Economia

23,3 milhões de brasileiros entraram em situação de vulnerabilidade social

O Brasil atingiu a menor taxa de pobreza em 2014, mas, após a crise econômica e o grande descompasso das contas públicas, o índice aumentou até 2017

Hamilton Ferrari
postado em 03/02/2019 08:00
Edinaldo Santana não consegue ganhar o equivalente a um salário mínimo
Quando tem sorte, Edinando de Santana, 38 anos, consegue R$ 60 num dia ao trabalhar com reciclagem. Desempregado há pelo menos 10 anos, perdeu as esperanças de procurar uma vaga no mercado por ;falta de espaço;, segundo ele. Mesmo com ensino médio completo e curso técnico, precisa fazer bicos para garantir a renda mensal e ajudar a pagar as contas da casa, que fica na Estrutural. Ele mora com a esposa e sabe bem o que é viver em aperto financeiro. ;Não consigo mais atingir nem o salário mínimo com o meu trabalho;, lamenta.

Santana é um exemplo dos milhões de brasileiros que estão em situação de vulnerabilidade financeira e social. O Brasil atingiu a menor taxa de pobreza em 2014, mas, após a crise econômica e o grande descompasso das contas públicas, o índice aumentou até 2017, segundo cálculos do economista e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marcelo Neri. Nesses três anos, mais de 23,3 milhões pessoas foram incluídas nesse saldo perverso.

As projeções mostram que, caso o país continue com crescimento econômico baixo, em torno de 2,5% ao ano, só será possível retomar o nível atingido em 2014 em 2030. Ou seja, mais de uma década e meia de atraso. Neri avalia que falta ;responsabilidade econômica básica; para transformar os avanços sociais em uma tendência duradoura. ;Uma lição da crise atual é olharmos primeiro para os mais pobres, buscando protegê-los, e, assim, preservar o movimento da economia como um todo;, aponta. A pobreza teve seu maior salto, de 19,3%, entre 2014 e 2015 no Brasil, o que correspondeu a 3,6 milhões de pessoas. Nesse período, a taxa passou de 8,4% para 10%. A projeção do economista para 2018 é de que o índice fique em 10,95%.

Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) revelam que o Brasil foi fundamental para a piora nos índices de pobreza na região até 2017. O problema social afetou 184 milhões de pessoas ao término daquele ano, sendo que 62 milhões ; ou 10,2% ; estão em situação crítica. Enquanto vários países reduziram ou estabilizaram a pobreza extrema, como Paraguai, Colômbia, Costa Rica, Panamá, Chile e Equador, o Brasil registrou alta de 4% para 5,5% do número de pessoas desse grupo entre 2015 e 2017.

Descontrole


Para analistas, 2019 será decisivo, pois é considerado o ano limite para o Brasil não entrar num alto grau de falta de credibilidade econômica e de risco. É como uma espécie de ;ou vai, ou racha;, em que o governo de Jair Bolsonaro tem responsabilidade de conseguir aprovar a reforma da Previdência, considerada chave para evitar a expansão descontrolada das despesas públicas.

Alheias a essas discussões, as pessoas que estão na situação de pobreza têm outras preocupações: como conseguir dinheiro para custear a alimentação da família. ;Eu cheguei a trabalhar com carteira assinada em 2006. Fiquei um ano e dois meses numa empresa de construção, que parou de existir porque terminou o serviço. Procurei algo depois, mas não encontrei;, conta Santana. Ele afirma, porém, que está otimista. ;A esperança é a última que morre;, diz. ;Temos de melhorar, pois nossa situação está ficando insustentável;, acrescenta.

Ronaldo Alves de Sousa nem sempre tem condições de pagar por um teto
Ronaldo Alves de Sousa, 35, não tem lar fixo. Há três anos, luta desesperadamente pela sobrevivência. ;Trabalho, eu não nego;, garante. ;Às vezes, consigo juntar dinheiro para um teto na Estrutural, porque só me deixam entrar quando consigo pagar um pouco. Quando não dá, fico na rua mesmo;, lamenta. ;Já fiz curso de garçom e de segurança. Mas não tem vaga para mim;, diz. ;Hoje trabalho com gesso e faço R$ 400 no mês. Às vezes, R$ 600. Creio em Deus que a situação vai melhorar. Tenho fé;, afirma.

Na opinião do pesquisador Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para atingir o crescimento sustentável, o país precisa fazer a reforma da Previdência. ;Não há avanço sem mudança, senão, é enxugar gelo. O aumento da pobreza não é resultado de decisões tomadas na área social e, sim, na economia. É preciso consertar;, explica.

Soares ressalta ainda que, mesmo com a melhora da economia, o país não terá, num primeiro momento, diminuição do índice de pobreza. ;O mercado de trabalho tem um certo atraso, reage depois de um, dois anos. Só veremos queda na pobreza lá por 2021, com a recuperação do emprego. Para isso, no entanto, é preciso sinalização de que a trajetória de falência das contas públicas será revertida;, argumenta.

No entender de Kaizô Beltrão, pesquisador da FGV, o processo de construção de um país menos pobre é feito a médio e longo prazos, sendo necessárias melhorias na educação. ;Para sair da pobrezam é preciso aumentar a empregabilidade e as condições de educação. Tornar as pessoas mais capacitadas permite que haja um desenvolvimento maior da renda, o que tira esse grupo da situação de vulnerabilidade;, avalia.

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