Economia

"Preocupação com ações sustentáveis é viável", diz Marina Grossi

Para empresária, alguns setores da economia ainda olham para o retrovisor na hora de avaliar riscos

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 08/04/2019 06:00
Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)


São Paulo ; Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), participou na última semana, em Montreux (Suíça), do Liaison Delegate Meeting, que reuniu cerca de 70 conselhos nacionais, responsáveis por representar por volta de 5 mil empresas. O encontro serviu para discutir a revisão da publicação Vision 2050, elaborada pelo World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), que contou com uma adaptação brasileira. Participaram das discussões para alinhar as estratégias prioritárias de sustentabilidade do setor privado os conselhos empresariais de 25 países. O ponto de partida são alternativas para garantir atividades econômicas mais sustentáveis no planeta até 2050. As propostas do documento Visão 2050 são divididas em seis pilares: Alimento e Florestas; Consumo Consciente; Tecnologia e Inovação; Desigualdade Social e Cidades Inteligentes e Finanças Sustentáveis. Para Marina, o país tem conseguido avançar na forma como as empresas têm lidado com a sustentabilidade.
O CEBDS é composto por grandes companhias nacionais e por estrangeiras com negócios no país. Elaborada ao longo de 15 meses e com a participação de cerca de 70 empresas, a versão brasileira foi publicada pela primeira vez em 2012, durante a Rio%2b20. Passados sete anos, o grupo decidiu que era hora de rever alguns pontos e fazer atualização das propostas. No Brasil, isso vai ocorrer por meio de workshops com os principais grupos econômicos em atividade no país e setores representativos da sociedade civil. Em Montreux, foram apontados como pontos prioritários para a atividade sustentável das empresas a economia circular, as ações de combate a mudanças do clima nas cidades, as novas soluções energéticas, os negócios e os direitos humanos, a eficiência hídrica e a inteligência agroclimática (IAC). Para Marina, esse tipo de revisão de ações é necessário para adequá-las às evoluções que surgem com o tempo. É o caso do papel das startups na economia. A seguir, trechos da entrevista com a presidente do CEBDS.

Como as empresas podem sair da teoria para a prática quando falamos de sustentabilidade?

Todos os projetos que desenvolvemos ficam disponíveis no site do CEBDS. Temos informações sobre como precificar o carbono da empresa, como transformar a preocupação com eficiência energética em ações práticas. Temos também uma cartilha para uma horta urbana orgânica, algo que serve não só para as empresas, mas para o cidadão que quer se mover na direção de práticas sustentáveis. Nenhuma empresa pode falar que não dá para fazer algo pela sustentabilidade. Nesse contexto, nosso papel é mais no sentido de olhar as diferentes metodologias para ver o que está funcionando melhor e o que podemos empurrar para funcionar mais, criando padrões. Tenta ir para a prática sempre que pode, procura construir para que isso seja feito.


Até que ponto a crise no país dificulta um maior comprometimento com a sustentabilidade social e ambiental nas empresas?

Esse tema é um elemento de competitividade para as empresas e para o país, por isso não é afetado pela situação econômica. É um caminho sem volta. Nosso país tem muito mais vantagem do que os outros quando se fala em sustentabilidade. Temos, por exemplo, a matriz energética mais limpa, que ainda conta o crescimento da geração de energia eólica e solar. Hoje, o portfólio das empresas cresce muito mais com um viés ambiental do que víamos tradicionalmente entre aquelas que nasceram sem essa preocupação. A própria inovação tem levado muito em consideração a questão ambiental.


Como o tema da sustentabilidade tem sido levado para as startups e para as PMEs de uma forma geral? Elas podem ter um papel mais relevante nessa mudança de atitude na iniciativa privada?

Já abrimos o CEBDS para startups convidadas que queiram participar. Isso mostra como temos olhado para as jovens empresas de tecnologia. Sem dúvida, elas são capazes de trazer a inovação com muita rapidez, mas pela característica do negócio não têm acesso a escala, que é uma das características das empresas que temos como sócias. Nas nossas ações de sustentabilidade, queremos ser rápidos e ter escala, por isso, essa aproximação é tão positiva.

Até que ponto as empresas de menor porte devem participar dessa mudança para atitudes mais sustentáveis?

Quando decidimos aderir ao Acordo de Paris, que determina que as nações signatárias sejam obrigadas a adotar medidas que limitem o aquecimento médio do planeta a 1,5 grau centrígrado até 2100, atendendo assim à determinação do Painel de Mudança do Clima da ONU que estabeleceu como limite um aumento máximo de 2 graus centígrados na temperatura da Terra, é preciso levar em consideração que isso só é possível com a participação de todos.

Por quê?

Para chegarmos a essa meta, é preciso envolver toda a cadeia produtiva, com pequenas e médias empresas, com a cadeia de fornecedores e também com os consumidores. A visão tem de ser sistêmica, integrada. Do contrário, não será possível chegar a esse limite de aquecimento global, e as consequências para nós e para o planeta serão muito sérias.


Problemas como os que temos visto nas barragens de rejeitos de mineração no Brasil mostram de alguma forma que há falhas setoriais quanto à maneira como o tema sustentabilidade é tratado?

A Vale, que é uma associada nossa, recebeu um questionário para sabermos quais providências vêm sendo tomadas. O setor de mineração, comparado com outros de grande risco, como aviação e óleo e gás, está atrasado. O de óleo e gás até um tempo atrás também enfrentava dificuldades por conta dos grandes acidentes causados. A mineração tem de avançar, porque não dá para olhar pelo retrovisor quando pensamos nas atividades produtivas. Isso, em parte, tem a ver com os efeitos das mudanças climáticas, que alteram os padrões das chuvas, como intensidade e frequência.

O que quer dizer não olhar só pelo retrovisor?

Se olhar apenas para trás, os cuidados adotados pelas empresas muitas vezes deixaram de levar em consideração essas alterações climáticas, por isso, será praticamente impossível estar preparado para enfrentar situações novas. É preciso computar essas incertezas tanto no planejamento de um negócio quanto no seu risco. Esse tipo de risco vale para outros tantos negócios, não só para a mineração. Afeta, por exemplo, setores como os da agricultura e de óleo e gás.

Esse é um papel apenas das empresas ou também deve ter a presença estatal, nas suas diferentes esferas?

Quando se fala do governo, estamos falando de um ambiente regulatório adequado. Temos um Código Florestal que demorou mais de uma década para chegar a um consenso. Esse marco que foi construído. Numa democracia, cada um tem o seu papel. No nível global, tem a ONU. No ano passado, o Cebds entregou 10 propostas aos candidatos para um mandato presidencial. Agora, já fomos aos ministérios da Economia e do Meio Ambiente. Temos conversado com todo mundo para mostrar que a preocupação com ações sustentáveis é viável e traz competitividade para os negócios e para o país.

A mobilidade é uma dessas áreas em que o Estado tem o seu papel?

Sim, as mudanças que temos visto mais recentemente, com o compartilhamento de carros, bicicletas e patinetes, são exemplos de inovações em mobilidade que surgiram antes da regulamentação, mas são alternativas importantes numa nova sociedade. Tudo isso surgiu sem estarmos preparados e sem que houvesse planejamento. Quando isso ocorre, é preciso planejar e organizar para serem opções mais competitivas e mais inclusivas.



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