Economia

Presidente da Febraban: "É preciso reduzir o custo de emprestar no Brasil"

O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma que as instituições financeiras defendem reformas que levem a juros menores

Hamilton Ferrari, Vicente Nunes, Rosana Hessel
postado em 16/12/2018 08:00
Os bancos prometem cortar os juros, mas a desconfiança é grande. Ao longo das últimas décadas, as instituições financeiras assumiram o papel de vilãs da economia aos olhos da sociedade, registrando lucros recordes, independentemente da situação da economia.

O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, reconhece que houve erro na comunicação e, agora, a instituição está empenhada em mudar essa imagem com uma ampla campanha explicando por que os juros são altos no Brasil. ;Chegamos à conclusão de que precisávamos ampliar esse debate com a participação mais ativa e mais engajada da sociedade;, explica.

Os juros seguem altos no Brasil, apesar de a Selic (taxa básica da economia) estar no menor patamar da história, admite Portugal. A entidade lançou o livro ;Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil;. A ideia é mostrar que o lucro dos bancos não é o que mais pesa nos juros. Segundo Portugal, 14,9% do spread bancário (margem que inclui lucro e custos de operação) no crédito correspondem ao lucro dos bancos, enquanto os demais custos dos empréstimos respondem por 85,1%.

Portugal conta que o livro tem 20 medidas que podem levar os juros a cair. Ele reconhece que o setor bancário é concentrado, mas argumenta que não é o culpado pelos juros altos. Para o executivo, o ambiente atual não é propício para a competição. ;E é por isso que estamos propondo uma reforma nesse ambiente de crédito para aumentar a competição;, afirma. A seguir, a entrevista concedida ao Correio:

Os bancos estão em uma campanha pesada para tentar melhorar a imagem e mostrar que estão, sim, empenhados em reduzir juros. Dá para acreditar que, desta vez, realmente, os juros vão cair?

Mais do que melhorar a imagem, é resolver problemas. Sempre fomos um pouco tímidos na nossa comunicação pública, principalmente, nesse tema dos juros. Isso foi um erro, e chegamos à conclusão de que precisávamos ampliar esse debate com a participação mais ativa e mais engajada da sociedade. Os juros já vêm caindo. De outubro de 2016, quando a Selic (taxa básica da economia) começou a cair, até agora, a queda acumulada é de 7,75 pontos percentuais. A Selic afeta, principalmente, os empréstimos do chamado crédito livre, que são dados com os recursos captados com essa taxa. Nos recursos direcionados, há subsídios. Para se ter uma ideia, se a queda da Selic foi repassada para o spread, o melhor é olhar para os recursos do crédito livre. A taxa média, entre outubro de 2016 e outubro de 2018, caiu 15,9 pontos percentuais. Foi mais do que o dobro da queda da Selic.

Isso significa que os bancos abriram mão de parte dos ganhos?

A maior parte dos juros não é composta pelos ganhos. O Banco Central (BC) fez uma decomposição do spread entre seus vários componentes e os dados mostram que 14,9% do spread correspondem ao lucro dos bancos e 85,1%, aos custos da intermediação financeira. São custos que os bancos têm na atividade de emprestar e que acabam sendo repassados aos clientes como em qualquer atividade econômica. Mas os juros já vêm caindo, e achamos que, para o Brasil crescer mais rápido, os juros precisam cair ainda mais.

Até porque quando a gente compara com as taxas internacionais, os juros no país em relação às economias desenvolvidas, a gente ainda tem um custo do dinheiro muito elevado...

É verdade. Infelizmente, aqui no Brasil, tudo custa mais caro do que nas economias mais desenvolvidas. As pessoas, lógico, prestam atenção no bem ou no serviço que elas estão comprando. Se ela for comprar um carro, ela vai ver que os preços dos automóveis aqui são mais altos do que nos outros países. Se for comprar um celular, o preço do celular aqui, indistintamente, é mais caro. E isso acontece também com o custo do dinheiro.

E isso acontece por quê?

