Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 15/02/2019 06:03
São Paulo ; Formado em mecatrônica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Ariel Lambrecht é um empreendedor por natureza. Seu primeiro negócio foi o ebaH, rede social acadêmica que angariou mais de 1 milhão de usuários ativos. Em 2012, depois de viajar de férias para a Alemanha, descobriu que os moradores locais chamavam táxis por aplicativo. Daí nasceu a ideia de fazer algo parecido no Brasil. Ao lado dos colegas Paulo Veras e Renato Freitas, que também tinham estudado na Poli, Ariel fundou o 99, que mais tarde se tornaria o primeiro unicórnio (como são chamadas as startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) brasileiro e que acabaria vendido para a Didi Chuxing, considerada a Uber chinesa.
Irrequieto, Ariel não parou por aí. Em 2017, começou a desenvolver, com capital inicial de R$ 50 milhões e ao lado de dois sócios (além de Freitas, parceiro da 99, Eduardo Musa, ex-presidente da Caloi), a startup que acabaria por mudar a paisagem urbana das metrópoles brasileiras: a Yellow, empresa de aluguel de bicicletas que não depende de estações ou locais específicos para a retirada e devolução das bikes. A Yellow não só caiu no gosto dos usuários como se tornou um fenômeno empresarial. Há alguns dias, deu mais um passo ; ou mais uma pedalada ; ousado em sua curta trajetória: associou-se à mexicana Grin, maior empresa de patinetes elétricos da América Latina. Da parceria nasceu a Grow, nome que vem da junção das palavras Grin e Yellow. Nesta entrevista, Ariel, que será o diretor de produtos da nova companhia, fala sobre as oportunidades de negócios na América Latina e o desafio de empreender no Brasil.
O que motivou a Yellow a se associar à Grin?
A fusão reúne os principais players da América Latina (juntos, já estamos presentes em sete países) para criar uma companhia líder em micromobilidade e permitir que seja construída uma infraestrutura abrangente de O2O (serviços on-line para off-line) na região. A soma das estruturas das companhias oferecerá serviços de mobilidade, entrega de alimentos e pagamentos digitais. A oportunidade de mercado na América Latina é enorme. Ambas as empresas estão escalando o mais rápido possível para atender à demanda dos usuários em toda a região. Essa transação apresentou uma grande oportunidade de combinar forças e recursos para avançar mais rapidamente.
Quem detém o controle da nova companhia?
O controle pertence aos fundadores e investidores provenientes da Grin e da Yellow.
Qual foi o aporte feito pelos sócios de cada empresa? Há fundos de fora do negócio ou apenas quem já era acionista?
Com a fusão, a Grow tem acesso a uma linha adicional de financiamento de US$ 150 milhões. Não abrimos outras informações a respeito da operação.
A operação está em que fase e quando vai se transformar em um único negócio?
Neste momento, estamos trabalhando na integração dos dois times, com forte intercâmbio de profissionais de todas as áreas das duas empresas, tanto do México quanto do Brasil.
Como será o plano de expansão? Juntas, qual é o tamanho de Grin e Yellow?
Juntas, as companhias contam atualmente com mais de 135 mil patinetes e bikes em sete países, já realizaram 2,7 milhões de viagens em apenas seis meses e contam com 1,1 mil funcionários. O plano de curto prazo é mais do que dobrar a frota, além de ampliar ainda mais as ofertas e expandir para outros pontos da América Latina nos próximos meses. A Grin e a Yellow contaram com uma adoção muito rápida em seus respectivos mercados. Esperamos um forte crescimento de usuários, já que há uma enorme demanda não atendida em toda a América Latina. A região compartilha muitas das mesmas características-chave de mercado que a China, o Sudeste Asiático, a Índia e outras regiões onde o transporte sob demanda decolou.
Que características são essas?
Alta densidade populacional, forte penetração de telefonia móvel, população não bancarizada, transporte público e infraestrutura subdesenvolvidos, ecossistema, cultura e clima amigáveis para bicicletas e scooters.
A Yellow fala da possibilidade de entrar no mercado financeiro ao transformar a marca em uma carteira digital. Como está esse projeto? A operação poderá se transformar em um banco digital, por exemplo?
A Yellow Pay é uma unidade central de negócios da Grow e, como tal, planejamos continuar a desenvolvê-la e expandi-la em todos os países nos quais a empresa estará presente. O objetivo é oferecer uma maneira segura e conveniente de pagar em dinheiro pelos serviços da empresa, principalmente porque existe um número alto de pessoas, nos mercados nos quais atuamos, que não são bancarizadas.
Você tem pesquisado oportunidades em outros setores? Por exemplo, em health tech?
Há, sim, planos para expandir a parceria existente entre a Rappi e a Grin para a Yellow. Hoje, essa parceria permite que os usuários da Rappi desbloqueiem os patinetes elétricos da Grin pelo aplicativo da Rappi.
O aumento da concorrência no Brasil foi um dos gatilhos para a decisão de se associar com outra empresa e acelerar os planos de internacionalização? Por quanto tempo imagina que o mercado brasileiro ainda vai oferecer oportunidades nessa área?
A Grow está preparada para enfrentar a concorrência externa, com soluções locais e customizadas para o usuário brasileiro e latino-americano, como o Yellow Pay. Acreditamos que o mercado brasileiro de micromobilidade tem muito a crescer em todas as metrópoles do país.
Nos Estados Unidos, o número de acidentes com veículos elétricos tem chamado a atenção das autoridades. Isso pode levar à criação de uma legislação restritiva?
A Grow vê com bons olhos o edital de chamamento público aberto no último 2 de fevereiro pela prefeitura de São Paulo. Os patinetes da Grow têm buzina, farol noturno, luz indicadora de freio, indicador de velocidade e bateria, freio motor e mecânico. Tem certificação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a trava inteligente, um importante diferencial, visto que o dispositivo opera por meio de bluetooth. A empresa incentiva o uso do capacete e ações educativas também são feitas via app e redes sociais com o objetivo de conscientizar os usuários e disseminar o uso responsável dos modais.
Qual é a sua opinião sobre o ambiente regulatório brasileiro?
Nós valorizamos o nosso relacionamento com os governos e órgãos reguladores brasileiros, mexicanos e em todos os outros países em que operamos atualmente. Procuramos trabalhar em conjunto localmente para garantir o atendimento às necessidades de cada comunidade em que operamos. Por exemplo, há uma demanda enorme pelos serviços da Grin e da Yellow, e algumas cidades pediram às empresas para ajudar a definir a regulamentação, o que é uma prova do bom relacionamento das empresas com esses setores em toda a região. Os governos municipais de toda a América Latina estão ansiosos por soluções de transporte inovadoras, que sejam práticas e amplamente acessíveis. Como esses serviços já estão consolidados em São Paulo e na Cidade do México, outras cidades implementarão soluções semelhantes para se manter competitivas e modernas em termos de transporte.
Logo que a operação começou, surgiram vários casos de vandalismo. Como a empresa lida com isso?
Lidamos com essa questão mobilizando nosso time de guardiões, como é chamada nossa equipe de rua, para o monitoramento e organização das operações de bikes. Mantemos contato constante com as autoridades locais para combater qualquer tipo de ocorrência indevida. Além disso, é importante ressaltar que nossas bikes foram desenvolvidas com peças exclusivas, que não se adaptam a outros modelos. Também convidamos os usuários e as comunidades a participarem da prevenção, fazendo denúncias tanto no próprio app quanto diretamente na polícia. Isso tem ocorrido nas diversas cidades em que atuamos.
Qual é o grande problema (ou os grandes problemas) para quem decide empreender na área de mobilidade no Brasil?
Vemos grandes oportunidades para empreendimentos na área de mobilidade no Brasil. Todo problema, como o trânsito, gera oportunidades. Quem resolve o problema de muitas pessoas tem grande chance de obter sucesso. Portanto, entendo que não há dificuldades adicionais para empreender nesse ramo.
O fato de profissionais autônomos usarem as bicicletas compartilhadas para fazer entregas de aplicativos chega a ser um problema para a Yellow? A empresa pretende coibir essa iniciativa?
Nosso serviço é de aluguel de bikes e patinetes. Se esse serviço está gerando oportunidades de trabalho e renda para uma parcela relevante da população, vemos o fenômeno com bons olhos.
Qual grande ideia gostaria de ter tido como empreendedor?
O Waze.