Economia

Diretor de gestão corporativa da Apex fala com exclusividade ao Correio

Márcio Coimbra entregou a carta de demissão no último dia 24 ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Confira a entrevista

Rodolfo Costa
postado em 04/05/2019 07:00
Márcio CoimbraO diretor de Gestão Corporativa da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Márcio Coimbra, é a mais recente baixa do governo. Diante de um clima acirrado de disputa interna, o mestre em ação política entregou a carta de demissão ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, no último dia 24.

Diferentemente do chanceler, indicado diretamente pelo escritor Olavo de Carvalho, Coimbra, que cumpre os últimos comromissos como diretor da empresa ligada ao Itamaraty, nega que tenha ligação com o ;guru; filosófico do governo de Jair Bolsonaro. "Acredito que (o ministro Araújo me convidou para a Apex) considerando minha capacidade de articulação internacional", diz ; foi ele quem acompanhou o deputado federal Eduardo Bolsonaro durante viagem aos Estados Unidos em novembro passado.

Coimbra trabalhou com presidentes europeus e no mundo político nos Estados Unidos. Pós-Graduado na Espanha, estudou em Harvard e trabalhou no Instituto do Prêmio Nobel de Economia Friedrich Hayek em Viena, na Áustria. Até pouco tempo, fazia parte da equipe do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), posto que deixou para integrar o governo Bolsonaro. De Washington, onde realiza agenda pela Apex, falou com exclusividade ao Correio.


O senhor está de saída da Apex, já tendo assinado a carta de demissão. Então, primeiro de tudo, por que essa decisão?

Senti que não poderia servir mais da maneira que gostaria no governo em função do clima de disputa que se instalou na agência. Com o ambiente que se criou, decidi que era o momento de partir. Meu estilo é conciliador, não gosto de investir e promover conflitos, também não me posicionei deste ou daquele lado. Tampouco estava no cargo atendendo a compromissos de qualquer grupo político ou ideológico como foi noticiado. Pelo contrário, meu compromisso sempre foi com o Brasil e os ajustes que acredito necessários para ajudar nosso país voltar a crescer. Deixei o Senado para ingressar no governo porque creio que realmente poderia fazer diferença, de forma técnica e objetiva. Acredito que chegou o momento de uma renovação no quadro dirigente da Apex e preferi deixar o caminho livre para que estes ajustes sejam conduzidos.


A situação da Apex não melhorou mesmo depois da saída do ex-presidente Mário Vilalva? Como está o clima hoje?

Acredito que isto é um processo. A melhora vem aos poucos, a cada dia. Neste momento existe a expectativa em relação a quem será o novo Presidente e também o novo diretor de Gestão Corporativa, que irá me suceder depois de meu pedido de demissão ao Ministério das Relações Exteriores na última semana. Este direcionamento é importante para que as áreas sigam seu trabalho. Apesar na natureza colegiada da agência, sem subordinação entre seus atores, que deriva do modelo jurídico norte-americano onde as decisões em diversas frentes ocorrem por maioria entre os três diretores, as gerências de cada diretoria precisam de orientação sobre qual caminho seguir em seu cotidiano. No caso da Diretoria de Gestão Corporativa, deixei o planejamento pronto e temos as áreas funcionando normalmente. Ali conseguimos alcançar todos as nossas metas de 100 dias e o clima é tranquilo. A agência tem quadros técnicos de excelência e muito bem preparados, que sabem responder a uma gestão competente.


Quais foram estas metas?

Nos 30 primeiros dias criei a Gerência de Governança e Compliance. O objetivo é que no futuro a Apex possua instrumentos de controle que garantam exigências legais e normativas internas. Isto certamente evitará crises futuras com as que vivenciamos. Além disso afastei todos os funcionários considerados irregulares em tempo recorde, cumprindo integralmente a orientação do Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério Público do Trabalho (MPT). Somente esta medida gerou uma economia imediata de 4,5 milhões de reais por ano. Outro impacto de gestão veio com a decisão de cancelar o uso excessivo de celulares corporativos que geravam gastos incompatíveis com nosso modelo de governança. Uma economia de 60% nos custos. Ao decidir pelo fechamento das operações em Cuba e Angola, geramos uma economia de 2,5 milhões de reais por ano. Iniciamos a implementação do sistema eletrônico do fluxo de processos da Agência. Isto significa, de forma justa e perfeita, agilidade no atendimento, economia, eficiência, controle e segurança. Por fim, reestruturei a área de Relações Institucionais e Governamentais adequando a Apex aos mais modernos padrões de ética e governança. Isto sem falar na ampliação de nossa presença no exterior. Para 100 dias, acredito que deixamos um legado muito positivo de minha gestão.


