Economia

Relator da reforma só depois de o governo explicar proposta dos militares

Prisão de Temer também dificulta andamento da matéria, que só deve chegar ao Senado no segundo semestre

Alessandra Azevedo, Gabriela Vinhal
postado em 22/03/2019 06:00

Comissão: expectativa era de que parecer fosse apresentado na próxima quinta-feira

Até a última quarta-feira, o principal entrave para o andamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, que muda as regras para os civis, era a falta de projeto que também cobrasse a ;cota de sacrifício; dos militares. Mas, em vez de ajudar, o texto entregue na quarta-feira dificulta a aprovação.

Com contrapartidas expressivas em troca dos poucos ajustes propostos para a categoria ; bem mais suaves do que os sugeridos para os demais trabalhadores ;, o projeto recebeu ataques de deputados de todos os partidos, do PT ao PSL, passando pelo Centrão. Um dos grandes críticos tem sido o líder do partido de Bolsonaro na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), que cobrou um posicionamento da equipe econômica sobre o texto que definiu como ;um abacaxi;.

As lideranças partidárias entraram em acordo para adiar a definição do relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), marcada para ontem, ;até que o governo, por meio do Ministério da Economia, apresente esclarecimentos sobre a reforma e a reestruturação dos militares;.

Cronograma

A decisão prejudica o cronograma da PEC. A expectativa do presidente do colegiado, Felipe Francischini (PSL-PR), era de apresentar o parecer até quinta-feira da semana que vem. Agora, deve ficar para abril, quando ele já pretendia colocá-lo para votação. A expectativa dos mais otimistas é de que o texto só chegue ao Senado no início do segundo semestre.

Francischini avalia nomes para a relatoria desde antes da instalação do colegiado, mas só divulgará depois que o governo se manifestar sobre o assunto. Waldir explicou que há poucos deputados da CCJ interessados em relatar o texto. O conteúdo, segundo ele, ;dificulta que os parlamentares queiram colocar a digital na reforma;.

A prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer piora a situação. A consequência é a perda de possíveis votos favoráveis de deputados do Centrão, que eram aliados fiéis de Temer e hoje praticamente comandam a Mesa Diretora da Câmara. A bancada do MDB, partido do ex-presidente, conta com 34 deputados, mas, nos bastidores, tem uma influência muito maior do que o número sugere entre os partidos de centro.

Disputas

As brigas entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evidenciam um terceiro problema: as disputas entre Planalto e Congresso. ;O governo está dividido, e os grupos têm mais interesses próprios do que coletivos. MDB e outros partidos do Centrão estavam dispostos a discutir a reforma, ajudar o governo, com menos exigências que outros. Agora, estão contra uma parte do governo, chamada Sergio Moro;, comentou o gerente de análise e política da Prospectiva, Thiago Vidal.

Ele acredita que o projeto dos militares ter chegado com economia estimada bem abaixo da expectativa inicial (veja quadro) é um péssimo sinal, porque abre um precedente perigoso para que outros grupos mudem o texto. ;O governo foi o primeiro a desidratá-lo, o que é muito simbólico;, comentou. Com isso, os ganhos da PEC também devem diminuir. Vidal estima que fiquem entre R$ 500 bilhões e R$ 600 bilhões, cerca da metade do esperado pelo governo.

O presidente em exercício, Hamilton Mourão, disse que é ;óbvio; que o projeto dos militares ;vai suscitar uma porção de discussões;. Ele ressaltou que o pacote já está ;definido;, por parte do governo, mas não descartou que sejam feitas mudanças no conteúdo após debate parlamentar.

;Eles podem mudar. Já falei com vocês que as Forças Armadas têm dois pilares: disciplina e hierarquia. Manda quem pode, obedece quem precisa e tem juízo;, disse. ;A oposição vai fazer o papel dela, e quem considera que as ideias do governo são válidas, independentemente de ter base ou não, vai apoiar [a reforma];, disse.

O que desagrada

Parlamentares adiam escolha de relator da reforma da Previdência, descontentes com proposta para militares

Contrapartidas
Para os trabalhadores civis, o governo só propôs cortes e sacrifícios. Já os militares conseguiram a reestruturação da carreira

>> Aumento nos adicionais pagos para especializações. O salário hoje aumenta em até 30%, dependendo do grau do diploma que o militar apresentar. Pelo projeto, a alta poderá ser de até 73%

>> Criação de um adicional de disponibilidade. Receberão aumento nos salários por estarem disponíveis para deslocamentos. O acréscimo pode chegar a 32%, no caso de coronel e subtenente

>> Mais ajuda de custo. Hoje, os militares que vão para a reserva têm direito a receber quatro salários, pagos uma única vez. O governo quer dobrar para oito

Contribuição menor
A proposta para os militares veio muito pior do que se esperava. Devido às contrapartidas, economia cai muito em 10 anos

>> Da economia prevista com as mudanças para militares, de R$ 97,3 bilhões, tem que se tirar R$ 86,85 bilhões que serão gastos com a reestruturação da carreira, reduzindo para R$ 10,45 bilhões o ganho líquido com as mudanças na caserna

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação