Economia

Para analistas, deflação alivia consumidor, mas não deve ser comemorada

Queda nos preços, puxada por alimentos e combustíveis, alivia consumidores no curto prazo, mas não deve ser festejada, segundo especialistas. IPCA preocupa setor produtivo

Nelson Cilo
postado em 13/12/2018 06:00
Nos supermercados, reação do consumidor é entendida como fruto dos desafios que a economia enfrenta, principalmente o desemprego alto no país
São Paulo ; Os últimos índices oficiais de preços foram recebidos com estranheza pelo presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto. Depois de vários meses com a inflação sob controle, em agosto e novembro houve um fenômeno raro no dicionário econômico brasileiro: deflação. ;Temos grandes desafios pela frente. O desemprego ainda é um dos maiores deles, e está afetando diretamente o poder de compra do brasileiro;, disse o executivo. ;O ano de 2018 começou com muitas expectativas para o setor, mas com um grande desafio na ativação de consumo da população, que ainda segue receosa quanto aos gastos, mesmo após a crise;, destaca.

Na prática, o que mais tem preocupado não é apenas a queda nos preços, mas as oscilações. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, recuou 0,21% em novembro, pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado foi o menor desde junho de 2017, quando o IPCA ficou negativo em 0,23%. Trata-se também da menor taxa para um mês de novembro desde a implantação do Plano Real, em 1994. Esta foi a segunda deflação registrada pelo IBGE em 2018. Em agosto, o índice teve variação negativa de 0,09%.

Segundo a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, tão ruim quanto a inflação alta, fora de controle, é uma trajetória de deflação. ;O ano foi muito estagnado para a economia brasileira, e uma queda de preços pode mais atrapalhar do que ajudar;, disse Simone. ;A deflação não é benigna e precisa ser monitorada com atenção para não gerar problemas para vários setores da economia.;
A explicação para isso é simples: embora a deflação gere um alívio imediato para os consumidores e abra espaço para recomposição de margens de lucro, algumas despesas fixas das empresas, como folhas de pagamentos, não são reduzidas na mesma proporção. ;Sem saber qual será o preço para o consumidor final, as empresas têm dificuldades em se planejar tanto quando os preços sobem demais tanto quando caem demais;, afirmou o economista Fabio Eher, especialista em varejo e políticas de preços pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag InvestimentosO problema é que, em geral, a deflação tem favorecido os brasileiros de faixa de renda mais elevadas. Segundo o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, referente a novembro, foi registrada deflação para todos os segmentos pesquisados. O alívio, no entanto, foi menos intenso entre as famílias classificadas na faixa ;renda muito baixa; (-0,17%), enquanto no perfil ;renda alta;, o indicador recuou 0,23%.


Nova realidade

Segundo os pesquisadores do Ipea, a deflação foi menor para as pessoas mais pobres por causa da dinâmica de preços de alimentos. ;A alta de 0,39% do grupo ;alimentos e bebidas; provocou um aumento inflacionário maior para as pessoas de renda mais baixa, por conta do peso desses itens na cesta de consumo da população mais pobre;, afirmou o Ipea, em nota.

Além dos alimentos, os reajustes de 0,5% do gás de botijão e de 0,4% dos aluguéis também contribuíram para limitar a deflação das classes mais baixas, segundo o estudo. No desagregado, a deflação do IPCA foi puxada da queda de preços na conta de luz e nos produtos de higiene pessoal. ;As famílias de renda mais alta, por sua vez, registraram uma deflação maior principalmente devido à retração do preço da gasolina (-3,1%). No cômputo geral, essas famílias de maior poder aquisitivo sofreram menos com os preços, embora também tenham se beneficiado menos do recuo das tarifas de energia elétrica;, concluiu o Ipea.

O lado bom desse recuo dos preços é que, ao que tudo indica, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), manterá a Selic em patamares baixos pelos próximos meses. Ontem, o índice foi mantido em 6,5% pela sexta vez consecutiva.

;O BC deve manter em 6,5% a taxa base, porque a inflação está bem controlada. Depois de ter dado uma acelerada nos últimos meses, ela desacelerou forte e veio até com deflação no mês passado;, explica Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos. Para ele, a manutenção da taxa em 6,5% poderá ajudar a estimular a economia em 2019, com destaque para a indústria. ;Não há dúvidas de que esse é um patamar de juros, e com a inflação sob controle, haverá mais estímulo à economia;, diz. O controle da inflação e a Selic em patamares em mínimas históricas são, de fato, retratos de uma nova realidade na economia do país. Entre outubro de 2012 e abril de 2013, a Selic estacionou a em 7,25% ao ano, e passou a ser reajustada gradualmente até alcançar 14,25% em julho de 2015. Nas reuniões seguintes, a taxa foi mantida nesse patamar. Já em outubro de 2016, foi iniciado um longo ciclo de cortes na Selic, quando a taxa caiu 0,25 ponto percentual para 14% ao ano. Esse processo durou até março deste ano, quando a Selic chegou ao seu mínimo histórico. Nas reuniões de maio, junho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2018, o Copom optou por manter a Selic em 6,5% ao ano.

Simone Pasianotto / economista-chefe da Reag Investimentos

;Deflação é tão ruim quanto inflação;

A economista-chefe da Reag Investimentos, uma das maiores corretoras do país, afirma que a queda de preços em novembro não é motivo de comemoração e que, se a deflação persistir, haverá efeitos colaterais nocivos à economia.

Por que a deflação é ruim?
Por várias razões, mas o problema maior é que, sem a definição de uma tendência de trajetória de preços, as empresas não conseguem se planejar, se organizar para investir e contratar. O ano foi muito estagnado para a economia brasileira, e uma queda de preços pode mais atrapalhar do que ajudar.

Então, o problema é a imprevisibilidade, não a queda de preços?
A queda de preços não é benigna porque gera incertezas. Acredito que a deflação do IPCA em novembro, depois de já ter havido uma ligeira queda em agosto, é pontual e reflete uma acomodação de preços de itens como combustíveis. De qualquer forma, não é bom torcer para o prolongamento dessa tendência.

Por que, apesar da deflação recente, a percepção geral é de que os preços só sobem?
Porque, apesar da queda pontual, ainda temos a quarta maior taxa de inflação na América Latina. De fato, ao olharmos para o IPCA acumulado em 12 meses, na casa de 4%, um percentual dentro da meta, nos dá a sensação de que está tudo bem. Mas não é bem assim. A queda nos preços é resultado de uma forte retração no consumo neste ano.

O que esperar de 2019?
Estou projetando um crescimento de 2% do PIB, puxado pela indústria, principalmente. O setor industrial sofreu com muitas retrações nos últimos anos e não pode ficar do que jeito que está. Não dá para ficar em investir. Teremos um ano melhor do que 2018, mas, em geral, com crescimento discreto.

Isso é resultado do ambiente político mais estável?
A questão política ainda está sob análise. Vamos ver como o novo governo se comporta no primeiro semestre, e como conseguirá dar andamento às reformas. Além das reformas, as privatizações terão de ser conduzidas com muita cautela.
Montanha russa
Variação mensal do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)

2017

Novembro 0,28
Dezembro 0,44

2018

Janeiro 0,29
Fevereiro 0,32
Março 0,09
Abril 0,22
Maio 0,40
Junho 1,26
Julho 0,33
Agosto -0,09
Setembro 0,48
Outubro 0,45
Novembro -0,21

Acumulado em 12 meses: 4,05

Fonte: IBGE

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