Em quatro meses completos de governo Bolsonaro, dois presidentes geriram a Agência. Aonde está situado todo o problema, afinal de contas? Está apenas nos indicados ou quem indica também é responsável pela crise?

Precisamos entender que todo começo de governo é um processo de ajustes. Essas coisas acontecem na política. Em governos anteriores também foram feitos ajustes ao longo da caminhada. Acredito que este é um movimento natural quando temos a chegada de um governo que promove mudanças de cunho tão profundo. Não acredito que possamos simplificar o problema, afinal existem muitos vetores para além de quem é indicado ou quem indica para o cargo. Acredito que a tendência será de pacificação, algo essencial para que a agência entregue resultados tangíveis em suas áreas fins, que são exportação, atração de investimentos e internacionalização.


Como era sua relação com o Vilalva e a diretora de Negócios, LetíciaCatelani?

Sempre tive uma relação amistosa com ambos. Venho do Congresso Nacional. Acredito na conciliação, diálogo e concertação. Alguns precisam ter em mente que a campanha acabou. O que precisamos é mostrar resultado ao povo brasileiro. Diante desta minha postura mais independente, talvez tenha sido mal interpretado e taxado como aliado de um ou outro em alguns momentos. Mas acho que faltou o entendimento das partes em conflito de que não havia alinhamento automático de minha parte com ninguém lá dentro. Pelo contrário, em diversas vezes me alinhei ao Embaixador Vilalva em suas ações na agência, em outras com a diretora Catelani, sempre seguindo estritamente regras republicanas. A função da Diretoria de Gestão Corporativa da Apex é muito técnica. Somos a área meio da agência. Ali está apenas 3% do orçamento da Apex. Nosso cotidiano é lidar com questões de RH, TI, infraestrutura, boas práticas, sem qualquer ingerência nas áreas fins, onde se concentram os reais recursos e disputas da agência, que se dividem entre a Diretoria de Negócios, com 81% e a Presidência, onde estão alocados comunicação e marketing, com 16%. Cumpri sempre minhas funções de maneira a facilitar o trabalho da Presidência e da outra Diretoria, visando o interesse maior da agência e do país.


O que o senhor pode dizer sobre as denúncias de assédio coletivo supostamente cometidas por Vilalva e o ex-chefe de gabinete, general Roberto Escoto?

Não devem prosperar porque nasceram de um momento tenso que já passou. O que precisamos neste momento é de calma, entender a situação pela qual a agência está passando e focar em sua pacificação. Uma postura beligerante não combina com a importância de uma agência do porte da Apex. Durante estes meses estive em contato direto com o exportador brasileiro em algumas feiras e pude perceber que a importância da agência para nossa economia é muito maior do que se imagina. O pequeno e médio exportador precisam muito do impulso da Apex. O general Escoto é um profissional reconhecido, um homem correto e honrado que serviu em missões difíceis como no Haiti e na pacificação da Favela da Maré no Rio de Janeiro. O Embaixador Vilalva também é um grande profissional. Na minha opinião, acabou por exceder-se em suas declarações nos seus últimos dias, entretanto, devemos saber relevar o que é dito no calor do momento. Ao definir alguém, precisamos olhar para toda sua trajetória. Estou seguro que o embaixador Vilalva tem por mim o mesmo respeito e apreço que tenho por ele.


O seu nome foi veiculado na mídia como sendo um ;olavista;. O senhor foi indicado pelo escritor Olavo de Carvalho? Tem alguma relação com ele?

