O fim de ano chega sempre com três certezas: gastos maiores no Natal, festa da virada e contas pesadas para pagar em janeiro. Para quem compra financiado, tem parcela do cartão, para quem pagou à vista, deve se preocupar com impostos, material escolar, lazer de férias. Ou seja, é preciso se planejar para evitar engrossar a lista de inadimplentes ; que em setembro reunia 61,4 milhões de pessoas, segundo a Serasa Expirian ; e dor de cabeça futura.
A professora temporária na rede pública Leila Cruz Carvalho, 31 anos, não se precaveu e há dois anos precisou abrir mão do cartão de crédito para conseguir organizar as contas e honrar compromissos financeiros. Mãe de três filhos, ela aprendeu depois que teve o nome negativado no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). ;Percebi que é possível me organizar. Coloco tudo que preciso pagar no papel e vou riscando, conforme quito a despesa;, ensina.
Como professora temporária, fica um mês sem receber salário. ;Todos os anos, o governo demite os provisórios para depois recontratar. Sabendo que existe esse hiato, Leila começa a juntar dinheiro seis meses antes para garantir o pagamento dos impostos Predial Territorial Urbano (IPTU) e de Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); e do material escolar dos filhos.
Na casa dela, os presentes de Natal são comprados com moderação. Leila e o marido ensinam aos filhos que o ideal é comprar só o necessário. Tudo é regulado, como a aquisição de roupas e sapatos para as crianças e, até, os lanches para o consumo na escola. ;Eu ensino a comerem o que a escola oferece, e falo para as mães dos meus alunos também, isso ajuda a economizar muito em casa;.
Organização
No mês em que Leila fica sem receber, é o marido, autônomo, que arca com as despesas da casa. ;Eu pago as contas que têm vencimento definido, e ele fica com os alimentos e imprevistos. Mesmo assim, ainda tento deixar uma reserva guardada;. De acordo com a professora, a organização financeira implica ficar com o orçamento apertado, mas esse é o preço para manter a família no azul.O lazer do casal e dos filhos é decidido com antecedência e entra na planilha de custos. Nas férias do meio do ano que vem, eles vão para uma praia. ;Vamos começar a pagar a viagem com antecedência, dividi tudo em seis vezes no boleto e, quando julho chegar, já estaremos tranquilos para curtir;, comemora.
Para o coaching financeiro da Febracis Gustavo Sampaio, o que garante que as pessoas não entrem no vermelho no início do ano é exatamente o que faz a professora: planejamento. ;Chegam as festas e grande parte dos brasileiros se esquecem das despesas do início do ano e gastam mais do que podem. Fazem dívidas acima do orçamento;, diz. Ele ressalva, entretanto, que a maioria dos que ficam apertados nesta época apresentam dificuldades para lidar com as contas durante o ano. ;Os que chegam nesta época ainda no azul estão na corda bamba.;
Sampaio aconselha que as pessoas reflitam e façam como a Leila; ;coloquem tudo no papel meses antes, comecem a juntar uma quantia todo mês para, quando chegar a hora de pagar impostos, ser mais fácil;. O diálogo entre os integrantes da família sobre a situação financeira também é muito importante, na visão de Sampaio. ;Um acordo familiar é bom. Pode-se combinar, por exemplo, comprar presente só para as crianças que ainda não entendem e, com isso, reservar dinheiro para o início do ano;, aconselha.

Cultura do amanhã
Ana Rosa Vilches, mestre em educação financeira da DSOP, alerta que a cultura do ;amanhã pertence a Deus;, que muitos praticam, gera dívidas que as pessoas carregam por muito tempo. De acordo com ela, a falta de educação financeira faz com que as pessoas consumam sem pensar no futuro, o que importa para elas é o consumo, o imediatismo. ;Nós não tivemos educação financeira, há uma grande necessidade disso para as crianças e os adultos;.Para Ana Rosa, o segredo para evitar dívidas é sonhar e planejar com foco para que o sonho se realize. Segundo ela, quando as pessoas entendem que não precisam consumir tanto, que poupar é saudável, os momentos de aperto diminuem. Ela ensina que detectar quais despesas estão sendo desnecessárias é primordial para juntar o dinheiro.
Se a pessoa consegue diferenciar isso, é capaz de conseguir economizar com o que é supérfluo. Esse dinheiro poupado a longo prazo vai ajudar a arcar com as dívidas de início de ano e realizar alguns desejos, como viagens não planejadas, que pareciam impossíveis. ;Fazer uma pesquisa, descobrir quanto as futuras dívidas vão custar é essencial para o controle;, explica.
Ricardo Teixeira, coordenador do MBA de gestão financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda que a falta de planejamento é o principal influenciador para que as pessoas não consigam lidar com as dívidas de início de ano. ;É preciso avaliar e, quando necessário, aproveitar o 13; para arcar com despesas de início de ano. Se a pessoa conseguir economizar um pouco antes, tudo ficará mais fácil;, ensina. Para quem já está no vermelho, Teixeira recomenda listar as dívidas e rendimentos para ver a real situação no fim do mês, depois dos pagamentos (veja quadro). O ideal é estar com a situação equilibrada para iniciar o ano bem.
"Fazer uma pesquisa, descobrir quanto as futuras dívidas vão custar é essencial para o controle;
Ana Rosa Vilches, mestre em educação financeira da DSOP
"Chegam as festas e grande parte dos brasileiros se esquecem das despesas do início do ano e gastam mais do que podem. Fazem dívidas acima do orçamento;*Estagiária sob supervisão de Rozane Oliveira
Gustavo Sampaio, coaching financeiro da Febracis