Economia

José Roberto Tadros, da CNC: 'No Sistema S, não existe caixa-preta'

Dirigente diz que corte de recursos das confederações geridas por entidades patronais vai prejudicar trabalhadores. Para ele, burocracia e excesso de regras sufocam as empresas

Hamilton Ferrari
postado em 31/03/2019 06:05
Presidente da CNC, José Roberto Tadros
Contrário ao discurso da equipe econômica de que é preciso abrir a caixa-preta do Sistema S, o presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), José Roberto Tadros, defende o modelo de capacitação, que afirma ser fundamental para os trabalhadores e a economia, formando mais de dois milhões de profissionais por ano.

O Sistema S ; conjunto de entidades mantidas pelas confederações patronais, como Sesc e Senac ; recebe recursos públicos arrecadados da população na forma de contribuições. Funciona como uma rede de ensino para melhorar a produtividade da mão de obra brasileira. O governo ainda não definiu o tamanho do corte que pretende fazer nos recursos destinados ao sistema, mas estima-se uma redução de 30% a 50% nos repasses. Segundo Tadros, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está mal-informado sobre o assunto.

O presidente da CNC avalia que é cedo para medir as ações do governo Bolsonaro pelo que se viu nos três primeiros meses, mas afirma que, se forem cumpridas as propostas eleitorais, o país terá condições de retomar o caminho do crescimento.

O que temos de concreto na área econômica nos primeiros meses do governo Jair Bolsonaro?
Tem que dar um certo prazo para o governo, como sempre foi dado: 100 dias. Torcemos para que tudo dê certo, porque as propostas que o presidente apresentou vão em direção à modernidade: capitalismo, com liberalismo, economia de mercado eficiente e redução das regulamentações. No Brasil se abomina o lucro, mas ele é a mola propulsora do desenvolvimento. Na esteira disso, vêm o emprego, a renda e os tributos.

Nesse primeiro trimestre, nós tivemos resultados econômicos frustrantes.
Enquanto você não tiver a demonstração clara de que o país está andando dentro daquelas premissas da campanha eleitoral e os resultados não começarem a aparecer, ficamos na expectativa. O investidor quer segurança para suas aplicações, além de clima favorável para empreender.

Hoje, quais são os principais entraves para a atividade econômica?
A empresa não dá lucro e não consegue remunerar bem os trabalhadores. O empregado é um consumidor. Se é mal pago, não consome. Por que o empresário paga mal? Porque o governo captura o lucro das empresas e estabelece um sistema de paternalismo para tomar conta do dinheiro do trabalhador. Precisamos criar um país moderno, onde as leis sejam estáveis. Anoitecemos na legalidade e amanhecemos na ilegalidade porque já saíram novas regras e normas.

Qual sua avaliação da equipe de governo, em especial, a econômica?
Nós temos belas figuras, como o vice-presidente, general Hamilton Mourão. É um homem competente. Nós temos o ministro da Justiça (Sérgio Moro), que já provou o patriotismo dele. Ainda não houve tempo para avaliar a equipe econômica. Eu não posso nem criticar, nem elogiar, porque ainda não apareceram os resultados e não foram tomadas as decisões devidas.

O texto da reforma da Previdência é positivo?
A reforma é inadiável. O mundo todo já fez, por causa do crescimento da expectativa de vida. Antes, a expectativa de vida era de 60, 55 anos. Hoje, no Brasil, já está em 75, 77 anos. Não é possível ter uma força de trabalho de um para três e ter que pagar a Previdência. Matemática é ciência fria. A equação não fecha. Esse deficit está levando à pobreza do povo, do país, e precisamos reverter esse processo. O Brasil perdeu a capacidade de investimento. A dívida pública equivale a 80% do Produto Interno Bruto (PIB).

A reforma basta ou serão necessárias medidas adicionais?
A reforma da Previdência vai dar uma grande alavancagem, mas o acerto do país não passa só por isso. Ela servirá para resolver o caixa do governo. O desenvolvimento da economia só vai acontecer quando se reduzirem leis, amarras e burocracias sufocantes. Há um clima, no Brasil, de desconfiança, de que todo mundo é ladrão.

Hoje, qual é a real situação financeira das empresas?
Todas elas anêmicas, com raríssimas exceções. Não se veem novas plantas industriais, investimentos e ampliação de rede de lojas e criação de fábricas. O país está parado. Pelas estatísticas da CNC, mais de 120 mil empresas fecharam no Brasil. Os entraves são grandes.

A reforma trabalhista que foi aprovada em 2017 mudou algo?
Melhorou o ambiente. Quando o empresário abria um empreendimento, não eram 500 empregos, mas, sim, 500 problemas. Tinha que pagar, no mínimo, 10% para o advogado, que pedia indenização de R$ 1 milhão, por exemplo. No Brasil, o lucro das empresas multinacionais representa 1% do mundo. Ao mesmo tempo, aqui estão 95% das demandas trabalhistas no mundo. Qual a atratividade de investir num país assim?

Como tem visto as declarações do ministro de limitar o Sistema S?
O Sistema S é privado. O ministro não está bem informado de como funciona. Ele está previsto na Constituição. Mudanças só podem ocorrer por emenda constitucional. O Sistema S é altamente eficiente e fiscalizado por conselhos regionais e o nacional. O Conselho Nacional tem sete membros, dos quais quatro são indicados pelo governo. Há auditorias permanentes da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Acho que não há, no mundo, um organismo tão fiscalizado. Deve ter desvios, porque o ser humano não é perfeito. Mas o governo também não tem?

Vocês têm conversado com Paulo Guedes sobre o assunto?
Ele nunca nos procurou. Não existe caixa-preta. Quando se diz que se arrecadam R$ 18 bilhões, é do empresariado, não do governo. O Sistema S é privado. Ele é voltado para o trabalhador. Se tirar 30%, vai tirar 30% de empregos, escolas, restaurantes, assistência médica, esporte, lazer, cultura. O Sistema tem, na área de instrução, a recreação infantil, a pré-escola, a alfabetização, o ensino fundamental e médio no Sesc. Na sequência, no Senac, têm cursos profissionalizantes e faculdade tecnológica. Da infância ao diploma que dá acesso ao mercado de trabalho. Nós expedimos, anualmente, perto de dois milhões de certificações.

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