Acontece por uma coisa que a imprensa fala muito, que é o Custo Brasil. Os custos de produzir bens e serviços no Brasil são mais elevados do que nos outros países. Nesse livro lançado pela Febraban ;Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil;, a gente mostra, no caso dos custos dos bancos, a diferença entre o nosso custo e a média de um conjunto de países emergentes e desenvolvidos. E o momento é propício para fazermos uma reforma no ambiente de crédito, que permita que os juros caiam mais do que já caíram até agora e ajudem o país a crescer mais e a criar mais emprego.

Mas por que esse momento é propício?

Estamos em um momento de recuperação cíclica da economia. Existe uma capacidade ociosa grande que é demonstrada pelos 12 milhões de pessoas que, infelizmente, ainda estão desempregadas. Já caiu, mas ainda temos um patamar elevado. E estamos também com uma capacidade física instalada ociosa na indústria e em todos os setores da economia. Na indústria, por exemplo, estamos utilizando 75% da capacidade instalada. Quando temos essa situação, o país pode crescer sem precisar investir. A média de utilização histórica na indústria é em torno de 82%. Além disso, não só a inflação corrente está baixa, como as expectativas futuras estão ancoradas na meta, que é cadente daqui até 2021. Neste ano, vamos ter uma inflação menor do que a meta de 4,5% anuais. Possivelmente, vai ficar um pouco abaixo de 4%, em 3,9%. E, para 2019, a meta é 4,25%, mas as estimativas são de que a taxa ficará em torno de 4%. Talvez, 4,1%. A mesma coisa ocorrendo em 2020, em que a meta é 4%, e, em 2021, em que a meta é 3,75%. O fato de a inflação corrente estar baixa e as expectativas estarem ancoradas na meta de médio prazo permitiu que o Banco Central reduzisse a Selic para a mínima histórica que a taxa já alcançou. E a expectativa é que ela talvez vá crescer no ano que vem, mas ainda ficará bem abaixo dos níveis anteriores.


O senhor acha que a Selic sobe ainda no ano que vem?

Não sou eu que acho. Os mercados têm expectativas de que a Selic pode terminar o ano que vem ainda abaixo de 8%, mas acima de 6,5%. As estimativas estão na casa de 7%, 7,5%. Então, com capacidade ociosa na economia e inflação baixa e expectativas ancoradas, e, portanto, taxas de juros ancoradas. Temos ainda uma situação externa confortável. A situação macroeconômica no contexto global piorou um pouco em relação ao que era, porque o crescimento mundial está desacelerando. O crescimento global estará mais dessincronizado, não estará mais todo mundo crescendo ao mesmo tempo, como foi em 2018, quando 120 países estavam se expandindo. Mas o Brasil será um dos países que vão se expandir no ano que vem, ao contrário da maioria.


Neste momento internacional que o senhor fala que é confortável, a gente vê um confronto entre Estados Unidos e China, as duas maiores economias do mundo, em uma guerra comercial que pode ter reflexos bem negativos para o país. E também a gente vê uma continuidade de aumento de taxas de juros nos Estados Unidos, mesmo diante da ameaça de recessão. Isso não diminui um pouco esse otimismo em relação à recuperação da economia brasileira?

É lógico que, sem isso, nós evoluiríamos mais favoravelmente ainda do que nós esperamos. Essas tensões comerciais entre as duas maiores economias do mundo são um fator de risco que, possivelmente, levarão a uma desaceleração do crescimento global. Já estamos vendo alguma desaceleração. E os Estados Unidos estão em um processo de saída desse ambiente de afrouxamento monetário em que estavam, embora o Fed (Federal Reserve, banco central norte-americano) tenha dado sinais de que, no ano de 2019, talvez ele suba os juros um pouco menos rápido do que anteriormente se estava esperando. Há dúvidas se haverá um último aumento da taxa de juros neste ano e se serão três em vez de quatro altas no ano que vem. Houve alguma melhora nessa área, mas o ambiente geral é que vai ficar um pouco mais difícil do que era antes, e isso não vai afetar as expectativas. Esses fatores já estão incorporados nas expectativas do mercado, em que a taxa de crescimento da economia brasileira no ano que vem vai ficar entre 2,5% e 3%. Se esses fatores não existissem, seria maior ainda do que esse número que estou mencionando.


