Economia

Alerta hídrico: demanda mundial por água deve crescer 40% até 2030

Demanda mundial deve crescer 40% até 2030. No Brasil, o consumo teve alta de 80% nas últimas duas décadas, a maior parte para atender a produção agrícola

Simone Kafruni
postado em 04/03/2019 07:00
Pivô de irrigaçãoO elemento água está presente em quase tudo na Terra. Dois terços do planeta é composto por água. No entanto, apenas 2,5% é doce, e a maior parte está presa nas geleiras das calotas polares. A economia não gira e a sociedade não vive sem recursos hídricos, mas é preciso se contentar com 0,5% do suprimento disponível para uso. Contudo, a demanda mundial deverá aumentar 40% até 2030 e 55% até 2050, ano no qual se estima que mais de 40% da população mundial viverá em áreas de grave estresse hídrico.

No Brasil, que tem a sorte de estar sobre o maior aquífero do globo, o Guarani, a demanda aumentou 80% nas últimas duas décadas, segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA). A previsão do órgão é de que, até 2030, a retirada aumente 24%. ;O histórico da evolução dos usos da água está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico e ao processo de urbanização do país;, diz estudo da agência. No entanto, o maior consumo de água em termos é na irrigação agrícola.

[SAIBAMAIS]O chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Marcelo Augusto Boechat Morandi, explica que a demanda por água para a agricultura irrigada no mundo aumentará de 2.600 quilômetros cúbicos (km;) em 2005 para 2.900 km; em 2050. Cada km; equivale a um trilhão de litros. ;Para efeito de comparação, o Lago Paranoá, em Brasília, tem 0,5 km;;, explica o especialista.

O uso da água no meio rural representa 83% da demanda de captação de água total brasileira, dos quais 72% são destinados à irrigação, prática em franca expansão no Brasil. Passou de 462 mil hectares em 1960 para 6,1 milhões de hectares em 2014, em especial por meio de pivôs centrais. ;Assim, uma necessidade para o presente e o futuro é tornar mais eficiente a prática da irrigação. Estima-se hoje uma perda de 40% devido a sistemas inadequados de irrigação ou vazamentos nas tubulações;, diz Morandi.

Poluição difusa

Outra preocupação é com a qualidade da água, uma vez que é no espaço rural que nascem os grandes mananciais de abastecimento. Apesar de a poluição urbana ser a principal fonte de degradação, a poluição difusa de origem rural, causada pela elevada utilização de fertilizantes e pesticidas e pela perda de solos por processos erosivos, têm alto impacto. ;A distribuição da água não é homogênea entre as regiões. Enquanto o Norte detém 68,5% da água doce disponível, o Nordeste tem apenas 3,3%;, compara. Nas demais regiões a disponibilidade é de 15,7% no Centro-Oeste; 6,5% no Sul; e 6% no Sudeste. ;A distribuição das reservas não acompanha a concentração populacional nem a demanda hídrica das diferentes partes do país;, emenda.

O especialista em água do Banco Mundial Thadeu Abicalil explica que a escassez de água é uma relação permanente. ;Em muitos locais, como São Paulo e Minas Gerais, a demanda é sempre maior que a disponibilidade hídrica;, explica. Quando falta, é preciso gerenciar o uso prioritário, uma vez que a água é essencial também para geração de energia, além do abastecimento rural e do consumo humano.

;A crise hídrica acontece quando fenômenos climáticos ou de gestão estressam a relação. Usar água do reservatório, quando no período seguinte pode faltar, é gestão. Mas existem fenômenos também, como a seca no semiárido de 2012 a 2018, ou no Distrito Federal em 2017 e em São Paulo em 2015;, lembra.

Abicalil destaca que a crise hídrica também está associada a excesso de água. ;Com as mudanças climáticas, aumentou a variabilidade de chuvas. Podemos ter mais secas e mais enchentes. O cenário atual é de volatilidade;, ressalta. Chuvas em volume muito superior à capacidade de armazenamento representam um problema. Segurança hídrica é gerenciar a crise de seca e o armazenamento no excesso. ;O Brasil está avançando neste conceito e há uma melhora da capacidade de enfrentar os eventos climáticos extremos. Mas o país recém saiu do estágio que chamo de crise hidrológica, de ações apenas emergenciais;, diz.

Controle da situação é agir mesmo quando o sistema está funcionando bem. ;Como o Nordeste enfrenta secas prolongadas, medidas como a transposição do Rio São Francisco se fizeram necessárias;, assinala. Brasília e São Paulo, que viveram crises agudas, saíram delas com conhecimento e mantiveram a economia. A infraestrutura e a conscientização das populações melhoraram. ;Em São Paulo, foi feito bônus tarifário para quem economizou. Brasília, racionamento. Ambas as cidades reduziram o consumo e o efeito pós-crise resultou em consumo menor. Isso é gestão de risco;, explica.

Antes do risco, no entanto, é preciso melhorar o uso da água que existe. Gerenciar a proteção das nascentes e o entorno dos reservatórios e criar infraestrutura são medidas fundamentais. ;Isso envolve aspectos econômicos, o valor da água. Se a disponibilidade é insuficiente se constrói barragem, adiciona infraestrutura;, ressalta o especialista do Banco Mundial.