Na verdade a minha chegada ao governo se deu por outros meios. Por já ter estudado em Harvard e trabalhado na política de Washington por alguns anos, acabei estabelecendo uma boa reputação e com isso bons contatos profissionais, especialmente dentro do Partido Republicano. Assim, abri os caminhos para visita do deputado Eduardo Bolsonaro aos EUA em novembro último, quando nos acompanhou o assessor internacional da Presidência, Felipe Martins. Levei o deputado até a Casa Branca para se encontrar com Jared Kushner e também o apresentei para alguns senadores que conheço, como Ted Cruz, Marco Rubio, Rick Scott, além de deputados como Jim Sensenbrenner, do Comitê de Relações Exteriores. Em Nova York, levei o deputado para um encontro com o ex-prefeito Rudolph Giuliani. Em nosso retorno ao Brasil, conheci o ministro Ernesto Araújo, que me convidou para ingressar na Apex, acredito que considerando minha capacidade de articulação internacional. Minha saída do governo em nada altera minha disposição em colocar estes contatos a serviço do país, assim como já fiz antes da posse. Não podemos achar que um cargo público nos define. Meu compromisso com o país segue inabalável.


O senhor tem alguma relação com a família Bolsonaro? Como é ela?

Conheci o presidente ainda enquanto deputado, no Congresso Nacional, mas jamais tivemos uma relação de maior proximidade. Sempre admirei sua coragem na defesa de sua agenda, que aos poucos moldou a liderança política que venceu as eleições. Dentre todos os candidatos, foi aquele que soube melhor ler o cenário que estava se desenhando. Estamos passando por uma mudança de ciclo na política brasileira, algo que acontece, segundo minha avaliação, a cada três décadas. Bolsonaro incorporou este sentimento de mudança e por isso venceu a disputa presidencial. É um homem honrado que está dando seu melhor pelo país. Com Eduardo Bolsonaro tenho uma relação cordial, pois viajamos juntos aos Estados Unidos antes da posse, como já mencionei.


O senhor deixa a Apex em um momento que mais um militar entra no poder. Agora, na Presidência. Como observa o avanço dos militares sobre a agência?

Não enxergo como um avanço dos militares sobre a agência. Se o movimento for da chegada de um militar na Apex, tenho certeza que será alguém com experiência para conduzir a agência. Nossas Forças Armadas sempre prestaram excelentes serviços ao Brasil e somente irão se envolver se entenderem que podem contribuir de forma positiva. De qualquer forma, o que não falta ao Brasil são nomes capacitados para dirigir a agencia, tanto entre militares, como no Itamaraty, no mundo político ou mesmo no mercado. Tenho certeza que o Ministro Ernesto Araújo irá escolher um bom nome.


É possível associar alguma disputa entre militares e a ala ideológica do governo, ligada a Olavo, na Apex?

Não vejo desta forma. Minha experiência na agência mostra que nunca houve esta disputa. A Apex é uma agência ligada ao Itamaraty. Colocar a Apex, uma agência técnica, diante de uma disputa política, é enfraquecer o poder de um órgão extremamente importante para nossos exportadores e nossa política externa.


E no governo, de uma forma geral? Qual sua leitura sobre a disputa de poder entre a ala ideológica e militares?

O governo precisa ser coeso. Um governo não deve ter alas ou frentes que disputam poder. Precisa ser uma frente única, uníssona, sob a liderança de um nome que inspire a nação. Aprendi a importância disso quando trabalhei com o ex-presidente de Governo da Espanha, José María Aznar. O governo precisa ter somente uma mensagem. Assim, não acredito nesta teoria que fala em disputa. Qualquer disputa interna enfraquece o próprio governo, logo não é um movimento inteligente.


O ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, e o vice-presidente Hamilton Mourão tem mantido uma relação estreita com a China. Que leitura faz sobre essas movimentações?

Acredito que assim como em outra frentes, o General Santos Cruz e o vice-presidente, experientes e inteligentes como são, olham com atenção para os eventuais desdobramentos econômicos das alianças políticas. É um movimento legítimo, uma vez que nossa economia conta com a China como o maior parceiro comercial. Precisamos observar e trilhar um caminho inteligente. Acredito que precisamos diversificar os parceiros comerciais evitando que nos tornemos extremamente dependentes de um deles. Além disso, sempre é preciso observar, diante de qualquer parceiro internacional, o componente político que pode se esconder por trás das proximidades comerciais.


Com a saída da Apex, para onde o senhor vai?

