Isabella Souto/Estado de Minas
postado em 07/03/2019 10:44
Dois anos depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que aposentados que continuam trabalhando e contribuindo para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não podem rever o valor do benefício ; a chamada desaposentação ;, aos poucos a conta começa a ser cobrada nos contracheques dos inativos em todo o país.
Em Minas Gerais, beneficiários do INSS vêm sendo pegos de surpresa com o corte nos valores ; que retroagiram ao montante recebido antes da desaposentação. A tesoura representa uma economia de R$ 7,7 bilhões ao ano para o INSS, segundo dados de 2016, os mais recentes da Advocacia-Geral da União (AGU).
órgão estima que 182 mil aposentados brasileiros que tiveram revisão do benefício terão que viver com menos dinheiro no bolso. Um deles é o administrador de empresas Helvécio Pinton, de 70 anos, que há três meses viu o contracheque reduzir de R$ 4,8 mil para R$ 2,7 mil mensais. Aposentado em 1999 depois de 32 anos de contribuição, ele continuou a trabalhar como consultor, e, claro, contribuir para a Previdência Social.
"Ainda continuo trabalhando e contribuo com R$ 220 por mês. Não dá para depender só da aposentadoria, que basicamente paga apenas o plano de saúde. Mas a idade vai chegando e a gente vai diminuindo o ritmo. Vou ter que eliminar despesas"
Helvécio Pinton, aposentado que teve seu contracheque reduzido em R$ 2,1 mil
Em 2012, recorreu ao Judiciário, e quatro anos depois, conseguiu uma liminar reajustando o benefício. ;Ainda continuo trabalhando e contribuo com R$ 220 por mês. Não dá para depender só da aposentadoria, que basicamente paga apenas o plano de saúde. Mas a idade vai chegando e a gente vai diminuindo o ritmo. Vou ter que eliminar despesas;, lamenta Helvécio Pinton.
Assim como o administrador mineiro, milhares de aposentados de todo o país recorreram à Justiça para ter o recálculo da aposentadoria. Boa parte conquistou o direito a um valor maior. A tese ganhou força em maio de 2013, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a legalidade da desaposentação.
Mas a discussão jurídica não acabou por lá. A AGU recorreu da decisão ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, em abril de 2016, requereu a suspensão de todos os processos de desaposentação que tramitam no país. Na ocasião, alertou que o impacto financeiro para os cofres da Previdência Social seria de até R$ 181,8 bilhões até 2046.
No requerimento, a AGU alegou ainda que, aos casos mais urgentes, poderiam ser concedidas liminares em caráter provisório. Assim foi até que, em outubro de 2016, o STF decidiu que a desaposentação é ilegal. Ou seja, o aposentado que continua trabalhando é obrigado a contribuir para o INSS, mas não pode rever o benefício.
Com o novo entendimento dos ministros do Supremo, os processos até então suspensos deveriam voltar a tramitar, mas desta vez com a sentença contrária à revisão da aposentadoria. Já aquelas decisões que permitiram a desaposentação deveriam ser modificadas pelos juízes ou desembargadores.
Só recentemente os contracheques começaram a ser reduzidos. A demora se deu por dois fatores. Em primeiro lugar, porque levou quase um ano para que o acórdão com a decisão do STF fosse publicado ; a partir de quando o entendimento deveria ser seguido pelas demais instâncias da Justiça.
O segundo motivo é a tão criticada lentidão do Judiciário: poucos juízes e servidores para rever milhares de processos. Enquanto isso, os aposentados continuaram com o valor calculado a partir da desaposentação, que agora vem sendo cortado.
;Ao longo do tempo os tribunais vêm analisando os processos, que são milhares, e a análise é caso a caso;, explica o advogado Felipe Bretas Galvão, que atua na área do direito previdenciário.
Ele explica ainda que, por se tratar de entendimento já firmado pelo STF, não tem como o aposentado recorrer para tentar voltar ao valor inicial. O advogado alerta que alguns aposentados vêm recebendo ofícios de cobrança determinando a devolução do valor recebido a mais com a desaposentação. Nesses casos, orienta a fazer um recurso administrativo ou mesmo recorrer à Justiça.
Devolução
A AGU informou que a entidade já entrou com algumas ações judiciais para recuperar os valores pagos pelo INSS. No entanto, não informou à reportagem quantos são os casos, já que a medida é feita dentro da própria ação que concedeu a revisão do benefício.
;À medida que a procuradoria da Advocacia-Geral da União é intimada de decisões sobre o tema, as providências vão sendo aplicadas;, informou o órgão em nota encaminhada ao Estado de Minas.
Ainda segundo a nota, os pedidos de devolução de recursos decorrem de decisões emitidas em cada caso, e aplicando o entendimento do STJ, que ao julgar um recurso especial decidiu que ;a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos;. ;Em cada caso particular, há uma decisão judicial que autoriza a cobrança do INSS. Logo, o respaldo jurídico é a decisão judicial do caso concreto;, continuou a nota.