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Correio Braziliense
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postado em 26/05/2019 04:07
Abra os olhos

Cortina de fumaça para confundir a percepção sobre a quem interessa solapar a reforma da Previdência


Que pusessem 10 mil, cem mil, um milhão de pessoas nas ruas e os atos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, supostamente assediado pelo Congresso e o STF, não mudariam a realidade do país na lona. Mas confundem a percepção sobre a quem interessa solapar a reforma da Previdência, evento decisivo para a estabilidade da economia.

A realidade contradita o discurso recorrente entre os apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, segundo os quais a população quer reformar a Previdência, enquanto o bloco majoritário dos partidos de centro, vulgo centrão, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (Dem-RJ), tramariam contra a sua aprovação. Aos fatos.

A maioria da população, como revelaram as três últimas pesquisas de opinião, na verdade, não apoia a reforma, embora, entre os grupos mais instruídos, já haja compreensão de que, ou se muda a Previdência, ou o país se tornará rapidamente insolvente e ingovernável.

Indague-se a qualquer deputado e senador se seus eleitores cobram deles a aprovação dessa reforma. Dá-se o contrário, sobretudo pela bem-urdida campanha movida pela elite da burocracia para manter os seus privilégios. Ela atemoriza os mais pobres, para os quais pouco ou nada mudará, e constrange, ameaça até, os políticos.

A novidade nesta legislatura, como nunca houve desde a primeira das reformas da Previdência, em 1998, com FHC, seguida da de 2003, com Lula, é que o grosso dos deputados, sob a liderança de Rodrigo Maia, compreende que o sistema faliu e logo não haverá margem para nada mais, nem para o governo arcar com salário dos servidores se não emitir dinheiro e reviver a hiperinflação. Nos estados e na maioria dos municípios, a insolvência pública já é insofismável.

Se a esquerda se diz contrária à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Bolsonaro, governadores do PT a apoiam, embora discordem de alguns itens do projeto formulado pelo ministro Paulo Guedes.

Então, do que se queixam as falanges de Bolsonaro? Do que reclama seu partido, o PSL, cada vez mais parecido ao PSol, dissidência do PT que saiu em 2003, depois da reforma que botou o servidor federal contratado a partir daí sob o regime do INSS (preservando para os demais a aposentadoria pelo último salário e paridade ao do pessoal da ativa)? Cabe a Bolsonaro elucidar o seu labirinto.

Contradição de origem

O fato é que Bolsonaro traz uma contradição de origem: elegeu-se como um liberal na economia, mas seus 32 anos na política, quatro como vereador e 28 na Câmara foram pontuados como porta-voz dos interesses classistas de policiais, bombeiros, sargentos e cabos do Exército, corporações com regimes previdenciários especiais.

Num evento terça-feira no Rio, enquanto dizia que ;o problema do país é a classe política;, policiais federais, militares e civis exigiam em Brasília equiparação ao regime das Forças Armadas ; única categoria tratada diferenciadamente à margem da reforma. O problema não é a classe política, mas os políticos que defendem tais lobbies.

Deputados e senadores egressos dessas corporações formam boa parte do PSL, além de estarem em partidos do centro, atuando juntos com a bancada dos auditores, procuradores federais, juízes ; exatamente a elite da burocracia atingida pela reforma de Guedes.

Desagravo farsesco

Mais preocupada em expurgar o que chama de ;marxismo cultural; das universidades, desmontar a regulação ambiental e afastar servidores não submissos, a ala radical próxima a Bolsonaro se serve da imagem desgastada do Congresso para atacá-lo e despistar suas ambiguidades.

Culpou o Centrão por atrasar a reforma, embora esteja nos prazos regimentais, manteve uma relação morde e assopra com Maia, que era sua principal garantia de governar sem lotear o governo, e...

E aguçou o fisiologismo de grupos dentro dos partidos para atraí-los com promessas de ministérios para depois atiçar deputados do PSL e de legendas ou blocos satélites para denunciá-los, enfiando todos no saco da ;velha política;. Esse é o script do desagravo farsesco.

Aprendiz de feiticeiro

Feitiçaria política num ambiente movido por compromissos e em que a palavra é lei dificilmente premia o aprendiz de feiticeiro. O combate à corrupção, por exemplo, é jogo jogado ainda que incomode um sistema centenário lubrificado a dinheiro público e relações de compadrio.

O juiz símbolo da Lava-Jato no Ministério da Justiça encorpado com a área de segurança foi visto como jogada de mestre de Bolsonaro. Já a concentração nas mãos de Sérgio Moro de amplos poderes foi entendida por parlamentares, ministros de tribunais, militares e bolsonaristas irritados com os vazamentos do inquérito envolvendo o senador Flávio Bolsonaro como hipertrofia do Estado policial.

A reação veio com a Câmara estornando o Coaf, órgão de controle de operações financeiras, à pasta da Economia, que a medida provisória da reforma dos ministérios propunha transferir à orbita de Moro. É decisão de somenos, mas engrossou a narrativa do governo acuado pela velha política. O tenente reformado como capitão parece pensar como soldado raso, não como marechal da paz de uma sociedade em crise.

O cenário em construção

À luz dos dados atuais, o futuro imediato indica o seguinte: 1) a reforma da Previdência vai ser aprovada quase em sua integralidade; 2) isso se deverá ao empenho menos do governo, exceto Paulo Guedes, que dos partidos de centro, que tendem a uma frente liberal-social da política; 3) o regime de capitalização proposto na reforma poderá dar lugar (ou se adequar) a um fundo para projetos de infraestrutura.

A defecção de deputados do Centrão na votação envolvendo o destino do Coaf expôs quem tem telhado de vidro ou é sujeito a pressões do governo. Os demais pagaram para ver, estando na linha de frente dos que querem avançar com as reformas, começando pela tributária. Este bloco reúne parte do PSL de Bolsonaro e de legendas de esquerda.

Enfim, tal como página de jornal (impressa e digital) nunca sai em branco, a política não tolera vazio. Na ordem do dia, o Congresso vai aprovar o pedido de suplementação de crédito pelo governo e discute alternativas para pôr a economia em movimento com foco no emprego.



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