Economia

Tentando enriquecer como Bettina? Especialistas pedem cuidado e dão dicas

Alta da Bolsa de Valores nas últimas semanas chamou a atenção para as chances de lucrar no mercado de ações. No entanto, é preciso estar atento. Promessas de ganho rápido e operações incomuns podem indicar que fraudadores estão à espreita

Gabriel Ponte*
postado em 24/03/2019 08:00
Alta da Bolsa de Valores nas últimas semanas chamou a atenção para as chances de lucrar no mercado de ações. No entanto, é preciso estar atento. Promessas de ganho rápido e operações incomuns podem indicar que fraudadores estão à espreitaDiscussões em torno da segurança de investimentos no mercado financeiro voltaram à tona no início desta semana, em meio à euforia em torno do Ibovespa, principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (B3). O indicador, que mede o desempenho das ações mais negociadas no pregão, chegou a ultrapassar os 100 mil pontos, antes de refluir para um patamar mais baixo, sob o impacto das dúvidas sobre a tramitação da reforma da Previdência e da tensão política provocada pela prisão do ex-presidente Michel Temer.

Em um cenário em que as atenções se voltaram para a Bolsa, ganhou grande repercussão o caso da jovem Bettina Rudolph, de 22 anos, que, em peça publicitária veiculada na internet pela consultoria de investimentos Empiricus Research, afirmou que, partindo da aplicação de R$ 1,5 mil, teria alcançado, em três anos, um patrimônio de R$ 1,042 milhão ; uma multiplicação absolutamente impossível em intervalo de tempo tão curto. Especialistas recomendam cuidado. (Leia mais na página 9)

Nos dias seguintes, Bettina afirmou que fez aportes adicionais em sua carteira de investimentos para se tornar milionária, mas a polêmica continuou. A Empiricus é conhecida no mercado pelo marketing agressivo que faz, prometendo viabilizar retornos consideráveis para investimentos na Bolsa de Valores. Na quinta-feira, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entidade encarregada de regular e fiscalizar o mercado de capitais, informou que a Empiricus não possui autorização para fazer análise de investimentos.

A Empiricus rebateu, dizendo que exerce atividade jornalística, produzindo relatórios com recomendação de investimentos, mas que, não sendo instituição financeira, não capta nem intermedeia recursos de clientes. Portanto, não estaria sujeita às normas da CVM aplicáveis a corretoras e aos bancos. A autarquia e a consultoria são partes contrárias em um processo que corre na Justiça de São Paulo. Na sexta-feira, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) anunciou a abertura de processo para avaliar a propaganda da Empiricus.

Esquemas


Muito além da discussão sobre propaganda enganosa, um caso mais grave veio à tona na semana passada: um esquema de pirâmide financeira, envolvendo o escritório de um consultor financeiro da BankRio, vinculada à corretora XP Investimentos, teria lesado investidores em um montante de R$ 20 milhões, chamando a atenção para o perigo de fraudes no sistema financeiro.

O operador responsável pela consultoria paralela, que havia criado uma pessoa jurídica para receber os recursos dos investidores, atirou-se de um prédio, no Rio de Janeiro, no dia 10 deste mês. O agente autônomo tinha clientes entre personalidades do meio artístico e esportivo, as quais faziam depósitos na conta pessoal dele, diferentemente da praxe, estabelecida pela CVM, de encaminhar os recursos para as contas das corretoras de valores autorizadas a operar no mercado.

Escândalos como esse não são novidade no mundo dos negócios. Pirâmides financeiras são conhecidos métodos fraudulentos para tirar dinheiro de investidores incautos. Na prática, o líder do negócio convence outras pessoas a aplicarem recursos com a promessa de ganhos vultosos em pouco tempo. Nesse esquema, investidores são estimulados a recrutar novos participantes, recebendo, como recompensa, percentuais altos de ganho, que dão a ilusão de efeito multiplicador do dinheiro. Na verdade, o rendimento não resulta de lucro gerado por algum negócio, mas do dinheiro aplicado pelos recém-chegados. Esse modelo, conhecido como ;esquema Ponzi;, é popular desde a década de 1920, quando foi criado nos Estados Unidos por um especulador chamado Charles Ponzi.

O esquema funciona apenas enquanto houver entrada de novos participantes, mas, com o tempo, torna-se insustentável. Se, em determinado momento, todos os integrantes decidirem sacar os recursos, a pirâmide não se sustenta. A prática é considerada crime no Brasil. Quando identifica um negócio desse tipo, a CVM encaminha denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) para que seja aberto inquérito e o caso seja julgado nos âmbitos cível e criminal.

Diligência


Em nota ao Correio, a XP Investimentos afirmou que, em nove anos de operação, nunca enfrentou caso semelhante ao do agente autônomo do Rio de Janeiro. A corretora disse possuir um processo prévio de diligência para escolher agentes autônomos, incluindo checagem de antecedentes criminais, levantamento de certidões e entrevistas individuais.

;A empresa esclarece que não tem qualquer vínculo com o ocorrido. O evento foi totalmente isolado e ocasionado por um indivíduo que atuava como assessor de investimento, mas que também realizava atividades paralelas irregulares, por meio de pessoa jurídica própria, fora do sistema financeiro, e que levou investidores a comprar operações particulares. No caso em questão, nenhuma transação, transferência ou fraude foi realizada dentro da plataforma da XP Investimentos;, informou a corretora.