Florestas

A proteção das nascentes e das florestas deve ser o primeiro passo, na opinião do professor do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Adacto Benedicto Ottoni. ;Uma das principais formas de degradação da água é o desmatamento. O aumento das inundações está correlacionado com o aumento da seca. A chuva não cai igualmente o ano todo, há mais meses de seca do que de chuva. E a natureza produz água doce na estiagem por meio da floresta;, afirma.

A floresta infiltra 80% da água da chuva e presta um serviço ambiental, retendo a água no solo. ;Além de amortecer as enchentes, essa água subterrânea é que alimenta o rio na seca. Se desmatar, agrava a erosão do solo e a água é perdida. Vai para o mar e fica salgada;, assinala Ottoni. ;A melhor forma de evitar risco é reflorestando a bacia. Se parar de desmatar já resolve;, acrescenta.

O professor lembra, ainda, que a legislação brasileira garante a proteção das nascentes. ;É só seguir o Código Florestal, segundo o qual, com raras exceções, as áreas íngremes com inclinação acima de 45 graus e faixas de proteção de rios não podem ter ocupação a não ser mata ciliar. A lei é boa, mas não é cumprida;, denuncia. Nas áreas produtivas, o especialista defende a recarga artificial da água subterrânea. ;É possível fazer valas de infiltração de encostas, isso aumenta a umidade do solo;, recomenda.

Garantir o saneamento básico nas áreas urbanas também evita que a água das enchentes se perca. Como as cidades são impermeabilizadas pelo asfalto, é preciso investir em infraestrutura, diz Ottoni. ;Tem que recolher o lixo para não assorear o esgoto; é preciso um programa de educação ambiental; também é possível aumentar permeabilidade, construindo estacionamentos com material poroso, que permite infiltração;, enumera. ;O homem não precisa degradar para se desenvolver. A saída é fazer gestão sustentável;, emenda.

Dessalinização

A dessalinização é uma alternativa utilizada no sertão e no agreste nordestino, onde a água subterrânea é de pouca produção e tem alto teor de sal. ;Já existem pequenos sistemas comunitários. O Brasil domina esta tecnologia;, destaca Thadeu Abicalil, do Banco Mundial. Segundo ele, Fortaleza está em período de consulta pública para poder dessalinizar numa grande planta. ;Isso é uma solução adotada em muitos países. Jordânia, Austrália, Espanha, Israel são exemplos. Outra é o reúso;, afirma.

Regiões de escassez hídrica e grande demanda industrial e agrícola devem reutilizar a água tratada. ;Paulínia (SP) tem uma planta que pega parte do esgoto tratado, leva para uma estação avançada e gera uma água com potencial na indústria. Isso também pode ocorrer para reúso agrícola. Países utilizam para fruticultura. O reúso é uma forma de uso do esgoto para alcançar segurança hídrica;, explica.

No entender de Fabiana Alves, da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, o país tem poucos projetos de reúso de água. ;São quase 100 milhões de brasileiros sem acesso à coleta de esgoto, o correspondente a 47,6% da população total do país. Além disso, apenas 46% do esgoto coletado é tratado. O problema de saneamento, que é algo básico, dimensiona quão longe estamos de falar em reúso de água no Brasil;, denuncia.

Fabiane lembra que o desastre de Brumadinho, onde uma barragem de rejeitos de minério colapsou, provocou contaminação de metais pesados provados em análises da ANA e da SOS Mata Atlântica por quase 300 quilômetros de rio. ;Portanto, a água não pode ser utilizada sem tratamento, seja para consumo, humano, animal, ou para atividades agrícolas;, lamenta.

2.900 km;

Previsão do consumo global de água em 2050. Cada km; corresponde a 1 trilhão de litros

MDR quer ampliar abastecimento

O recém-criado Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) incorporou a política federal de segurança hídrica, com o intuito de ofertar água à população e à atividade econômica em todo o território nacional, sobretudo em regiões frequentemente afetadas por períodos de seca e estiagem. A pasta prevê investimentos de R$ 25 bilhões em 114 obras estruturantes para ampliar o abastecimento de água no país.

Em nota, o ministério explica que fará a gestão das políticas de saneamento ambiental com o desafio de levar tratamento de esgoto e de água às regiões que ainda não possuem esse direito essencial à saúde pública. ;Nesse sentido, a medida provisória do Marco Legal do Saneamento Básico (MP 868/2018), sob análise do Congresso, tem o objetivo de modernizar o setor e normatizar o investimento privado nos serviços;, afirma.

;Outra ação fundamental é a revitalização de rios, estruturada em cinco eixos de atuação para a recuperação e preservação da bacia: saneamento, controle de poluição e obras hídricas; proteção e uso de recursos naturais; economias sustentáveis; gestão e educação ambiental e, por fim, planejamento e monitoramento;, enumera a pasta.

O ministério também deve entregar o eixo norte do projeto de integração do Rio São Francisco. ;As estruturas necessárias à passagem da água estão em fase final e deverão ser concluídas no primeiro semestre deste ano;, diz a nota.

Demanda mundial deve crescer 40% até 2030. No Brasil, o consumo teve alta de 80% nas últimas duas décadas, a maior parte para atender a produção agrícola

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