Economia

Gustavo Pimentel: "Há, no governo, preferência pela energia nuclear"

Gustavo Pimentel é diretor da Sitawi, uma organização brasileira especialista em finanças sustentáveis e a principal estruturadora de %u201Cgreen bonds%u201D

postado em 24/01/2019 10:12
Se o setor produtivo dá sinais de aprovação à participação do novo governo em Davos, o mesmo não se pode dizer de quem tem atividades ligadas à sustentabilidade. Gustavo Pimentel é diretor da Sitawi, uma organização brasileira especialista em finanças sustentáveis e a principal estruturadora de ;green bonds;, ou fundos verdes, usados por empresas, bancos e governos para a captação de recursos para o financiamento de projetos ligados à sustentabilidade. A Sitawi avaliou no ano passado R$ 1 bilhão em operações para a emissão de títulos verdes e participou de outras cinco operações que ainda não foram ao mercado, no mesmo valor. Os setores que mais têm gerado demanda são o de energia, o florestal e o de bancos, que captam recursos para emprestar para clientes verdes na ponta. Abaixo, trechos da entrevista.

Gustavo Pimentel é diretor da Sitawi, uma organização brasileira especialista em finanças sustentáveis e a principal estruturadora de %u201Cgreen bonds%u201D

Que impacto pode ter o discurso de Jair Bolsonaro na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, nos negócios ligados a projetos de sustentabilidade, particularmente na emissão de ;green bonds;, os títulos verdes?

O discurso do presidente com relação ao meio ambiente é bastante raso e não é baseado em evidências. Parece ser por desconhecimento no sentido de ignorar o tema. Ele repete frases de efeito que provavelmente são ditas por seus assessores. Já em relação aos ministros ligados às áreas de meio ambiente e infraestrutura, particularmente no que se refere a processos de licenciamento de projetos e desmatamento, parece haver um pouco mais de conhecimento sobre o tema, mas a abordagem é puramente comercial. A fala de Bolsonaro, que condiciona a permanência do Brasil no Acordo de Paris à oferta de contrapartidas, mostra que o país vai fazer investimentos no clima à medida que nos beneficiem economicamente ou comercialmente. Os responsáveis por essas pastas perderam a vergonha ao dizer que o cuidado com o meio ambiente e com o clima são meramente comerciais. Antes, o Itamaraty e Meio Ambiente entendiam a responsabilidade global do país e havia um certo altruísmo de contribuir com a agenda global.


Os títulos verdes poderão ser afetados?

Esses são papéis de dívida emitidos por empresas e bancos, às vezes por governos, que acabam atraindo investidores interessados nessa agenda e também no seu retorno. Não vejo como essa abordagem ministerial pode impactar negativamente no mercado de títulos verdes no Brasil. Empresas e bancos que estão emitindo títulos verdes estão usando recursos para ativos que independem da legislação ambiental. São empresas que querem se posicionar como verdes.


A abordagem em relação ao meio ambiente apresentada em Davos e defendida até agora pelo novo governo não deve ter efeitos colaterais?

Não, esse comportamento pode levar, sim, a uma maior dificuldade do Brasil em captar financiamentos para projetos climáticos de grandes financiadores como Alemanha, Noruega e Reino Unido, que esperam um compromisso brasileiro com agenda ambiental. Se o Brasil anuncia menor comprometimento com essa agenda, sinaliza que o país não é tão sério assim e isso pode desmotivar esses países a direcionarem recursos para cá. Foi o que aconteceu no ano passado, quando o desmatamento no Brasil aumentou e levou a Noruega a reduzir os financiamentos para projetos ambientais por aqui.


Qual deve ser o comportamento do investidor em relação ao que tem sido proposto na área ambiental?

Em primeiro lugar, o investidor vai avaliar os sinais dados nos discursos do governo, depois vai olhar o ambiente real, ou seja, como as fiscalizações ambientais têm funcionado na prática. Até agora, o cenário é negativo para as questões ligadas ao meio ambiente e ao clima, tanto no discurso do governo quanto em algumas ações, com o remanejamento de servidores das pastas ligadas a essa área e eliminação de departamentos. Por outro lado, não foi aprovada nenhuma regulamentação que levasse a mudanças concretas nas atuais regras.

Há algum reflexo nos planos de quem procura a Sitawi para lançar títulos verdes?

Por enquanto, não há mudanças e temos trabalhado em algumas operações que vêm desde o final de 2018 e estavam represadas, aguardando o desenlace eleitoral e uma definição das políticas econômicas. Acredito que 2019 será um período melhor do que o vivido no ano passado para emissão de títulos verdes. Mas esse cenário pode mudar se tiver alguma canetada em um nível que mude as atuais regras do jogo, como mudanças bruscas nas regras de aprovação do licenciamento ambiental. Isso pode gerar desconfiança e afetar o fluxo de projetos na área de energia renovável, por exemplo, em especial as fontes eólica e solar, que vêm ganhando muita força e andando com as próprias pernas. No discurso do novo governo, no entanto, há uma preferência pela fonte nuclear. Se isso se concretizar e houver uma transferência de incentivos para o setor de energia nuclear, projetos poderão ser engavetados.

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