Ainda não tenho nada definido. Embora esteja honrado com os convites que venho recebendo, o que já defini é que vou poder voltar com mais tempo para a sala de aula, o que gosto muito. Como professor e coordenador de um programa de pós-graduação em Relações Governamentais no Mackenzie Brasília poderei voltar a escrever mais e analisar os cenários políticos com maior distanciamento. Voltarei a contribuir com minhas análises para canais internacionais. Além disso poderei finalmente estar mais com minha família e acompanhar mais de perto os jogos do Internacional, minhas duas grandes paixões.


Como o Congresso avaliou sua situação nesse fogo cruzado na Apex?

Recebi contato de muitos deputados e senadores, pessoas que se tornaram meus amigos ao longo de minha trajetória no Congresso Nacional. Muitos pediram para que não saísse, pois poderia ser capaz de proporcionar uma maior interlocução entre o parlamento e a área de promoção de exportações. Possuir alguém no executivo que entenda a dinâmica do legislativo é sempre importante, algo raro de encontrar. Este é um mecanismo que, usado de forma republicana e séria, fortalece a democracia.


Há possibilidade de retomar o trabalho com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre?

Na verdade não existe esta definição. Ainda não conversei com o Presidente do Senado depois de meu pedido de exoneração. Contudo, uma das grandes honras que tive em minha vida foi servir no Senado Federal na equipe do senador Davi Alcolumbre por tantos anos. Ele é uma liderança política extraordinária.


Alcolumbre já chegou à Presidência do Senado. Até onde ele pode avançar na política nacional?

O senador Davi Alcolumbre é um político diferenciado. Já trabalhei com Presidentes europeus, com políticos norte-americanos e também no Brasil. De todos, o senador Alcolumbre, de longe, foi aquele que mais me impressionou. É um político que honra sua palavra e seus compromissos, algo essencial para criar reputação no parlamento. Quando diziam para mim que ele não teria chance contra os grandes cardeais da Casa, sempre alertei que ele iria surpreender e vencer. Não foi diferente do que previ. Davi tem um grande futuro pela frente.


E em 2022? Acha que ele concorrerá de novo a governador pelo Amapá?

Meu desejo pessoal é de que concorra. Sei que sua capacidade de trabalho é capaz de transformar o Amapá. Mas esta será uma decisão dele e tem o seu tempo certo para ocorrer como tudo na política.


Que avaliação o senhor faz da política externa feita pelo governo Bolsonaro?

Antes de qualquer coisa, precisamos entender que o rumo da política externa é dado pelo Presidente da República. Cabe ao Ministro aconselhar e implementar a política externa definida pelo Presidente. Dito isso, os resultados colhidos pelo Ministro Ernesto Araújo são excelentes. Ele está operando com extrema habilidade a política externa do Presidente, conseguindo resultados tangíveis com as nações que o Presidente Bolsonaro procurou se aproximar. A aproximação com os EUA e Israel foram duas operações extremamente complexas executadas com muita habilidade pelo Chanceler. Aqui em Washington, o Presidente inclusive ficou hospedado na Blair House, uma honra concedida pelo governo americano somente para poucos líderes. Isto tudo é resultado de um trabalho árduo de bastidores executado pelo Chanceler e sua equipe no Itamaraty, que como todos sabem, é uma casa reconhecida mundialmente pela excelência de seus quadros.


O chanceler se alinhou muito aos países ocidentais e isso incomodou os parceiros no Oriente. Como a política externa pode melhorar?

A política externa é um jogo de xadrez. É preciso agir com paciência e prudência, avaliando todos os movimentos e sendo estratégico. Possuímos um corpo técnico de altíssima qualidade no Itamaraty, o que facilita muito este trabalho. Assim, acredito que o novo governo já trilhou passos importantes nesta frente e daqui por diante tem a possibilidade de calibrar suas ações de forma estratégica atendendo os interesses do país. O reequilíbrio de forças internacionais fornece enormes oportunidades para o Brasil.


E em relação à Venezuela? Tem alguma solução na sua opinião? Algo que de diferentes que o Brasil possa fazer?

Acredito que o Brasil vem se portando de maneira inteligente, usando a força da política e os canais diplomáticos para pressionar o regime de Maduro. A liderança exercida pelo Brasil no Grupo de Lima e na OEA forneceu autoridade ao nosso país na condução dos caminhos que podem levar a uma solução. Precisamos, na minha opinião, cada vez fechar mais os canais que alimentam o regime e usar os mecanismos multilaterais como forma de pressão constante.

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