Jaqueline Mendes
postado em 11/03/2019 06:00 / atualizado em 19/10/2020 18:01
São Paulo — A popularização dos serviços de streaming no Brasil, especialmente de canais que nasceram com esse propósito, como o Netflix, tem mudado a forma como os brasileiros consomem produtos pela televisão. Por um lado, a tecnologia on demand permite flexibilidade e conforto para o telespectador, que pode assistir aos seus programas favoritos a qualquer hora e em qualquer lugar. Por outro, o streaming, associado a um aumento vertiginoso da pirataria de sinal, o popular “gatonet”, está gerando dificuldades para as empresas de TV por assinatura.
De acordo com números da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), o contingente de assinantes de TV paga atingiu em 2018 o total de 17,7 milhões de lares, o menor número desde 2012, quando o ano fechou com 16,3 milhões. “Os hábitos estão mudando, sim, mas o nosso grande problema tem sido a pirataria em todo o Brasil, que causa prejuízos às empresas e aos cofres públicos, que deixam de arrecadar com o serviço legal”, disse Oscar Simões, presidente da ABTA. “Sem a pirataria, o mercado de televisão por assinatura teria receitas anuais de R$ 4 bilhões a mais e estaria pagando R$ 550 milhões a mais de impostos anualmente.”
De acordo com a ABTA, existem hoje mais de 3,3 milhões de decodificadores piratas em funcionamento no Brasil. Na ponta do lápis, se o “gatonet” fosse uma empresa legalizada, ocuparia a terceira colocação no ranking nacional, atrás apenas de Claro/Net, com 8,9 milhões de clientes, e da Sky, com 5,2 milhões.
Embora a pirataria e o streaming sejam coisas distintas, uma tem incentivado a outra a crescer, segundo especialistas. Nos cálculos da gigante americana de tecnologia Cisco, 6,5 milhões de televisores que recebem sinal furtado via internet entraram no Brasil nos últimos três anos pela fronteira com o Paraguai. Em 2015, segundo a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura, havia 4,5 milhões de “assinantes” que furtavam o sinal dos canais pagos diretamente de satélites. “O contrabando que antes era dominado por aparelhos de som e videogames, hoje é liderado pelos aparelhos que oferecem acesso ilimitado a canais pagos e aplicativos de streaming”, afirmou Paulo Miranda, economista e consultor em telecomunicações.
Essas caixinhas custam entre R$ 300 e R$ 700 e não cobram mensalidade. Além de gratuitos, oferecem canais pagos que são pay-per-view, uma importante fonte de receita das tevês por assinatura. Segundo Marcio Machry, engenheiro da Cisco, os piratas recebem os sinais legalmente das operadoras, via satélite, em grandes data centers. A programação é codificada para streaming e armazenada em servidores na nuvem, de onde chegam até a casa dos assinantes piratas, através de modens conectados à TV ou ao PC. “Mais do que os novos canas de streaming, a pirataria é o maior concorrente para a TV paga”, disse Machry em um painel do PayTV Fórum, no ano passado.
O problema é que, além de furtar o sinal das operadoras legalizadas, alguns grupos de hackers se apresentam como oficiais prestadores de serviço, e cobram entre R$ 20 e R$ 35 mensais. “Muita gente tem TV pirata e não sabe. Pode estar abrindo seus dados bancários a bandidos ao conectar seu PC a uma quadrilha internacional”, alertou a ABTA em recente comunicado.
De acordo com a entidade, a pirataria movimenta R$ 6 bilhões por ano entre evasão de receitas e sonegação de impostos. A cifra corresponde a 20% do faturamento de todo o mercado de TV paga no ano passado, de pouco mais de R$ 30 bilhões. A ABTA estima que, apenas no acumulado dos 12 meses de 2018, foram importados mais de 3,1 milhões de receptores de streaming chineses, por meio de contrabando do Paraguai, que movimentou US$ 115 milhões.