. Havia ainda uma luta política, de preceitos, de definições do país. Então, acho que, encerrada a eleição e escolhido um presidente, esse presidente eleito está tentando montar sua equipe e fazer sua plataforma. Acho que faz parte do processo ainda que a gente tenha essas controvérsias, as ideias não estão totalmente estruturadas, estão pensando no assunto, a gente tem que dar um tempo para que o presidente recém-eleito venha a se organizar e apresentar uma pauta consistente de ações.

O que esperar do mercado de trabalho em 2019?
Se o governo Bolsonaro conseguir encaminhar moderadamente a política econômica e as reformas, prevejo que tenhamos crescimento de 2,5% a 3%, o que significa que a gente estará retomando as demandas, os investimentos e os negócios. Se o país tiver um quadro de confiança vindo dessa plataforma de governo e das medidas, podemos resolver a demanda e resgatar o emprego.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação