Economia

Empreender para driblar o desemprego

Quase 24 milhões de brasileiros trabalham de maneira independente no país, de acordo com a Pnad Contínua. Eles decidiram investir em alternativas fora do mercado formal para garantir o ganha-pão. Para especialistas, falta incentivo e projeto

Correio Braziliense
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postado em 26/05/2019 04:07
Cristiane Martins descobriu o potencial na cozinha, depois de uma doença que a afastou do mercado

As incertezas que rondam a economia do Brasil trazem reflexos maiores do que a dificuldade para a retomada econômica ou o afastamento de investidores internacionais, que não sentem segurança em apostar no país. O atual cenário impacta diretamente na vida de 21,6 milhões de brasileiros que, pela fragilidade do mercado, estão desocupados ou desalentados. Sobreviver a essa realidade virou um desafio, e, para muitos, a saída tem sido a criatividade. A taxa de pessoas que decidiu trabalhar por conta própria no primeiro trimestre deste ano atingiu um dos maiores índice dos últimos quatro anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do instituto, dos 91,9 milhões de empregados entre janeiro e março, 25,9% trabalhavam de maneira independente (veja gráfico na página 10). Na prática, significa que quase 24 milhões de brasileiros arregaçaram as mangas e tomaram a decisão de investir em alternativas fora do mercado formal para sobreviverem em meio à crise.

Essa foi a alternativa encontrada por Cristiane Martins. Depois de 20 anos de carteira assinada como operadora de telemarketing, hoje, aos 39 anos, ela se define como microempreendedora, já que faz encomendas de doces e salgados e vende os produtos produzidos por ela mesma. A nova ocupação surgiu depois de vivenciar a dificuldade decorrente da falta de vagas no mercado de trabalho. Por motivos de saúde, em janeiro do ano passado, Cristiane entrou em acordo com o antigo patrão e pediu demissão.

Na época, ainda empregada, a operadora de telemarketing desenvolveu depressão e fibromialgia. Como consequência das doenças, chegou a tomar três remédios para dormir. ;Eu estava em uma situação muito ruim de saúde. Ou eu tomava uma atitude, ou acabava morrendo e não veria meus filhos crescerem;, desabafa. Só depois de alguns meses, a ficha caiu e ela percebeu o tamanho do desafio que tinha pela frente para conseguir se recolocar no mercado.


Somente com o nível médio no currículo, o problema se tornou ainda maior. ;Eu entreguei currículos novamente para empresas de telemarketing para tentar voltar para o mercado, mas não fui chamada nem para entrevistas;, relembra. Com isso, a forma para complementar o orçamento de casa foi encontrada na própria cozinha. ;Eu já gostava de mexer com comida, e me descobri no lado dos doces. Depois de um ano parada em casa, eu comecei a fazer ;dindin; gourmet;, conta.

No início, a moradora de Samambaia vendia na porta de casa para os vizinhos e tirava, em média, de R$ 500 a R$ 600. Com a divulgação nas redes sociais, o faturamento aumentou e, atualmente, a renda mensal é maior do que a do antigo emprego. ;Hoje, consigo ganhar até R$ 3,5 mil por mês;, diz.

Falta de projeto

O professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Feldmann destaca que uma das maneiras para se solucionar parte da crise econômica vivida no país é transformar o trabalhador desempregado em um microempreendedor. Entretanto, ele alerta que, no Brasil, ainda faltam projetos que estimulem o crescimento da categoria. ;É preciso ensinar desempregados a terem uma nova ocupação e a virarem empresários, mas, no Brasil, não existem políticas voltadas para favorecer esse tipo de coisa;, avalia.

Como consequência, a falta de incentivo e de soluções para o desemprego sobrecarrega o sistema previdenciário. ;O emprego e a previdência estão totalmente ligados. A geração de emprego é fundamental para manter a saúde financeira da previdência como um todo;, pontua. Dessa forma, Feldmann lembra que as pessoas param de contribuir com o INSS e dificilmente investem na previdência privada ou juntam dinheiro para o futuro. ;Os brasileiros não têm o hábito de poupar. Boa parte até que conseguiria guardar dinheiro, mas não têm o costume. Isso tem de mudar daqui em diante;, alerta.

Apesar disso, existem pessoas que entendem a importância de se guardar dinheiro para o futuro, como Nathália Albuquerque, 24. Hoje, ela divide a rotina da graduação em publicidade e propaganda com a produção de canecas, almofadas, camisetas e outros artigos personalizados. Com a renda dos produtos, ela cobre os custos da faculdade, e o que sobra, guarda para poder abrir o próprio negócio quando se formar.

Ela conta que não havia planejado trabalhar com isso. Após terminar o ensino médio, em 2012, fez um curso de técnico em edificações e conseguiu emprego em uma empresa de engenharia. No entanto, o empreendimento declarou falência e ela ficou desocupada. ;Há três anos, uma amiga me chamou para ajudá-la a produzir camisetas para o retiro de uma igreja, e fiquei muito interessada. Naquele momento, percebi a variedade incrível de produtos que poderia fazer. Desde então, investi nisso;, explica.

Nathália adquiriu uma máquina para as personalizações, e, por mês, lucra entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil. ;Além do retorno financeiro, trabalhar com isso significa liberdade, pois não dependo de ninguém para ter salário e trabalho na hora em que eu quiser. Daqui a dois ou três anos, espero me formalizar e ter um espaço só meu, para seguir fazendo algo, que eu aprendi a gostar;, afirma.


;É preciso ensinar desempregados a terem uma nova ocupação e a virarem empresários;
Paulo Feldmann, professor de economia da USP

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