Nessas suas projeções, em que entra o novo governo?

O novo governo tem uma agenda liberal para a economia e apontou uma equipe econômica que tem uma envergadura intelectual grande. Essa equipe mescla pessoas com uma formação intelectual muito sólida, como é o caso do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e com um conhecimento grande da máquina pública, como é o caso do ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que também tem uma experiência internacional profunda e também é da Universidade de Chicago (como Guedes). Esse cabedal intelectual é muito importante para analisar o que está acontecendo e tomar a direção certa nos grandes assuntos que precisam ser tomados. Aqui em Brasília, é preciso também conhecer o funcionamento da máquina e como interagem as instituições para que as boas ideias se transformem em ações renovadoras e transformadoras. Existe essa oportunidade e teremos desafios, é verdade.


E qual é o maior desafio?

O maior desafio é o fiscal. Isso não é dúvida, nem segredo para ninguém. Estamos desde 2014 tendo deficits primários de uma maneira crescente. Felizmente, com o governo Michel Temer, tanto na gestão do ministro Henrique Meirelles e agora com o ministro Eduardo Guardia, eles interromperam o crescimento que vinha acontecendo no deficit primário e conseguiram reduzi-lo. Começaram quando o deficit primário estava em 2,5% do PIB e, nos curtos dois anos de mandato, conseguiram ficar sempre abaixo do limite máximo fixado (na LDO). O governo tem um limite de deficit de R$ 159 bilhões (neste ano) e, possivelmente, o resultado deve ficar abaixo, em torno de R$ 130 bilhões ou menos. O ano ainda vai terminar com deficit em torno de 1,5% do PIB, um ponto percentual menor em dois anos, que é um esforço muito grande sem aumento de carga tributária. Mas temos problemas fiscais estruturais que decorrem do aumento descontrolado do gasto público, que passou de 10% do PIB, no início da década de 1990, para algo perto de 20% do PIB, atualmente. O principal problema é o crescimento do gasto público mais rápido do que o crescimento do PIB. O governo Temer aprovou uma medida de grande envergadura que é o teto de gastos primários, que às vezes é mal compreendido. Se o teto continuar sendo aplicado, vai gerar uma redução, como já vem gerando, de meio ponto percentual do PIB por ano de redução de gasto, que é um processo gradual de redução de gasto. Agora, temos o problema da Previdência. Se ele não for resolvido, vai tornar difícil que esse programa de ajuste gradual seja mantido. Portanto, nosso maior desafio fiscal é esse. Acredito que há um entendimento de várias forças políticas de que esse é um problema que precisa ser resolvido e estamos esperançosos de que ele venha a ser atacado pelo novo governo.


O senhor disse que não houve redução do deficit sem aumento de receitas. Mas há uma sugestão do Ministério da Fazenda de aumento de impostos. Tem espaço para aumentar imposto no país?

O ministro tem dito que o problema do país não é a falta de receita, mas o aumento dos gastos. O documento falou de um conjunto de medidas de aumento de imposto e de redução de despesas. Mas eu gostaria de voltar a falar sobre o crédito. Os juros vêm caindo, mas achamos que há a perspectiva de que ele possa cair ainda mais. E isso é necessário para que o Brasil cresça mais rápido e gere mais empregos do que vem gerando. E, para a gente conseguir isso, é preciso ter um diagnóstico adequado da situação. A opinião pública prevalente é que os juros no Brasil são altos porque o setor bancário é concentrado, não tem competição e os lucros são muito altos. É verdade que o setor bancário no Brasil é concentrado, porque, no mundo todo, o setor bancário tende a ser concentrado. Todos os setores que são intensivos de capital, que precisam de muito capital para atuar, tendem a ter um número pequeno de empresas que atuam no setor. O Banco Central exige um capital mínimo para operar. É um mito de que o setor bancário brasileiro seja mais concentrado do que em outros países ou mais concentrado do que outros setores intensivos de capital da economia brasileira.