Alta da Bolsa de Valores nas últimas semanas chamou a atenção para as chances de lucrar no mercado de ações. No entanto, é preciso estar atento. Promessas de ganho rápido e operações incomuns podem indicar que fraudadores estão à espreita

Desconfie de ganhos fáceis


Com a Selic (taxa básica da economia) no menor patamar histórico, de 6,5% ao ano, a rentabilidade de aplicações de renda fixa diminuiu e a renda variável tornou-se mais atrativa. Muitos investidores, no entanto, se deixam levar pela ganância diante da promessa de rendimentos expressivos e acabam sendo lesados. O economista e consultor Demétrius Lucindo, que trabalhou no mercado financeiro durante mais de 30 anos, observa que é preciso cuidado ao entrar no mercado de ações. Antes de tudo, diz ele, a pessoa deve, caso contrate os serviços de uma corretora, certificar-se de que ela opera de forma regular.

;Meu primeiro conselho é o de que o investidor procure uma corretora credenciada no Banco Central e na CVM (Comissão de Valores Mobiliários);, afirma. Segundo Lucindo, caso opte por um agente autônomo, o cuidado deve ser redobrado. ;É preciso ficar claro que o agente autônomo ganha dinheiro de acordo com as operações e movimentações do cliente. Caso se perceba que o agente ordena mudanças frequentes de posição. isso é um sinal ruim;, adverte.

O consultor também afirma que investidores de pequeno porte, mesmo com perfil conservador ou moderado, podem cair no ;conto do vigário; ao se depararem com promessas de retornos astronômicos. ;Se alguém prometer ganhos extraordinários, saia fora. Muitos caem nesse tipo de história. A verdade é que as pessoas querem obter ganhos fáceis na bolsa. Então, a promessa de retornos rápidos e volumosos é sedutora. Mas uma corretora não pode garantir ganhos, é um mercado instável e com risco;, completa.

Francisco José Bastos, superintendente de Relações com o Mercado e Intermediários da CVM, afirma que a autarquia tem aprimorado o modelo de fiscalização e combate a fraudes. ;Houve um incremento muito grande dos casos de processos resolvidos;, diz. Entre 2014 e 2018, foram instaurados 443 processos de consulta, reclamação ou denúncia contra pessoas ou entidades não participantes do mercado, com destaque para os crimes contra a economia popular, com 123 episódios. O número só foi ultrapassado pelos casos de exercício irregular de atividades no mercado mobiliário, com 180 processos.

De acordo com Bastos, a fiscalização da CVM atua em dois eixos. ;Temos uma supervisão preventiva, na qual discutimos a probabilidade de ocorrência de eventos de risco. A partir disso, passamos à fase de inspeção de campo. Essas ações têm como foco antecipar as ocorrências de fraudes e irregularidades;, explica. De acordo com o superintendente, há também a possibilidade da ação por demanda, quando a CVM atua mediante queixas de investidores ou da mídia.

Indícios


José Alexandre Vasco, superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores da CVM, chama a atenção para o Boletim de Proteção do Investidor, editado pela autarquia, que aponta indícios de fraude aos quais é preciso ficar atento. ;Desconfie de promessas com ganho elevado e baixo risco. Golpistas são pessoas simpáticas. Em qualquer investimento, tenha certeza do risco que está correndo, questione os conhecimentos do operador, e, principalmente, proteja suas aplicações;, destaca Vasco. De acordo com ele, por meio dos canais da CVM, as pessoas podem encaminhar denúncias, com a possibilidade, caso queiram, de preservar sua identidade.

Outra entidade que busca proteger os investidores é a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais), que representa cerca de 340 instituições financeiras, como bancos comerciais, gestoras de patrimônio, corretoras de investimento e distribuidoras de valores. ;Temos códigos de supervisão e de conduta dos nossos associados. Na prática, as instituições que aderem ao código demonstram ao investidor que têm compromisso com a regulação criada pelo próprio mercado;, afirma Guilherme Benaderet, superintendente de Supervisão de Mercados da Anbima.

De acordo com Benaderet, ao ser detectado um problema, a Anbima instala um programa de apuração, levado a cabo por funcionários de várias instituições integrantes da associação. Caso seja comprovada a irregularidade, aplica-se uma multa, que pode incluir a retirada do selo da companhia, assim como a exclusão do faltoso do quadro de participantes da entidade. ;É muito importante para o investidor. Toda instituição que usa o nosso selo transmite uma confiabilidade maior. O selo é um compromisso de que a empresa segue práticas de boa governança;, afirma.

;Muitos golpes possuem pontos em comum;, observa Aquiles Mosca, presidente do Comitê de Educação de Investidores da Anbima. Normalmente, três tipos de abordagem são utilizados para enganar investidores mais vulneráveis. O primeiro é o daquele fraudador que se apresenta como alguém que enriqueceu e diz que é possível aos outros conseguir a mesa coisa;, explica Mosca. O segundo comportamento típico é o de reforçar a exclusividade do negócio ilícito, ao apontar para uma oportunidade que seria oferecida a poucos.

A terceira forma de abordagem do fraudador é a de chamar a atenção para uma oportunidade que estaria prestes a desaparecer. ;Tenta-se produzir a percepção de escassez artificial, que forçaria o investidor a entrar no negócio. São itens que aparecem sempre, portanto, não muito difíceis de serem identificados;, sintetiza Mosca.

Outro aspecto que deve acender o sinal de alerta é a solicitação de depósitos em contas pessoais, procedimento não permitido pela CVM. ;No site da Anbima, possuímos nosso canal de comunicação com o investidor final, que é o blog Como investir. Trazemos orientações, falamos de produtos de investimento, processos decisórios, dados de conhecimento;, esclarece.


*Estagiário sob supervisão de Odail Figueiredo

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