Toda semana, a agenda pública do ministro da Economia, Paulo Guedes, oscila entre as cidades de Brasília e do Rio de Janeiro, onde ele costuma despachar às sextas-feiras. E a pessoa mais frequente nos compromissos oficiais do chefe da equipe econômica na capital fluminense é um ex-professor do ministro, o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central, de 1980 a 1983. Desde que Guedes assumiu o cargo em janeiro, o guru foi recebido pelo pupilo no Rio, em média, duas vezes por mês.
O ex-presidente do BC foi o responsável pela indicação do ministro para uma bolsa de estudos de doutorado na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, quando Guedes cursava mestrado em Economia na Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE) da FGV. ;O que existe é uma admiração minha por Paulo Guedes. Ele foi um aluno brilhante na EPGE e se formou como um dos primeiros da turma. Vi que tinha muito talento e consegui a bolsa para ele em Chicago;, diz Langoni ao Correio. Prestes a completar 75 anos, em julho, o diretor da FGV se autodenomina avô dos ;Chicago Boys; brasileiros, agora, chamados de ;oldies;.
Além de se aconselhar sobre os planos da agenda econômica, o superministro de Bolsonaro aproveita os encontros frequentes com o mestre para fazer debates acadêmicos. ;Conversa de economista de Chicago é meio caótica e desorganizada. Falamos sobre tudo. Até sobre a parte acadêmica e teórica. De vez em quando, começamos a discutir teoria econômica. Não tem nada a ver com política. É uma digressão, até para relaxar. E o resto é brainstorming. Vão surgindo questões naturalmente;, revela Langoni.
O professor participa, inclusive, de reuniões do aluno com os secretários da pasta e de outros ministérios. Um dos temas que mais gosta de discutir com Guedes, confessa, é sobre abertura comercial. ;Essa é uma área que eu me interesso, porque o país ainda é uma economia muito fechada;, completa.
O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, vê com bons olhos a proximidade de Guedes e Langoni, que tem uma obra importante sobre fontes do crescimento brasileiro e de distribuição de renda no país. ;Ele foi para o governo e, então, para a iniciativa privada, mantendo, entretanto, um pé nas discussões de política econômica na FGV. É uma boa influência sobre o Guedes, especialmente no que se refere à abertura da economia;, afirma o imortal da Academia Brasileira de Letras.
Pioneirismo
Natural de Nova Friburgo (RJ), Langoni gostava de ficar entre os primeiros da classe. Quando, no vestibular, passou em sétimo lugar ;não ficou satisfeito;. A Universidade de Chicago é um dos berços do pensamento econômico liberal e, segundo Langoni, não era um destino comum aos acadêmicos brasileiros em sua época, mas havia muitos estudantes latino-americanos. Ele foi o primeiro brasileiro a fazer mestrado e doutorado na escola econômica da capital do estado de Illinois, concluindo os estudos no fim da década de 1960.;A escola de Economia que mais influenciou a retomada do desenvolvimento nos países emergentes foi a de Chicago. Estava tão à frente do seu tempo que, quando voltei, havia até uma denominação pejorativa: o ;Chicago Boy;, o monetarista. Ele não chegou a ter aula com o economista Milton Friedman, mas gosta de contar que é o único brasileiro citado nas obras do Prêmio Nobel de Economia e principal referência dos ;Chicago Boys;.
Três anos depois de retornar ao Brasil, Langoni deixou a Universidade de São Paulo (USP) e começou a lecionar na EPGE a convite de Edmar Bacha, no início dos anos de 1970, com o aval do professor Mário Henrique Simonsen. Com a saída dos dois, Langoni assumiu o cargo de diretor da EPGE e instaurou o primeiro doutorado em economia do país. As divergências de pensamento teórico na escola fizeram com que alguns economistas deixassem a instituição rumo à Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio, onde foi concebido o Plano Real.
O livro Distribuição da renda e desenvolvimento econômico no Brasil, publicado em 1973, tem como origem um artigo de 1972. Uma das nove obras publicadas de Langoni é considerada referência sobre as principais causas da desigualdade no país, que era elevada durante a década do Milagre Econômico.
Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV, editou uma versão do livro em 2005 e descreve Langoni como ;um dos protagonistas no debate sobre distribuição de renda e educação;. ;A tese dele foi gerada logo após a divulgação do censo de 1970, o que permitiu analisar a evolução da desigualdade sobre a base de dados de 1960. O trabalho de Langoni é uma fonte importante e até hoje é referência no meio acadêmico. Ele mostra que houve aumento da desigualdade em um momento em que a renda de todos melhorou. Até hoje usamos essa metodologia para nossas análises;, explica Neri.
O presidente do Insper, Marcos Lisboa, evita falar de pessoas, mas conta que já escreveu algumas colunas comentando o trabalho de Langoni. Para ele, a tese de doutorado de Delfim Netto, a de doutorado e de livre docência de Affonso Celso Pastore e o livro de Langoni são ;os mais impressionantes trabalhados em economia da época;. ;A obra de Langoni, em especial, é muito além do seu tempo. É impressionante o cuidado e a sofisticação técnica. Eu já descrevi para alguns especialistas de fora do Brasil o que Langoni fez há mais 45 anos no Brasil. Não acreditam;, afirma.
Para o economista Ricardo Paes de Barros, um dos formuladores do programa Bolsa Família, a obra de Langoni é ;um marco central na literatura nacional; sobre o assunto desigualdade. ;O trabalho dele é muito avançado para a época em que foi publicado, metodologicamente e tecnicamente. O livro dele é uma obra-prima, tanto do ponto de vista técnico quanto substantivo. Ele trata dos problemas centrais de uma maneira metodologicamente bem moderna para a época;, afirma Barros, que também frequentou a Escola de Chicago e hoje leciona no Insper.
Apesar de não ter sido aluno de Langoni, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga demonstra admiração pelo trabalho do economista. ;Os debates dele são famosos até hoje e é quase um consenso que ele consolidou vários temas entre os acadêmicos. ;Langoni é uma pessoa de grande visão. É uma pessoa muito competente;, completa.
Para saber mais
Chicago Boys
O termo surgiu para denominar um grupo de 25 jovens economistas chilenos que estudaram na Universidade de Chicago e formularam a política econômica do ditador e general Augusto Pinochet. Entre eles, estava o atual presidente chileno, Sebastián Piñera. Esse grupo foi pioneiro na introdução do pensamento liberal na América Latina. Adotaram medidas que só 10 anos depois a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher usou. Além de Paulo Guedes, outros integrantes da equipe econômica que passaram por Chicago: Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil; Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras; e Joaquim Levy, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Seis perguntas para Carlos Langoni
Quando a agenda liberal roposta pelo ministro Paulo
Guedes será colocada em prática?
Nos encontros de agenda, temos uma discussão mais livre do que ele pretende, com debates sobre o que ele está desenhando a curto, médio e longo prazos. Ele se preocupa muito com a sequência temporal. Acho que ele está absolutamente correto quando começa com a ancoragem fiscal. Sem essa ancoragem, todo o restante da agenda fica prejudicada. Depois da reforma (da Previdência), ancorada a questão fiscal e deixando claro que os deficits crônicos serão revertidos ; ainda que a médio prazo ;, que a dívida pública não será explosiva e que o deficit primário será reduzido, tudo isso cria um choque de expectativa e de confiança. Isso vai permitir que, principalmente, a reforma tributária e a esquecida de abertura da economia completem a estratégia liberal e a economia comece a andar.
Mas a economia está andando de lado, com tantas reduções nas
projeções do PIB;
A economia, na verdade, está parada. Está estagnada. O país saiu da recessão, mas vivemos um período de processo relativo de estagnação. Isso era previsível até que essa agenda de mudanças estruturais comece a ser implementada. Aí que está o desafio político.
Vivemos em uma democracia e tudo tem que ser debatido e aprovado pelo Congresso...
Mas eu acho que, ao final e ao cabo de todos esses desafios de governabilidade, a reforma vai ser aprovada, porque é absolutamente necessária. Qualquer governo teria que enfrentar essa questão da Previdência logo na partida. Eu acho que está certo.
E o que vem na sequência?
Vem a reforma tributária, uma simplificação com redução dos impostos sobre os investimentos e sobre o lucro das empresas, que é muito importante. Depois, as mudanças de marcos regulatórios que vão beneficiar o investimento também na área de infraestrutura, na área de energia, na questão do projeto do gás, que está sendo discutido. E depois, vem a abertura negociada, que é uma abertura multidimensional. Isso porque não é só acesso ao mercado, mas também acesso a investimento e à transferência de tecnologia. É a agenda liberal, além de todo o processo de concessões e privatizações. Ele está desenhando uma nova economia. Os contornos ainda estão indefinidos e ainda com sombra e com certas dúvidas e incertezas. Mas, quando o desenho e as medidas forem sendo aprovadas, o país entra em um ciclo virtuoso. As pessoas vão começar a perceber que o país está indo em outra direção. E aí a questão crucial, que é restabelecer a mobilidade social e começar a reduzir essa taxa elevadíssima do desemprego.
Mas o desemprego cresce. Estamos vendo uma piora muito grande nos indicadores de forma geral neste primeiro trimestre do ano. Como reverter isso no curto prazo?
Essa é uma ótima pergunta. Primeiro, não cair na tentação dos pacotes e das soluções mágicas. Não existem mais soluções mágicas. Então, não é mais possível querer tirar o país dessa relativa estagnação com medidas pontuais, com benefícios creditícios de bancos públicos, com isenções tributárias. Até porque o governo não tem margem fiscal para isso. E as políticas seletivas dos bancos públicos não produziram nenhum efeito importante para o crescimento sustentável. É preciso manter a estratégia. Avançar nas reformas e deixar bem claro que é o caminho do encontro do crescimento. Isso não vai acontecer no primeiro nem no terceiro trimestre. Se a reforma da Previdência for aprovada até julho, tem que encaixar em seguida a reforma tributária, que é mais simples de ser absorvida e compreendida pela sociedade. O governo não vai aumentar a carga tributária. Vai simplificar e reestruturar os impostos. A partir daí, acho que pode ter um segundo semestre já com a confiança voltando, preparando o terreno para um crescimento mais forte no ano que vem.
E o que vai puxar esse crescimento?
O investimento vai ser liderado pelo setor privado, não serámais gasto público nem consumo privado. Ele vem a reboque. Primeiro vem o investimento forte em infraestrutura. Há um enorme volume de recursos externos interessados no país. É bom lembrar que, apesar de toda essa turbulência que o país está vivendo e viveu no passado durante o período de eleição, o volume de investimento estrangeiro direto está rodando na faixa de US$ 85 bilhões por ano. Eu acho que pode ser muito mais, pode ser acima de US$ 100 bilhões, quando o risco político diminuir e passarmos essa fase de tensão aguda com o debate em torno da reforma. A resposta da economia vai ser muito rápida. Acho que o grande desafio é gerenciar essa transição.