Mas nos outros países há muito mais bancos, e os bancos cooperativos de outros países, como Alemanha, praticam taxas muito mais baixas que a média do mercado. Aqui no Brasil, a gente vê mais de 80% do crédito nas mãos de apenas cinco bancos. Isso não é concentração?

É. Isso é concentração.


Isso não é nocivo?

Não necessariamente. Pode ser nocivo. O que é importante não é ser concentrado ou não, mas ter ou não competição. E ela deve aumentar. Há alguns países em que há um número maior de bancos do que no Brasil. Geralmente, são citados os 4 mil bancos dos Estados Unidos. Lá, por razões históricas, há um grande número de bancos pequenos, com uma agência só e que operam em um único bairro. Eles não fazem um impacto tão grande nem na concentração, nem na competição. Dos 4 mil bancos dos Estados Unidos, só 1,8 mil têm o seguro de depósito do governo federal, que paga os depósitos de até U$ 250 mil em caso de falência. Os outros não têm. É engraçado. Em relação aos bancos, as pessoas reclamam dos juros, do spread, da qualidade dos serviços, mas elas gostam de bancos fortes para botarem o dinheiro. Elas não gostam de bancos que são percebidos como frágeis.


Quando deixa o dinheiro no banco, a pessoa recebe uma taxa muito baixa. Mas, se ela for tomar um empréstimo, a taxa é altíssima. Há um descompasso muito grande entre o que o investidor recebe para financiar o banco, para que ele também possa emprestar, e o que o banco cobra.

É verdade. Mas estávamos discutindo a questão da competição e da concentração. Fizemos um estudo que está mencionado no livro, em que pegamos um conjunto de 13 países e o Brasil ficou em quinto lugar em termos de concentração bancária. Uma parte dessa concentração bancária é decorrente da grande participação dos bancos públicos, que representam 50% do mercado de crédito do Brasil. Se, por exemplo, retirarmos a carteira de crédito imobiliário, na qual um banco público tem uma posição dominante, e retirarmos a carteira do crédito rural, em que outro banco público tem uma posição dominante, a nossa posição cai do 5; lugar para o 7; nesse conjunto de 13 países. Quando comparamos o setor bancário brasileiro com o de outros países, há concentração, mas não é diferente. E quando comparamos com outros setores intensivos de capital da economia, os bancos estão em 9; lugar entre os mais concentrados do país. Há outros setores mais concentrados, como papel e celulose, óleo e gás, eletromecânica e telecomunicações. É um mito que ele seja mais concentrado que outros setores da economia. E outra coisa: concentração é diferente de competição. A Febraban é 100% a favor de aumentar a competição no setor bancário. Vamos apoiar todas as medidas que forem propostas nessa linha, desde que não sejam discriminatórias.


Mas o ambiente é propício para a competição? Muitos bancos estrangeiros grandes vieram para o Brasil e foram embora, como Citibank e HSBC. E não só isso, os que ficaram abriram mão da competição e absorveram o modelo brasileiro de ganhar dinheiro...

Infelizmente, o ambiente atual não é propício para a competição. E é por isso que os bancos entram e saem. E é por isso que estamos propondo uma reforma nesse ambiente de crédito para aumentar a competição. Na verdade, não existe uma correlação direta entre concentração e spread. Há exemplos no Brasil e no exterior de que não há essa relação direta e isso é explicado no relatório de economia bancária que o BC publicou em 2017. O Brasil, no passado, já teve mais bancos. Teve época em que a gente teve 10 grandes bancos e o spread era mais alto nessa época. Deveria ser mais baixo, mas não era.


O que o senhor acha que precisa ser feito?

