Gabriel Ponte*
postado em 23/03/2019 07:00
Se os investidores viram anjos e ouviram cítara na segunda-feira, quando a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) atingiu mais de 100 mil pontos durante o dia, fechando aos 99.994 pontos, ontem, no fim do pregão, a sensação era de queimar no fogo dos infernos, quando o Ibovespa, principal índice da B3, despencou 3,1%, para 93.735 pontos, no quarto dia de recuo. Do recorde de 100.037 pontos do início da semana para o índice de ontem, a queda foi de 6,3%.
De acordo com Danrlei dos Santos, agente autônomo da Mirae Asset, o valor de mercado das empresas listadas na composição de carteira da B3, passou de R$ 4,1 trilhões, na segunda-feira, quando o índice atingiu o recorde, para R$ 3,8 trilhões. Ou seja, em quatro dias desintegraram R$ 260 bilhões.
A preocupação com a reforma da Previdência, com os desentendimentos entre os poderes, frustração sobre as mudanças para os militares, além de um cenário externo desfavorável pautaram o dia tanto do mercado acionário quanto o de câmbio. Ontem, a notícia de que Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, ameaçava abandonar a articulação da reforma por conta de desavenças com o filho do presidente Jair Bolsonaro, Carlos, diminuiu o ímpeto dos investidores ao risco.
A decisão de Maia teria ocorrido após uma postagem de Carlos Bolsonaro, no Twitter, criticando a decisão do presidente da Câmara de adiar a tramitação do projeto de combate ao crime organizado e à corrupção, do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Para Álvaro Bandeira, economista-chefe e sócio da Modal Mais, a semana foi marcada pela alta volatilidade. ;Começamos a segunda-feira influenciados pela falas de Paulo Guedes (ministro da Economia) de que a reforma da Previdência seria feita de forma rápida, não sendo desidratada, com expectativa de economia fiscal de R$ 1,1 trilhão. Havia uma expectativa também positiva, no cenário externo, em relação ao Brexit. Assim, chegamos aos 100 mil pontos;, explicou.
Bandeira acredita que pesou, nos negócios locais, o temor dos traders não só com a situação interna como também no mercado internacional. ;A situação se deteriorou no cenário externo, com os bancos centrais não mexendo nas políticas monetárias, sinalizando que a condução dos juros permanecerão as mesmas, assim como indicadores econômicos fracos. Então, eu diria que o movimento de queda forte do Ibovespa é um pouco da importação de aversão, no exterior, assim como a percepção de deterioração, com a reforma apresentada para os militares;, completou. Segundo ele, neste momento, o investidor local optou pelo mercado de derivativos.
Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, afirmou que, apesar do desempenho ruim dos negócios na semana, as perspectivas continuam as mesmas. ;Nada muda. Os agentes continuam a acompanhar a questão da desaceleração global, que continua sendo muito forte. Inclusive, ontem, com o resultado negativo dos indicadores econômicos, os mercados internacionais caíram muito. Já no Brasil, tudo gira em torno da reforma da Previdência. Se a reforma vai bem, o mercado se sustenta;, comparou.
Em relação à prisão do ex-presidente Michel Temer, Silveira pondera que o problema central tem a ver com o MDB. ;A questão nem é a detenção de Temer. A percepção que emergiu, no mercado, é que vai ser muito difícil avaliar a continuidade da reforma com o cenário. O MDB (partido de Temer) tira, imediatamente, a possibilidade do governo conquistar três quintos para aprovar a reforma;, avaliou.
No mercado exterior, os operadores estiveram atentos aos dados de atividade econômica da Alemanha, maior economia da Zona do Euro, que apresentou recuo em sua indústria. O setor industrial também apresentou recuo no Japão. Já nos Estados Unidos, o Índice Gerente de Compras do mês recuou ao menor patamar em quase 21 meses.
Câmbio
Assim como na B3, houve uma inversão de expectativa em relação ao dólar. Se a divisa norte-americana abriu a semana em queda, cotado a R$ 3,792, ontem atingiu R$ 3,906 em alta de 2,71% em relação ao dia anterior. Foi a maior alta diária desde 18 de maio de 2017 e o valor de venda mais alto desde o início do ano. ;Alimentando a aversão ao risco, na conjuntura internacional, passando pela prisão de Temer, o mercado assimilou a ideia de que a reforma terá mais dificuldade para passar no Congresso. Com isso, vimos, ontem, uma forte desvalorização do real frente ao dólar, impactando nos juros;, analisou Newton Rosa, economista-chefe da Sulamérica Investimentos.
Questionado sobre o novo patamar atingido pela moeda dos EUA, Rosa não vê espaço para depreciação sem notícias positivas. ;A alta do dólar não foi sentida só aqui no Brasil, como também em diversos países emergentes. O humor dos investidores precisa melhorar no exterior e aqui. Se não houver uma notícia boa apagando esse mal-estar, o dólar continuará avançando rumo aos R$ 4;, alertou.
* Estagiário sob supervisão de Rozane Oliveira