Economia

Dívida de aposentados chega a R$ 132,1 bilhões

O assédio dos bancos sobre beneficiários do INSS está cada vez maior. Resolução do instituto, que determina que instituições só podem oferecer empréstimo consignado depois de seis meses da concessão da aposentadoria não está sendo cumprida

postado em 10/06/2019 04:04
Oassédio dos bancos sobre aposentados e pensionistas está cada vez maior. Não por acaso, o endividamento dos beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) bateu novo recorde. Dados do Banco Central (BC) apontam que o saldo da dívida das operações de empréstimos consignados, com parcelas descontadas diretamente do benefício, atingiu R$ 132,1 bilhões em abril, aumento de 11,8% em 12 meses. No ano, a dívida cresceu 5,5%. A concessão de crédito quase dobrou na comparação do primeiro quadrimestre, saltando de R$ 14,8 bilhões em 2016 para R$ 28,4 bilhões este ano.

A instrução normativa n; 100 do INSS, que entrou em vigor no fim de março, determina que os bancos só podem oferecer crédito consignado a aposentados e pensionistas depois de seis meses da concessão do benefício. Se quiser tomar um financiamento antes desse prazo, o beneficiário terá que ir no banco pessoalmente, depois do início do recebimento da pensão ou aposentadoria, e autorizar a operação. No entanto, a norma é insuficiente para impedir instituições bancárias de pressionar seus clientes para fazer empréstimos e para evitar o vazamento de dados, admitido pelo INSS no início de abril.

Sandra Regina, 60 anos, recebeu ligações de instituições financeiras de São Paulo na última semana, antes de saber que teve seu pedido de aposentadoria aceito. ;Eu abri mão da minha primeira aposentadoria, estou tentando fazer outra. Nem sei se o pedido foi aprovado, mas todos os dias algum banco liga na minha casa oferecendo crédito consignado e dizendo que presta serviços para o INSS. Da última vez, o banco sabia até quanto eu receberia de aposentadoria e me ofereceu R$ 9 mil em empréstimo;, conta Sandra, que nunca aceitou, com medo de se endividar.

Domingo dos Anjos, 77, paga uma dívida que se arrasta após fazer um empréstimo consignado há 10 anos. ;Me aposentei com 62 anos e até hoje recebo ofertas de crédito. Eu deixei de aceitar há muito tempo, porque procurei o banco para fazer empréstimo quando estava em aperto e acabei endividado. Hoje, fujo dos bancos, que me ligam quase todos os dias;, diz. Ele abriu dois processos na Justiça contra instituições bancárias. ;Como vou fazer empréstimos sem nem ver a cara das pessoas que estão me oferecendo? E como eles têm meus dados? Isso é inaceitável;, reclama.

Além de ser considerada uma forma de assédio contra idosos, aposentados e pensionistas, a oferta de empréstimos por telefone foi proibida pela instrução normativa do INSS n; 28/2009. Para a presidente da comissão técnica do Instituto de Defesa Coletiva (IDC), Lilian Salgado, a medida deveria ser mais rígida. ;Os bancos descumprem a norma. Mesmo após a resolução n; 100, continuamos a receber reclamações de idosos, que tiveram seus dados vazados, compartilhados pelos bancos;, afirma. Ela ressalta que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, n; 13.709/2018, estabelece que o fornecedor precisa manter o sigilo dos dados de clientes.

;O vazamento das informações dos beneficiários do INSS é responsabilidade tanto da Dataprev quanto do instituto e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Há uma responsabilidade solidária;, explica Lilian. ;O IDC entende que a insistência dos bancos para a contratação de consignado não pode ocorrer a partir do momento em que a pessoa requereu a aposentadoria, mas só depois de seis meses;, afirma.

A advogada especialista em direito do consumidor Helena Lariucci aponta que o assédio fere o código do consumidor. ;O código determina que, em relação à publicidade e à propaganda, quem oferece um produto ou um serviço deve fazer de uma forma que não seja nem abusiva, nem enganosa. Mas verificamos que os bancos, neste momento de crise, têm muitas ofertas de empréstimos e ficam em cima dos clientes sem parar. O excesso de ligações é considerado abusivo e, portanto, fere as determinações do código do consumidor;, esclarece.

Sem fiscalização

Helena acredita que os bancos são os principais responsáveis pelo superendividamento dos aposentados e pensionistas. ;O banco é irresponsável na hora de oferecer empréstimos a quem já está endividado. A instrução n; 100 vem para garantir o direito do consumidor de não ter seu sigilo e dados violados, o que pode ser caracterizado como crime na esfera penal, mas falta fiscalização do INSS e do Judiciário em relação às instituições financeiras;, afirma.

A advogada também faz críticas à medida. ;A instrução fala que os bancos não podem emprestar mais de 30% do valor do benefício em consignados, mas os empréstimos comuns não têm essa regra. Assim, as pessoas podem ir ao caixa e pegar dinheiro à vontade. De repente, 100% do salário ou da aposentadoria ficam comprometidos, porque a pessoa precisa pagar o banco. Como a população vai comer, se vestir, pagar as contas?;, indaga.

Antônio Farias, aposentado, 68, relata que seu filho, Welderson, aposentado aos 38, ficou superendividado ao aceitar empréstimos consignados de bancos que o procuravam constantemente. ;Hoje, está passando necessidade por causa da dívida. Fez empréstimo consignado para pagar outras dívidas e entrou em uma situação pior ainda, de forma que não tem o que comer em casa. Eu já fui muito importunado por bancos, ainda sou, mas como eu vi o que aconteceu com ele, não aceito empréstimos;, conta. ;O INSS não faz nada para ajudar quando reclamamos a respeito das ligações exageradas dos bancos;, lamenta.

* Estagiária sob supervisão de Simone Kafruni

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