É preciso reduzir o custo de emprestar no Brasil. Os dados do BC mostram que o setor bancário todo, no ano passado, teve um lucro de R$ 75 bilhões. Realmente é um número gigante. Mas o capital que é investido nos bancos é muito mais alto que isso, cerca de R$ 600 bilhões. Então, quando você pega esse lucro e divide pelo capital que é a maneira correta de examinar a lucratividade, a taxa de lucro está em 12,5%, que é abaixo que da do Chile.


Mas em relação aos outros setores da economia?

No ranking do Valor 1000, entre 2005 e 2017, o setor bancário ficou entre o 5; e o 15; setores mais lucrativos do Brasil. Nunca ficamos em primeiro lugar. Se o problema principal do Brasil fossem os lucros abusivos, teríamos que ver dentro do setor bancário taxas de lucro maiores do que outros setores da economia brasileira ou maiores que as taxas de lucro de setores bancários de outros países. No livro, mostramos uma comparação da taxa de retorno com outros países e o Brasil tem uma taxa maior do que a dos países desenvolvidos, mas está em linha com os países emergentes.

E o spread?

Dentro do spread, 14,9% correspondem ao lucro dos bancos e 85,1% do spread correspondem aos custos da intermediação financeira. Se pegarmos o último dado do Banco Central, o spread médio pegando crédito direcionado e crédito livre estava em 13,9 pontos percentuais. Logo, o lucro dos bancos corresponderia a 2,1 pontos percentuais do spread, e se ele fosse zero, o spread cairia dois pontos. Então, para reduzir o custo dos juros no Brasil, é preciso atuar nos 85,1% do spread, que significa reduzir os custos da intermediação financeira no país. Os custos da inadimplência no Brasil são duas vezes maiores do que a média dos países emergentes e oito vezes maiores que os países desenvolvidos. Os custos operacionais aqui são 25% maiores que a média das economias emergentes e mais do que o dobro dos desenvolvidos. Os custos financeiros, que incluem os depósitos compulsórios, aqui são duas vezes maiores do que a média dos países emergentes e cinco vezes maiores do que a média dos países desenvolvidos. Os custos tributários aqui estão em linha mais ou menos com os países desenvolvidos, mas são 37% maiores do que a média dos países emergentes. A primeira coisa a fazer é atuar nos 85,1%, reduzindo esses custos. A segunda é aumentar a competição, da qual eu já disse que somos a favor, para fazer com que essa redução de custos, quando elas ocorrerem, sejam repassadas para o consumidor em vez de irem para aumentar o lucro.

De que forma isso pode ser feito?

Estamos propondo ações efetivas. Temos 20 medidas citadas nesse livro para alcançar esses objetivos. Olhando para o custo de inadimplência, por exemplo, ele é mais elevado do que os outros países porque a taxa de inadimplência é mais alta. E, para reduzirmos esse custo, estamos sugerindo duas medidas. Uma delas já está em discussão no Congresso há tempos: o cadastro positivo. Isso vai melhorar a qualidade de informação sobre o crédito não apenas para os bancos, mas para os outros setores da economia que fornecem crédito, como as lojas comerciais. E os bancos não têm informação das pessoas que pagam as contas em dia, como luz, água, telefone, condomínio, mas não têm crédito bancário. Portanto, aumentaria a quantidade de informações. Nos Estados Unidos, quando eles fizeram isso, diminuiu em 40% o spread e aumentou para 75% o nível de aprovação de empréstimos. Outra medida que ajudaria a reduzir a inadimplência e nem depende de Congresso, mas ajudaria as pequenas empresas, é os bancos terem acesso, com autorização prévia do cliente, das informações nos bancos de dados de órgãos públicos.

Murilo Portugal, presidente da Febraban

Que tipo de informação? Da Receita Federal?

Não só com a Receita. Se a empresa diz que tem 10 funcionários, o banco poderia ir à base da Rais (do Ministério do Trabalho) e confirmar esse dado, por exemplo. Estão avançados os entendimentos para fazermos um convênio, não só com a Receita, mas com outros órgãos públicos também. Agora, uma das razões pela qual o custo da inadimplência é alto é a baixa taxa de recuperação dos créditos de empresas que entram em falência. No Brasil, ela é baixíssima entre os créditos que são dados como garantia, de 15,8%. A média internacional é de 69%. E, para mudar isso, tem uma medida que está em tramitação no Congresso, que é a proposta que o governo fez para alteração na Lei de Recuperação Judicial, a Nova Lei de Falências.

