Economia

Renda de servidores eleva a média salarial no país, segundo o IBGE

Rendimento médio do brasileiro alcança maior nível desde 2012. Mas, enquanto o ganho dos trabalhadores da iniciativa privada subiu apenas 0,8% no último ano, o dos funcionários públicos cresceu cinco vezes mais: 4, 2%

Bruno Santa Rita - Especial para o Correio, Hamilton Ferrari
postado em 18/03/2019 06:00
Se, por um lado, servidores públicos estão ganhando mais, trabalhadores da iniciativa privada reclamam que o poder de compra está estagnado há anosApesar do ritmo lento de recuperação da economia, o rendimento médio real do brasileiro está no maior nível da série histórica iniciada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2012. Na última divulgação, com base nos dados do trimestre terminado em janeiro de 2019, o órgão mostrou que os brasileiros ganham, em média, R$ 2.270 por mês. O que explica o valor recorde, segundo os dados, é que a renda tem sido puxada, principalmente, pelos ganhos dos servidores públicos.

De acordo com o IBGE, no período de um ano ; entre o trimestre encerrado em janeiro de 2018 e os três meses terminados em janeiro de 2019 ;, os salários dos trabalhadores da iniciativa privada cresceram apenas 0,8%; no mesmo intervalo de tempo, o funcionalismo público aumentou seus ganhos em 4,2%. Segundo o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes, isso não reflete melhora da economia.

[SAIBAMAIS];De fato, o rendimento atingiu o ponto mais alto da série histórica. Claro que a série histórica pegou um período de desaquecimento, a partir de 2012, e de longa recessão, a partir de 2014, até 2016. Podemos ver que, desde a recuperação, que começou em 2017, os salários vêm mantendo uma tendência de alta, mas, claramente, há uma perda de fôlego nos últimos meses;, afirma Bentes.

O economista ressalta que a inflação baixa também contribuiu para o desempenho positivo da renda. ;Mas aquele ritmo de recuperação esperado desde 2017 praticamente estacionou em 2018, e ainda é muito tímido em 2019;, diz. ;Fora que o crescimento está sendo puxado pelo funcionalismo, que tem aumentado os rendimentos ao longo dos anos. E o que chama a atenção é que a produtividade não tem se elevado. Isso só reforça a necessidade de a reforma da Previdência focar nesta categoria de trabalhadores;, completa o economista.

Se, por um lado, servidores estão ganhando mais, trabalhadores da iniciativa privada reclamam que o poder de compra está estagnado há anos. É o caso de Maria Aurilene Carvalho Nunes, 52 anos. A cada ano, ela sente que a renda real dela diminui um pouco. Apesar de ter atuado em áreas distintas nos últimos anos, para ela, parece que o salário nunca aumenta efetivamente. ;Está muito apertado. Parece que o que eu ganho só aumenta conforme o salário mínimo, sendo que tudo encareceu. Principalmente alimentação;, afirma.

Hoje, como babá, ela diz que tem carteira assinada, mas que o rendimento não dá conforto financeiro. Maria Aurilene, que tem uma filha de 22 anos, conta que está difícil de encontrar emprego e oportunidades. ;Deixamos de usar o cartão de crédito, porque, se não tiver controle, ele toma toda a parte do seu dinheiro;, diz. ;Todos temos perspectivas de melhora. Torcemos para que tudo dê certo, mas, por enquanto, estamos na mesma situação há alguns anos;, acrescenta.

Consumo

Outro caso é do consultor técnico de esquadrias Glauber Nunes, 27, que trabalha no ramo há mais de 10 anos. Segundo ele, houve tempos em que a remuneração era mais alta. ;O auge foi em 2010. Naquela época, eu ganhava bem mais do que hoje;, destaca.

Essa percepção vem da experiência de consumo que Nunes tem vivido nos últimos tempos. Ele conta que a situação em casa está difícil. Já abriu mão de alguns confortos, como TV a cabo e internet sem fio. Até mesmo as faturas de água e luz foram renegociadas pelo trabalhador. ;Não está dando para pagar as contas. Meu nome já está no SPC e no Serasa;, diz. Para ele, o aumento médio da renda do brasileiro captado pelo IBGE ;ainda não chegou;.

Para economistas, a percepção de melhora vai demorar para ocorrer. O país tem 12,7 milhões de desempregados, fora os 4,7 milhões de brasileiros que desistiram de procurar trabalho, os desalentados. Cimar Azeredo, gerente de Pesquisa do IBGE, destaca que o nível de rendimento vai depender do ritmo de recuperação da economia e do emprego. ;Hoje, há crescimento de postos de trabalho, mas ainda associado a empregos de baixa qualidade e voltados para a informalidade;, frisa. ;O rendimento é uma variável volátil e tem a ver com o salário mínimo (que foi reajustado em janeiro). Desde o início da série, porém, temos registrado marcas de rendimento mais baixo;, acrescenta.

Estagnação

O número de empregados no setor privado com carteira assinada é de 32,9 milhões de pessoas, segundo o IBGE, estável em comparação ao trimestre encerrado em janeiro de 2018. Já o número de empregados sem carteira assinada subiu 2,9% no período, atingindo 11,3 milhões. Além disso, a categoria dos trabalhadores por conta própria avançou 3,1%, englobando 23,9 milhões de brasileiros.

Renan De Pieri, professor de economia do Insper, avalia que a taxa de desemprego tenha mostrado ligeira queda no último ano, isso não foi suficiente para gerar aumento significativo do rendimento da população. ;Houve piora na renda em meados de 2016 e, a partir daí, uma evolução. Mas a situação não é muito melhor. A principal constatação é de que os salários estão quase estagnados, mesmo com a retomada dos postos de trabalho;, avalia.

De Pieri afirma ainda que, nos próximos anos, mesmo que a atividade econômica se aqueça, os salários podem não subir. ;Um dos problemas sérios do desemprego é que, a partir do momento em que a oferta de vagas aumentar, a população desalentada voltará a procurar emprego, inflando a taxa de desocupação. Por isso, mesmo com criação de empregos, não será possível gerar renda tão rápido, ainda mais com a previsão de crescimento modesto da economia;, analista o especialista.

O crescimento está sendo puxado pelo funcionalismo, que tem aumentado os rendimentos ao longo dos anos. E o que chama a atenção é que a produtividade não tem se elevado;
Fábio Bentes, economista-chefe da CNC

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