Rosana Hessel
postado em 25/02/2019 19:21
O aparelhamento do setor público é uma das principais razões apontadas por especialistas para o inchaço e a ineficiência da máquina pública. Um levantamento inédito feito pelos economistas Klenio Barbosa, professor de economia do Insper, e Fernando V. Ferreira, da The Wharton School da Universidade de Pennsylvania, revela que desde a redemocratização, o número de funcionários públicos filiados a partidos políticos vem crescendo em ritmo acelerado. O estudo "Occupy goverrnment: Democracy and the dynamics of personnel decisions and public finances" constatou que houve um salto de mais de 80% na participação de servidores filiados a partidos políticos trabalhando nas mais de 5,5 mil cidades brasileiras, passando de 17% para pouco mais de 30% do total de servidores municipais, entre os anos de 1995 e 2013.
;Desde a redemocratização, o aparelhamento nos municípios mais do que dobrou na média, mas em algumas cidades mais de 50% dos funcionários são filiados a algum partido político. Isso é um problema sério e precisa ser atacado de frente;, explica Ferreira. No mesmo período do levantamento, as despesas com pessoal quase dobraram no mesmo período das municipalidades, passando de 35% do orçamento das cidades para mais de 50% no último ano da amostra, o que revela que o inchaço de pessoal nas prefeituras está relacionado com a questão partidária, de acordo com os pesquisadores.
Esse levantamento levou cerca de dois anos para ser concluído ele foi recentemente publicado no National Bureau of Economic Research (NBER), uma das principais publicações da economia norte-americana, e é um alerta para a evolução desse problema do aparelhamento do setor público que está diretamente relacionado com o aumento dos gastos com pessoal, que contribui para a piora do quadro fiscal e da qualidade dos serviços prestados. ;O paper mostra que essa situação é grave e isso faz parte desse processo de desmoralização do setor público. A cada eleição, o prefeito eleito tenta acomodar seus apoiadores partidários no quadro de funcionários, e, muitas vezes, os concursos são forjados para isso. E, quando outro prefeito assume, ele não pode demitir o pessoal, e acaba fazendo outro concurso com o mesmo objetivo e nem sempre essas pessoas possuem capacidade técnica para a função;, explica o pesquisador da Universidade da Pennsylvania.
Ferreira lembra que esse problema vem se agravando desde a recessão, que piorou a arrecadação dos governos em geral e escancarou ainda mais esse problema. Ele reconhece que, como os dados compilados foram de antes da recessão de 2015 e 2016, é provável que esse quadro seja bem pior hoje, quando se discute a necessidade da reforma da Previdência, que é um problema da União, de estados e municípios, pois está relacionada com o aumento das despesas com a aposentadoria de um contingente crescente sem um critério mais apurado. ;O rombo do sistema previdenciário poderia ser menor se houvesse uma maior fiscalização nessas práticas adotadas pelos prefeitos na realização de concursos e uma melhor avaliação do desempenho dos profissionais;, destaca.
Legendas predominantes
De acordo com o estudo, os partidos com maior volume de aparelhamento nas cidades brasileiras são PT, MDB, e PP, que tinham a maiores bancadas no Congresso e maior número de prefeituras espalhadas pelo país. O estudo cita ainda dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostrando que, em 2015, havia 12 milhões de brasileiros eram filiados a alguma legenda no país. O total de servidores municipais mapeados no estudo foi de 5 milhões, em 1995, e de 6,5 milhões, em 2013, de acordo com Barbosa. Ele lembra que a população local não se deu conta desse problema porque não é ela que paga diretamente essa conta. ;Mais de 85% dos municípios dependem de recursos da União que são repassados pelo Fundo de Participação de Municípios (FPM) e, por conta disso, não há um aumento da carga tributária local para cobrir essa despesa com pessoal que cresceu muito nos últimos anos;, afirma. ;No fundo esse quadro mostrado pelo estudo mostra o ônus do processo democrático, que é ruim para a sociedade, porque mostra que as prefeituras estão gastando mal seus recursos, alocando indivíduos partidários nos quadros permanentes, comprometendo a qualidade da prestação de serviço;, complementa.
O professor do Insper lembra que, a cada ciclo eleitoral, o quadro de comissionados e servidores acaba aumentando pela amostra, e o reflexo dessa política está no aumento do endividamento do setor público de forma geral. ;Quem está com restrição orçamentária e não pode reduzir o quadro técnico acaba investindo menos e prejudicando a qualidade dos serviços prestados;, resume Barbosa.
Problemão
Na avaliação de Ferreira, parte do problema do rombo da Previdência não apenas na União como também nos estados e em municípios também está relacionado às práticas de aparelhamento por meio de concursos que, conforme várias denúncias registradas durante o período da amostra, foram realizados com cartas marcadas. Ele lembra que o Banco Mundial tem estudos que mostram que a qualidade dos serviços públicos está inversamente relacionada ao percentual de funcionários públicos ligados a partidos políticos, ou seja, quanto maior o aparelhamento, pior é o serviço prestado.
;Em países desenvolvidos, a quantidade de funcionários é menor e, portanto, a influência política também é. Já em países mais pobres e em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, há mais funcionários públicos e as contratações são influenciadas pelos partidos e não pela qualificação;, explica Ferreira. Ele reforça que, ao contrário do Brasil, nos Estados Unidos, o presidente pode nomear apenas cerca de 5 mil cargos de confiança e essas posições são extintas quando acaba o mandato e todo mundo vai para casa.;Isso não acontece no Brasil e a cada troca de governo, o que constatamos é que o número de pessoal só cresceu;, lamenta ele lembrando que, apenas na União, existem mais de 23 mil cargos comissionados atualmente, conforme dados do Ministério da Economia.