Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 02/04/2019 06:00
Dados da Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos (NTU) divulgados no ano passado mostram que o número de passageiros transportados por ônibus em um dia, entre 1996 e 2017, encolheu 42%. Por outro lado, o Brasil viveu, nas últimas décadas, uma fase de grande estímulo à indústria de carros, com financiamentos a perder de vista.
Esses fatos mostram como o Brasil decidiu privilegiar o transporte individual em detrimento do coletivo. Como consequência, o que se vê é um aumento no consumo de combustíveis, na emissão de gases poluentes e de casos de problemas respiratórios, além de mais tempo gasto no deslocamento nas cidades.
Não se trata de uma situação registrada apenas no Brasil ou em metrópoles. O problema de excesso de carros com motor a combustão tem sido motivo de preocupação e fonte de estudo por parte de consultorias, empresas e universidades. A Deloitte acaba de divulgar um estudo sobre o futuro da mobilidade. Um dos coordenadores, Simon Dixon, explicou aos Diários Associados qual é o diagnóstico e como melhorar a vida da população nas cidades.
Inovações pelo mundo
;Em nossa pesquisa, descobrimos que as principais inovações nessa área incluem estacionamento inteligente e emissão de bilhetes, pagamentos integrados, sistemas de trânsito inteligentes e infraestrutura de veículos elétricos. Há toda uma série de aplicações tecnológicas que pode ajudar as cidades a melhorarem o deslocamento das pessoas e torná-lo mais eficiente, otimizando o planejamento de rotas e até mesmo projetando sistemas de transporte;, diz Dixon.
Para o sócio da Deloitte no Reino Unido, a integração do planejamento de rotas e preços entre diferentes cidades, ou entre cidades e subúrbios, superando questões administrativas ou jurisdicionais, deve ser o ponto de partida para um rearranjo nessa área, antes mesmo dos investimentos em tecnologia. É o que Dixon chama de ;construir uma base forte;.
;Mas para convencer as pessoas a trocarem seus carros pelo transporte público é preciso que haja uma mudança cultural;, destaca o executivo. ;O papel da cultura também é muito mais importante para o desenvolvimento de um sistema de transporte do que normalmente supomos. Vimos cidades em todo o mundo sendo impactadas pela questão das atitudes sociais em relação ao transporte público, como o ;estigma do ônibus; e a importância da ;cultura automotiva;. Ou seja, o público tem a percepção de que pegar um ônibus ou trem é uma opção de segunda classe;.
Investimento
Para mudar essa forma de a população encarar o transporte público, o executivo da Deloitte defende que o poder público abrace pronunciamentos e mensagens fortes na sua defesa. Além disso, lembra, é preciso investir em transporte público, tanto na sua qualidade quanto na cobertura, para que passe a ser considerado uma alternativa confortável, conveniente e econômica de se locomover.
Apesar de parecer ser uma missão apenas do setor público, Dixon acredita que há oportunidades para as empresas de diferentes tamanhos e que atendem a diferentes segmentos com serviços inovadores. O executivo lembra que atualmente já há uma grande quantidade de startups que atuam, por exemplo, com a oferta de scooters elétricos. Também há quem se dedique a oferecer planejadores on-line de rotas que ajudam a otimizar cada viagem. Muitas empresas grandes têm optado por novos modelos de negócios, como assinaturas em vez de vendas.
;Parece haver um aplicativo para tudo nos dias de hoje. As cidades estão experimentando diferentes mecanismos de determinação de preços, para regular o fluxo, por exemplo, e isso é possível graças a melhorias tecnológicas;, comenta o executivo da Deloitte. Ainda segundo Dixon, hoje é possível ver não apenas empresas, mas muitos dos serviços públicos de aluguel de bicicletas e scooters que estão surgindo em cidades de todo o mundo.
Competitividade
;Em um ambiente competitivo, ou onde o usuário não está familiarizado com o produto, pode haver muita competitividade nos preços para levar o cliente ao serviço. Um dos melhores caminhos para o lucro é juntar-se para formar uma solução maior e mais integrada. Agora, as empresas que podem orquestrar isso terão uma vantagem maior em termos de lucratividade do que aquelas que fornecem apenas um serviço, mas esse é um espaço amplo;, analisa o autor do estudo.
Dixon admite ter ficado surpreso ao constatar que o congestionamento nas ruas é um problema em todos os lugares, mesmo onde há uma proporção muito baixa de uso de carro particular, como em Hong Kong. Depois de analisar os dados, o executivo viu que os problemas de trânsito têm a ver não apenas com o volume de veículos, mas com a forma como as cidades foram construídas ; muitas delas antes de começarem a surgir esse meio de transporte ; e pela infraestrutura insuficiente para regular o fluxo de tráfego.
Alternativa
A saída para minimizar o problema de congestionamento, alerta, não é simplesmente construir mais estradas. Em muitos casos, a melhor alternativa é investir em novos tipos de transporte urbano ; como o transporte rápido de ônibus (BRT) ; ou programas de compartilhamento de bicicletas e scooters que possam ajudar a transportar mais pessoas.
A integração de sistemas pode exigir que se olhe para o transporte como um todo, afirma Dixon. ;Aqui no Reino Unido, o Ministério dos Transportes é organizado em setores com base no modal ; rodoviário, ferroviário, aéreo. Isso não ajuda os vários modais a funcionar como um todo integrado. Então, isso pode ser uma maneira de começar. Mover-se de um modelo ;hub-and-spoke; (diferentes caminhos que se conectam a centrais) para um modelo mais de rede, como Helsinque fez com seu tubo e ônibus, é outra maneira de iniciar uma mudança incremental.