Jornal Correio Braziliense

Economia

Consumidores torcem para franquia de bagagem ser sancionada

Decisão está nas mãos do presidente Jair Bolsonaro, que disse ter vontade 'de não vetar' a gratuidade, porque preços das passagens aéreas não caíram com a cobrança do despacho

Se depender da vontade ;de coração; do presidente Jair Bolsonaro, a volta da gratuidade de despacho de bagagem de 23kg em voos domésticos, conforme aprovada pelo Congresso na Medida Provisória n; 863, que abriu a participação de capital estrangeiro nas cias aéreas, não será vetada. Apesar de garantir que só tomará a decisão ;aos 48 minutos do segundo tempo;, Bolsonaro justificou que a cobrança das bagagens ocorreu para baixar o preço das passagens, o que não ocorreu.

Pelo contrário, os valores dos tíquetes subiram acima da inflação nos últimos 12 meses, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta média foi de 35,12% entre maio de 2018 e abril de 2019, período em que a inflação medida pelo Índice de Preços do Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 4,94%. Depois que a Avianca entrou em recuperação judicial, em dezembro de 2018, reduzindo voos, os preços dispararam até 140%, segundo levantamentos de plataformas de comparação de passagens aéreas.

Os consumidores brasileiros torcem para que a vontade do coração do presidente prevaleça. O passageiro Welismar Mulato, 26 anos, acredita que a cobrança de bagagens não cooperou com a diminuição dos preços. ;O que eu notei foi que o preço aumentou. Acredito que a medida proposta pelo fim da cobrança é excelente,; afirmou.

Ana Cláudia da Silva, 46, técnica de enfermagem, também não notou a redução dos preços com a cobrança do despacho. ;Acho a decisão válida, contanto que os preços não aumentem.; A enfermeira explicou que evita, quando possível, despachar as malas para não pagar as taxas. ;Às vezes, não tem jeito;, lamentou. A pedagoga Daniela Ribeiro, 37, lembrou que as passagens aéreas são caras demais. ;Pagamos um absurdo;, reclamou.

Para o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) a mudança aprovada no Congresso é positiva ;já que a prometida diminuição no preços das passagens aéreas com o fim da franquia de bagagens não se concretizou;. Juliana Moya, especialista em Relações Institucionais da Proteste, alertou que, quando a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) instituiu a cobrança das bagagens, não foi uma medida ruim. ;Se tornou ruim porque a Anac permitiu às empresas liberdade para cobrar. O nosso posicionamento é que nem uma posição nem outra são ideais;, disse.

A Proteste espera que, com o retorno da franquia, haja redução no preço das passagens, apesar de as companhias aéreas estarem se manifestando que o preço pode aumentar. ;Com a saída da Avianca, o mercado ficou ainda mais restrito. Mas agora o mercado está aberto e novas empresas devem operar, aumentando a competitividade;, assinalou. Segundo ela, a cobrança ou não de bagagem é importante, mas não determinante para atrair novas empresas.

O presidente da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), Luis Felipe de Oliveira, alertou que o modelo de cobrança por serviços, incluindo as bagagens, é comum em mercados maduros, como o dos Estados Unidos e da Europa. ;Nesses mercados, o transporte aéreo é popular por causa dos valores baixos das passagens e as pessoas voam cinco a seis vezes mais do que no Brasil;, destacou.

A Europa registra dois voos por habitante e os EUA, 2,2 voos, enquanto, no Brasil, são é 0,4. ;Cobra-se pelo assento, alimentação a bordo e bagagem. A chegada de companhias de baixo custo, chamadas low cost, amadureceu esse processo. Isso reduz custos das companhias, o que reflete no valor dos bilhetes, e traz liberdade ao passageiro, que tem como escolher o que quer comprar e utilizar nos seus voos;, ressaltou. Na América Latina e Caribe, a presença de companhias low cost é responsável por cerca de 70% do crescimento do mercado na região.

Oliveira acrescentou que a expectativa da Alta é que o presidente Bolsonaro vete a franquia de bagagens, alinhando o país às regras globais do mercado de aviação. ;A aviação é um negócio de capital intensivo e alto risco, logo regras claras e duráveis são positivas para atrair investimentos;, completou.

Outro lado

A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) argumentou que o uso de índice de inflação não é completo como o acompanhamento da Anac, que mede variações ao longo do tempo e dá o preço médio (real e nominal) mensal, anual, por empresa, por faixas de valor, por localidade e por ligação. ;É prematuro buscar conclusões acerca do impacto da mudança regulatória nos preços em geral. Houve forte encarecimento dos custos da aviação, com a desvalorização do real em 14,5% e a alta de 37,5% no preço do combustível;, afirmou, em nota.

A Abear apontou que, com o fim do tabelamento dos preços das passagens, o preço médio das tarifas domésticas no Brasil caiu pela metade, baixando a cerca de R$ 370, enquanto o número de passageiros triplicou, chegando a perto de 100 milhões por ano. Os avanços ocorreram ;a despeito da situação desfavorável custos, que são muito mais altos no Brasil do que a média internacional (até 40%), além da tributação que encarece os abastecimentos para os voos domésticos no país;.

Conforme a Latam Airlines Brasil, de maio de 2017 até o início de 2019, 71% das suas passagens foram vendidas no perfil de tarifa sem bagagem. ;Isso significa que a possibilidade de adquirir passagens aéreas sem a bagagem inclusa tem representado mais liberdade para o consumidor pagar somente pelos serviços que deseja adquirir;, afirmou, em nota. A Latam reforçou que ;o preço final ao consumidor é influenciado por outras variáveis mais relevantes; como combustível e câmbio. ;Mais recentemente, esse aumento vem sendo influenciado pela crise da Avianca Brasil, quando muitas aeronaves deixaram de operar voos já programados enquanto a demanda brasileira por transporte aéreo permaneceu inalterada;, acrescentou a companhia.

Segundo a Latam, o retorno da franquia de bagagem ;traz de volta um ambiente regulatório restritivo e afeta a competitividade do setor aéreo, impondo novamente um desalinhamento da aviação brasileira em relação ao ambiente internacional e afastando os investimentos;.

Procuradas, a Azul preferiu não se manifestar e a Gol não respondeu até o fechamento da matéria. (Colaborou Denise Rothenburg)

* Estagiária sob supervisão de Simone Kafruni