Economia

Economista aponta erros e acertos do governo para crescimento econômico

Entrevista com José Claudio Securato, o presidente da Saint Paul Escola de Negócios

Nelson Cilo
postado em 29/04/2019 06:00
Entrevista com José Claudio Securato, o presidente da Saint Paul Escola de Negócios
São Paulo ; O economista José Claudio Securato comandou durante mais de 15 anos as áreas de fusões e aquisições dos bancos Deutsche Bank e do BNP Paribas. Doutor em administração pela FEA/USP, hoje em dia ele se dedica ao centro de formação que fundou, a Saint Paul Escola de Negócios, com mais de 300 professores e eleita cinco vezes uma das melhores escolas para executivos do mundo pelo jornal britânico Financial Times. Em entrevista aos Diários Associados, Securato analisa o ambiente de negócios, os erros e acertos dos primeiros meses do novo governo e aponta saídas para o crescimento econômico.

Como o senhor avalia o momento da economia e o ambiente de negócios no Brasil?
Desde a eleição, o clima de negócios melhorou muito. A confiança é a forma mais barata de estímulo econômico. A saída da discussão política destravou os negócios. Muitos projetos que estavam represados começaram a voltar. Com o início da agenda de discussão da reforma da Previdência, já contabilizando um pouco de março e abril, o ritmo continua positivo, mas sempre com cautela.

Essa percepção de que as coisas estão melhorando na economia brasileira ainda não se refletiu nos indicadores, especialmente no mercado de trabalho.
O mercado de trabalho não melhorou e não vai melhorar ao longo de 2019. A explicação para isso se deve à maneira como cada variável do cenário macroeconômico se comporta. Quando a gente compara cada uma delas, em velocidades diferentes, a variável emprego é a última a se movimentar no cenário econômico, seja num cenário positivo seja negativo.

Por que isso acontece?
Isso acontece porque, fundamentalmente, o PIB é gerado por poucos e o emprego é gerado por muitos. Ou seja, você tem um processo de geração de renda e de riqueza concentrado nas mãos de um percentual muito pequeno da economia. As mil maiores empresas têm, aproximadamente, 50% do PIB do Brasil, o que é muito concentrado. Cerca de 70 mil brasileiros detêm 25% da renda do país. Essas pessoas, geralmente, são as que têm mais informações, o que resulta em maior capacidade de compreender o cenário para poder tomar decisões. Então, são essas pessoas, essas empresas que definem se elas vão investir ou se vão abrir novas lojas, construir novos prédios, construir fábricas, contratar um turno novo.

Qual é a relação disso com o emprego?
O emprego opera de forma contrária. Apesar de você ter uma grande empresa gerando riqueza, ela é pouco geradora de emprego, se você olha em termos agregados de economia total. Por exemplo, fala-se que cada grande rede varejista tem mais 100 mil funcionários. É muita gente. Mas, no Brasil, com população economicamente ativa superior a 100 milhões, é pouca gente. Então, cerca de 65% do emprego é ofertado pelas pequenas e médias empresas. Essas companhias empregam poucos funcionários, de três a 10 pessoas, mas são o grande motor de empregabilidade no Brasil.

O senhor acredita que em 2019 haverá crescimento do PIB suficiente para que o emprego volte em 2020?
Vamos ter uma melhora pequena. É preciso encomendar o PIB. O que significa isso? Se a gente observar os formadores de riqueza de qualquer país, tratam-se basicamente de consumo das famílias, investimentos, emprego, gasto do governo e o nosso saldo comercial. Ou seja, no fundo são decisões de locação de dinheiro, ou seja, alguém está botando dinheiro na economia, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, seja governo. Essas decisões, precisam ser encomendadas.

O crescimento do PIB está sendo encomendado, considerando um governo com rombo fiscal e as empresas com o pé no freio?
Não está acontecendo. Ainda não deu tempo, dadas as turbulências que estamos passando. Existe um condicionamento muito grande para o sucesso do Brasil à reforma da Previdência.

Não há uma relação direta entre recuperação da economia e a reforma?
A relação existe, mas não é tudo ou nada, como se tem colocado. A gente pode ter uma reforma da Previdência parcial, com alguma economia robusta de recursos. Então, precisa acontecer essa encomenda do PIB para 2019. A gente poderia terminar o ano mais quente para gerar esse crescimento em 2020. Essa possibilidade ainda existe, mas em 2019 teremos um PIB mais próximo de 1% a 1,5%. É um PIB pequeno. O mais importante é o Brasil começar o segundo semestre e terminar o ano mais aquecido, com mais perspectivas. Aí, sim, o crescimento do PIB estará encomendado para 2020.

Houve um arrefecimento dos ânimos no início do ano?
Houve alguma frustração com o início de governo. Mas temos de dar tempo para as coisas acontecerem. As mudanças na economia precisam de tempo. Por duas razões: primeiro, porque as medidas econômicas precisam ser aprovadas pelo Poder Legislativo. Por isso, é natural que exista reestruturação de forças. A segunda razão é a gente entender que existem duas raízes econômicas, uma agenda defensiva e uma agenda construtiva. A agenda defensiva é o que a gente vai fazer para o Brasil não quebrar. Ou seja, as reformas fiscal e da Previdência. Como vamos sair de um deficit primário? Como vamos conseguir ir para a geração de superavit primário, o que gradativamente vai melhorar o nosso deficit nominal e nossa relação dívida/PIB? Essa conta é amarga. A reforma da Previdência deveria ter sido feita há 30 anos. Não tem como o governo ter um olhar social e fazer a conta fechar. É impossível. A agenda defensiva gera muito estresse.

E a agenda construtiva?
Uma vez que o Estado estiver livre de uma situação de solvência, a agenda construtiva é pensar em investimento, em potencializar o agronegócio, em infraestrutura, em aumento de produtividade, em abertura econômica, em privatizações. Ter, de verdade, uma agenda liberal.

O que há de positivo no início de governo?
Podemos destacar dois grandes acertos. O primeiro, a formação do time, das pessoas que estão compondo o governo no âmbito econômico. É um time de primeiro escalão. Estou falando do Banco Central, das secretarias e ministérios, autarquias e estatais como o Banco do Brasil. O item dois é a autonomia liberal que o governo Bolsonaro tem dado para o Ministério da Economia. Independentemente de como se posiciona o governo, se é centro, esquerda ou direita, ser liberal é outra coisa. O Brasil está entrando em um pêndulo em termos políticos. Primeiro, para a esquerda. Agora, para a direita. Uma agenda liberal é essencial para o país, principalmente na questão de abertura da economia.

Quais são os entraves que impedem o avanço de uma agenda verdadeiramente liberal no país?
O país não vai se tornar liberal do dia para a noite. É muito mais complexo. Talvez em quatro ou oito anos de governo, poderemos ter um país verdadeiramente liberal. O Brasil não é liberal, não tem uma história liberal, não tem pensamento liberal comparado a outros países. É interessante lembrar que Fernando Henrique Cardoso sempre foi criticado por ser liberal. E agora Bolsonaro vence a eleição por se apresentar como liberal.

O senhor acha que intervenções do governo como a que ocorreu na Petrobras vão continuar?
Indo para uma agenda mais liberal, não sei se o Brasil precisa da Petrobras. Quais são os benefícios que ela trouxe para o Brasil nos últimos 10 ou 20 anos? Talvez seja uma boa hora de debater essa questão. O governo pode ter um controle estratégico sobre o tema, não sobre a empresa. Um exemplo é a Embraer, que se tornou capital pulverizado em 1991, mas o Brasil manteve o golden share. Mesmo privatizada, a Embraer ouvia o governo na parte de aviação militar, e para operações de transformações societárias. Assim como a Embraer, é possível você ter um controle estratégico do tema, em benefício dos brasileiros, sem necessariamente operar na gestão.

Quais foram os grandes tropeços do governo Bolsonaro até agora?
Sem dúvida, o grande erro é a comunicação. Curiosamente, hoje o que causa mais problemas para ele como presidente é o mesmo que o levou a vencer a eleição. Um dos grandes elementos da pós-modernidade é a genuinidade. É ser genuíno. Bolsonaro capturou bem isso. É muito interessante fazer comparação: Geraldo Alckmin está no mundo moderno e o Bolsonaro, no pós-moderno. Não estou concordando nem discordando com o que cada um fala ou faz. Estou fazendo uma análise no sentido de que a pessoa moderna é aquela que tem um valor puritano, aquela que controla os seus desejos. Num certo sentido, essa pessoa não é genuína. Eu acho que o Alckmin é o extrato disso. Ele é bem previsível, controlado, ponderado, tem características muito marcantes nesse sentido.

E Bolsonaro?
Bolsonaro entendeu que a genuinidade é uma força muito grande da pós-modernidade, uma força tão grande que as pessoas até perdoam excesso dessa genuinidade. Eu acho que, conscientemente ou não, o Bolsonaro mostra isso nas ações dele. Os eleitores perceberam isso. Não acho que existe uma estratégia mirabolante por trás disso, acho que é genuinidade mesmo.

Isso é bom ou ruim?
Quem vai dizer se isso é um erro ou acerto são os eleitores. No final das contas, o grande combustível do Executivo e do Legislativo é o voto. Percebo que Bolsonaro tinha um poder muito forte no início do mandato, mas a euforia acabou.

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