Economia

Após decisão do STJ, venda de ingressos on-line está na berlinda

Disputa entre empresas de venda de tíquetes pela internet e Judiciário está longe do fim. Projeto de lei defende normas para regular a cobrança da taxa de conveniência

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 26/03/2019 06:00 / atualizado em 08/10/2020 13:06
Show de Paul McCartney, no Mineirão, durante a turnê One on One: T4F, empresa responsável pelas apresentações do ex-Beatle, diz que taxa de ingresso é comum fora do Brasil

São Paulo — Desde que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em 12 de março, pela proibição da cobrança da taxa de conveniência na venda on-line de ingressos em uma ação envolvendo a Ingresso Rápido e a Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul (Adecon-RS), as empresas do setor estão com o sinal de alerta ligado. Isso porque a decisão, que vale para todo o território nacional, pode servir de parâmetro para outras ações do gênero envolvendo a mesma discussão.

Na semana passada, estava na agenda do STJ o julgamento de uma ação contra a T4F, única empresa de entretenimento com capital aberto na bolsa paulista que tem entre seus negócios a divisão de operação de bilheteria. O julgamento foi adiado e ainda não tem nova data para acontecer.

Como explica o próprio site da T4F, responsável por eventos como o show de Paul McCartney, que acontece nesta semana, e pela venda das entradas para as etapas do campeonato de Stock Car, essa área é responsável pela administração da venda de ingressos que pode incluir comercialização via internet, pontos de venda e bilheterias, entre outros. “As principais fontes de receitas desta atividade são as taxas de conveniência e entrega, bem como comissões sobradas sobre o preço dos ingressos.”
Por meio de nota, a T4F informou que a cobrança da taxa é comum no setor do entretenimento também fora do Brasil. “É uma opção para o consumidor adquirir seu ingresso com antecedência e sem precisar se deslocar até a bilheteria oficial. Trata-se de uma prestação de serviço legal, facultativa e não representa venda casada, porque o consumidor não é obrigado a comprar mais de um bilhete ou outro serviço da empresa”, argumentou.

Segundo argumento aceito pela Terceira Turma do STJ no caso da Ingresso Rápido, é justamente a cobrança da taxa dos clientes que torna a operação irregular. O colegiado entende que a taxa não deveria ser cobrada dos consumidores apenas pelo fato de os ingressos serem oferecidos para venda no site.
 

Validade nacional 

A prática, justificou, configura venda casada e transferência irregular do “risco da atividade comercial do fornecedor ao consumidor, pois o custo operacional da venda pela internet é ônus do fornecedor”, detalhou a sentença. Segundo magistrados, a sentença está no âmbito de uma ação coletiva de consumo, iniciada em 2013, por isso, sua validade é em todo o território nacional.

A medida tomada pelo STJ, para alguns especialistas, pode ser aplicada a outras empresas de venda on-line, além da própria Ingresso Rápido. Por isso, os concorrentes estão unidos para tentar convencer a opinião pública de que não existe venda casada.


Venda casada 

Para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), no entanto, a aquisição dos ingressos pela internet é uma comodidade oferecida ao consumidor além da compra presencial, que também é oferecida pela Ingresso Rápido. Para garantir a operação desse canal de vendas, a empresa tem de arcar com custos, o que justifica a cobrança da taxa.

Essa guerra de informações e contra-informações sobre as empresas de venda de ingressos chamou a atenção até do Legislativo. Na última sexta-feira, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM/SP) apresentou um Projeto de Lei (1.652/2019) sobre o tema.

No texto, o parlamentar faz uma defesa das empresas do setor e classificou a decisão, conforme o texto do PL, de “intervenção feita pelo STJ que fatalmente prejudicará o consumidor, causando justamente o efeito oposto ao desejado pela Corte Superior”.
Ainda segundo o deputado do DEM paulista, a taxa de conveniência deve ser tratada como uma contrapartida à prestação de serviço de venda on-line de ingressos. Sua proposta é que a cobrança da tarifa seja mantida, mas que os promotores de eventos garantam como alternativa a aquisição presencial do ingresso, sem taxa adicional.

Intervenção estatal 
“Há diversos exemplos em que a intervenção estatal é claramente nociva ao consumidor. Na verdade, em vez de mitigar eventual falha de mercado, acaba por reforçá-la”, classificou Kataguiri em seu PL. Segundo detalhou o parlamentar, se prevalecer a decisão do STJ, os ingressos deverão ficar mais caros.

O deputado federal dá o seguinte exemplo: se antes da proibição o tíquete custava R$ 200, mais uma taxa de R$ 20 para quem comprava pela internet, com a decisão do STJ de deixar essa despesa com o fornecedor todos passariam a custar R$ 220, independentemente do veículo em que comprarem.

Para Kataguiri, a Câmara dos Deputados deve, em suas palavras, “corrigir esse problema”. O raciocínio do parlamentar é muito parecido com o que vem sendo defendido pela Associação Brasileira de Empresas de Venda de Ingressos (Abrevin), presidida por Mauricio Aires, que também é sócio da Livepass Ingressos.

“As empresas oferecem uma série de canais de vendas, como site, aplicativo, pontos de vendas, que são subsidiados pela taxa. Caso o modelo de negócio seja revisado, os custos serão diluídos entre quem compra pela internet e quem vai até o espaço físico. A taxa estará incorporada ao preço do ingresso. Se incorporar o valor da taxa ao ingresso, poderá ter um impacto no preço”, adverte Aires. Para o representante do setor, o atual modelo é mais transparente na medida em que a cobrança da taxa é feita apenas de quem opta pela comodidade de adquirir o tíquete pela internet.


Esperança de reversão 

Apesar do baque que o setor tomou com a decisão recente do STJ, Aires acredita que será possível reverter a situação. Segundo o presidente da Abrevin, o assunto tem sido monitorado diariamente. Ele lembra que essa não é a primeira vez que se discute a legalidade da cobrança da taxa. Isso já aconteceu com o Ministério Público de São Paulo, por meio de ação coletiva, e no Rio de Janeiro, que ganhou uma lei específica sobre o tema. A lei do Rio de Janeiro, segundo o presidente da Abrevin, vai contra a ideia da venda casada, por isso, ela a considera positiva. “Isso só acontece quando se condiciona a venda de um produto a outro, mas no caso dos ingressos fica claro que a compra pelo site é opcional”, pondera.

A decisão do STJ ainda cabe recurso, mas existe também a possibilidade de outras ações confirmarem a derrota das “bilheteiras”, como são chamadas essas empresas que fazem a intermediação entre produtoras de eventos e consumidores. Por ora, Aires diz que não consegue ter uma ideia do que pode acontecer ao setor no caso de a taxa ser definitivamente proibida. “Prefiro imaginar que seja possível reverter essa situação.”


Segundo o representante da associação, há hoje no Brasil aproximadamente 350 empresas que atuam nesse segmento — elas geram cerca de 10 mil empregos diretos e 20 mil indiretos e movimentam em torno R$ 10 bilhões por ano em ingressos, entre teatro, esporte, shows e eventos em geral.

“A abrangência dessa atividade é muito grande, por isso, temo pelo impacto. Essas empresas vendem pela internet, o que permite que elas atuem em todo o Brasil, não apenas nos grandes centros”, opina Aires.

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