Economia

José Pedrozo: "se a reforma não acontecer, será uma decepção"

Em entrevista José Zeferino Pedrozo, líder ruralista, diz que espera ação das forças de segurança caso haja nova greve de caminhoneiros

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 06/05/2019 06:03

São Paulo ; O agronegócio, destaque na pauta brasileira de exportações, foi muito abalado pela greve dos caminhoneiros, que está prestes a completar um ano. Agora, a possibilidade de uma nova paralisação volta a ser cogitada e pode atingir um setor que ainda faz as contas das perdas de 2018. Para José Zeferino Pedrozo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Santa Catarina (Faesc), vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e vice-presidente do Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae ; credenciais que o tornaram uma das vozes mais ativas do setor ;, a reação das autoridades desta vez será diferente. O líder rural acredita que o governo vai mobilizar as forças de segurança para, segundo suas palavras, ;limpar nossas rodovias;. Um dos temores de Pedrozo é quanto ao risco de o governo não conseguir aprovar a reforma da Previdência no Congresso. ;Se a reforma não acontecer, será uma decepção;, diz o executivo. Pedrozo afirma estar na torcida para que as privatizações prometidas pelo governo aconteçam e, assim, apareçam os recursos necessários para investir na combalida infraestrutura brasileira, que vem sofrendo com a falta de aportes nas últimas décadas, apesar do aumento da demanda do setor. Confira a entrevista.

O país tem conhecido revisões sucessivas do PIB para este ano. Com qual previsão o senhor trabalha?

Também estamos sentindo na carne o que está acontecendo no país. Não temos expectativa de ser exceção à regra. Esperávamos que o PIB crescesse até 3% neste ano, mas esse número faz parte do passado. Hoje, não há dados que sinalizem que o crescimento será expressivo.

Havia uma expectativa diferente para este início de governo?

Santa Catarina deu mais de 70% de votos para Jair Bolsonaro. Vimos que o caminho que o país estava seguindo não tinha volta. Sabemos que o presidente Bolsonaro certamente se preparou para governar o país, mas ainda vai demandar tempo. Ele tem se assessorado de bons nomes, apesar de algumas exceções. Uma coisa é certa: a corrupção não faz planos neste governo. Agora, as reformas têm de acontecer. Fico triste de acompanhar o que acontece no Congresso. A sociedade está muito viciada na cultura de levar vantagem em tudo. Não sei se vamos vencer essa etapa sem patriotismo e consciência da classe política, do Congresso, em especial. A Reforma da Previdência será sentida por todos. É difícil para quem se acostumou com regalias vê-las cortadas. Mas, se a reforma não acontecer, será uma decepção.

O agronegócio pode sentir os efeitos da aproximação do Brasil com Israel e Estados Unidos? Como têm sido até agora as conversas com clientes do Oriente Médio?

Temos procurado fazer a nossa parte. O presidente Bolsonaro tem procurado fazer um trabalho de aproximação, tanto que conseguiu reunir na CNA mais de 36 embaixadores dos países árabes. Temos um ponto forte, que é a ministra Tereza Cristina, da Agricultura, que tem se saído melhor do que a encomenda. Produzimos alimento, essencial à vida, e não serão os problemas políticos que vão mudar isso. Produzimos alimentos de qualidade e baratos, isso vai ser levado em consideração mesmo que haja alguma situação política e ideológica. O presidente Bolsonaro foi claro ao dizer que temos de vender para todos os países. O histórico de fornecimento para países árabes pode sentir reflexo e cair um pouco, mas vamos atrás de novos negócios. No ano passado, a Rússia deixou de comprar carne suína do Brasil e tivemos de buscar alternativas.

A atividade rural de Santa Catarina foi uma das mais afetadas pela crise dos caminhoneiros de maio do ano passado. Agora estamos sob nova ameaça por conta das negociações em torno do reajuste do diesel e da tabela de frete. O agronegócio catarinense está preparado para uma nova greve?

Não acredito que tenha clima para greve, a população não vai aceitar. Os produtores rurais, por sua vez, não têm um plano B. As autoridades de segurança nacional não vão permitir que haja uma nova greve. Se acontecer alguma coisa, os prejuízos ocorrerão novamente, até porque os produtores ainda estão debilitados pela greve do ano passado. A autoridade tem de ter essa responsabilidade. Se ocorrer outra greve, as forças de segurança vão ter de limpar nossas rodovias.

O senhor é a favor do afrouxamento do papel do Estado nas questões ambientais? Isso não pode fechar as portas para os produtos brasileiros?

No Sul, somos muito tranquilos nisso. Santa Catarina tem mais áreas com mata do que há 30, 40 anos. Atualmente, mais de 33% de nossa área é mata praticamente nativa. Endosso totalmente as declarações do ministro do Meio Ambiente, porque as reações no exterior são situações de cunho comercial e o Brasil é imbatível. Claro que sempre há aqueles elementos que não têm consciência e cometem delitos. E é bom reforçar que os grandes poluidores são os centros urbanos. Acho que, aos poucos, o governo, o Ibama e as forças de repressão vão colocar a situação em ordem.

Até que ponto Santa Catarina vem sentindo os efeitos da falta de investimento em infraestrutura?

Santa Catarina é um estado singular, com superfície diminuta, mas é a sétima economia do país, com uma forte vocação para a produção de grãos e a criação de pequenos animais, especialmente de suínos e aves. Aqui surgiram grandes empresas, como a Sadia, a Perdigão, a indústria Chapecó e a Cooperativa Central Aurora. Apesar dessa relevância, os investimentos em infraestrutura não ocorrem há décadas, mesmo com o aumento na produção. Primeiro exportador de suíno, segundo de carne de frango, além de exportador de maçã e de grãos, como milho e soja, Santa Catarina conta com alguns portos para escoar as exportações de contêineres, além de rodovias importantes, mas já sobrecarregadas

Como isso se reflete no dia a dia das operações de transporte de cargas?

Uma viagem de quatro horas leva de sete a oito horas por causa do excesso de veículos, o que traz problemas para todos, não só para o agronegócio.

Há esperança de mudanças nesse cenário?

Não vejo uma luz no fim do túnel, tanto estadual quanto federal. Apesar do movimento de nossas lideranças, não temos tido força para sensibilizar Brasília e o governo do estado. O problema é a crise, iniciada em 2011, e que vem se agravando. Não que a culpa seja deles. Ainda existe um ponto de interrogação do porquê de a economia não deslanchar. Até agora ela vem a passos muito lentos. Isso tem chance de ser revertido se as privatizações conseguirem dar um auxílio na parte de infraestrutura.

A falta de investimento em infraestrutura tem comprometido a produtividade rural?

No estado, o peso do agronegócio na economia e nas exportações é grande. Tudo isso tem condições de avançar com um aumento de produtividade. Se o Brasil não estivesse passando por essa crise, Santa Catarina já teria perdido espaço para outros estados. Até alguns anos atrás, éramos o primeiro em produção de aves, mas perdemos espaço para o Paraná, que tem a vantagem de produzir milho e vem se transformando em grande polo industrial. Enquanto isso, Santa Catarina vem buscando milho no Paraguai, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o que dificulta muito a competitividade de nossos produtos.

O senhor vê risco de migração de investimento para o Paraná?

Se não fosse a dificuldade de toda a economia brasileira, a ameaça seria maior. Sei que as empresas têm de fazer cálculo de custo e optar por onde é mais rentável. Não gostaríamos de ficar marcando passo enquanto outros estados passam na frente, apesar de nossa posição de vanguarda.

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