Rosana Hessel
postado em 12/03/2019 06:00
Para quem achava que, para resolver o problema do rombo da Previdência, era só cobrar os mais de R$ 400 bilhões dos maiores devedores, relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, mostra que a medida não cobre nem o rombo de R$ 90,3 bilhões do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), aplicado aos servidores públicos. Conforme levantamento do IFI, o valor da dívida ativa que pode ser recuperado é de apenas R$ 87 bilhões, na melhor das hipóteses.
O valor é pouco mais da metade dos R$ 160 bilhões estimados pela equipe econômica com a cobrança, que deverá ser implementada por meio de projeto de lei em elaboração no Ministério da Economia. Mas, pelas contas da IFI, o governo conseguirá recuperar efetivamente muito menos do que isso, algo que não chega a R$ 20 bilhões. Solicitado a comentar os cálculos, o ministério não havia respondido até o fechamento desta edição.
;A dívida ativa soma R$ 427,4 bilhões, mas 63% têm chances remotas de recuperação. Considerando a própria classificação do governo, sobram R$ 157,9 bilhões que poderiam ser recuperados, mas, fazendo algumas segregações do que tem menor qualidade, o valor é de R$ 87 bilhões, em uma avaliação otimista;, afirmou o economista Felipe Salto, diretor executivo da IFI. Ele lembrou que grande parte da dívida é de empresas que faliram ou foram extintas.
De acordo com Salto, como a probabilidade do pagamento dessa dívida considerada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) com rating A e B não deve chegar a 100%, o dado que deveria ser considerado seria muito menor, inferior a R$ 20 bilhões. ;Nossa expectativa de recuperação desses créditos A e B é de 70% e 50%, respectivamente. Considerando que parte desses créditos não necessariamente serão recuperados de maneira integral, o volume potencial de recursos arrecadados a partir da aplicação de novas ações de cobrança diminuiria de R$ 87 bilhões para R$ 16 bilhões;, detalhou.
Descompasso
A IFI também comparou a média dos benefícios do regime geral (RGPS), dos trabalhadores da iniciativa privada, com a média das aposentadorias e das pensões dos servidores públicos. Os valores dos benefícios pagos no RPPS chegam a ser 19 vezes superiores à média do RGPS. As pensões do serviço público federal são 17 vezes maiores do que as pagas pelo RGPS. ;Os dados têm vários problemas do ponto de vista estatístico, porque não há uma padronização. Mas isso não impede que façamos esse tipo de comparação para mostrar as discrepâncias dos regimes;, disse Felipe Salto.
O diretor da IFI lembrou que as análises e os dados levantados nas 80 páginas do estudo evidenciam que o período do chamado bônus demográfico acabou. Nas próximas décadas, haverá muito mais idosos do que jovens até 14 anos, mostrando que a população que ainda vai entrar no mercado de trabalho não conseguirá sustentar as aposentadorias dos velhos.
Atualmente, a despesa agregada da Previdência Social, contabilizados os regimes público e privado, é de R$ 900 bilhões, mais de 13% do PIB, e a tendência é que ele não pare de crescer se não houver a reforma, de acordo com especialistas.
Salto reforçou a necessidade da reforma para começar a reequilibrar as contas tanto do governo federal quanto de estados e de municípios. ;Sem a reforma da Previdência, apenas os gastos com aposentadorias por idade e por tempo de contribuição passariam dos atuais 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) para algo entre 8,5% e 10% do PIB até 2060, em um exercício sobre a evolução da demografia e dos gastos previdenciários;, destacou.
Conforme os dados apontados pela IFI, baseados nos relatórios do governo federal, o deficit previdenciário do RPPS saltou de R$ 20,8 bilhões (1,9% do PIB), em 1999, para R$ 90,3 bilhões (1,3% do PIB), em 2018, para um universo de apenas 980 mil beneficiários. Já o Regime-Geral de Previdência Social (RGPS), que engloba 32 milhões de pessoas, registrou um rombo de R$ 195 bilhões no ano passado.
Salto destacou também que, mesmo retirando as despesas relacionadas à seguridade social, saúde e educação vinculadas à DRU, as contas ainda fecham no vermelho em R$ 171 bilhões, ou 2,5% do PIB. ;Em 2018, o deficit da seguridade social foi de R$ 280,6 bilhões, ou 4,1% do PIB. Sem a DRU, o rombo teria sido de R$ 171 bilhões, ou 2,5% do PIB. ;A DRU agrava o deficit da seguridade, mas seu impacto sobre o da previdência é irrisório. Embora o mecanismo vise aumentar a flexibilidade da gestão orçamentária, no caso da seguridade. ele se tornou inócuo, em razão dos elevados e persistentes deficits;, destacou Salto.