E o que mais poderia ser feito?

Outra medida que estamos propondo e que já está em tramitação no Congresso é a busca e apreensão extrajudicial dos bens móveis dados em garantia, ou seja, automóveis. Quando o cliente não paga o financiamento, o banco tem que entrar na Justiça para recuperar o bem que foi alienado. Hoje, em cada 100 ações de busca e apreensão judicial, os bancos recuperam 20, porque é um bem móvel. A Justiça demora em dar um parecer e, quando se recupera, o automóvel vem com IPVA não pago, com multas, depreciado. Em outros países, há empresas de recuperação de bens que não precisam entrar na Justiça. O cliente dá uma autorização prévia e, se ele ficar inadimplente, o banco pode recuperar o carro. Nos EUA, tem alguns bancos que têm até a cópia da chave.


Ainda tem muito ruído na Justiça?

Tem. Nós já começamos a usar no nosso setor, de forma bem-sucedida, medidas para tentar reduzir um desses custos operacionais, que é o de pessoal, que no Brasil é elevado. Em razão de uma lei criada na época da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), os bancários no Brasil só trabalham seis horas. Agora, a economia no Brasil funciona oito horas. O setor bancário teve que se adequar. Então, diminuiu o horário para atendimento ao público para seis horas, mas, quando o banco fecha ainda tem o serviço interno. Tem um grupo de funcionários no banco, que é gerente para cima, que ganha uma gratificação para trabalhar oito horas. Há muitas pessoas que vão ao banco ainda. Temos 21 mil agências, 46 mil postos de atendimentos e 496 mil bancários. Lógico que as transações eletrônicas já são a maioria, mas ainda existe um volume grande no banco. Quando o bancário se aposenta ou é mandado embora, ele entra automaticamente na Justiça pedindo as chamadas sétima e oitava horas extras, alegando que trabalhou duas horas a mais por dia durante toda a carreira. 37% das ações trabalhistas contra os bancos se referem a esse assunto. E aí os juízes... É uma jurisprudência... Eles incorporam a gratificação ao salário e calculam cinco anos para trás (que é o prazo de prescrição). Conclusão: os bancos pagam por ano, só nesse item de sétima e oitava horas extras, R$ 3,1 bilhões por ano.


O que o cliente bancário pode esperar, daqui para frente, em termos de juros e créditos?

O crédito começou a reagir de uma forma gradual e está em crescimento mais no caso dos consumidores do que no caso das empresas. Dentro do crédito ao consumidor, está crescendo mais para veículos e consignados. No caso do crédito para as empresas, está crescendo o desconto de duplicatas. No crédito total, o estoque nas operações de crédito nos 12 meses que terminaram agora em outubro cresceram 3,5%, incluindo o direcionado.

Qual o impacto da entrada das fintechs no mercado?

Os bancos têm uma postura de parceria e de aprendizado com as fintechs. Todos têm ambientes incubadores para estimular as fintechs. Achamos que é positiva a entrada das fintechs. Elas vão mudar ainda mais a maneira de fazer negócio no setor bancário. Atualmente, as fintechs estão muito fortes e presentes no mundo. O mercado financeiro tem vários segmentos. A área de pagamento, por exemplo, é o setor em que elas estão mais atuantes no mundo e no Brasil. Tem também o segmento de aconselhar investimento, em que elas também estão atuantes. Mas há outros segmentos que são mais difíceis: que é dar crédito e de seguros. No crédito, o BC aprovou dois modelos para as fintechs operarem. Um modelo é só na plataforma eletrônica, que aproxima as pessoas interessadas em negociações. O risco de crédito é de quem empresta e não é da fintech. No outro, a fintech pode emprestar o próprio capital, mas ela não pode captar depósitos junto ao público.

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