postado em 24/06/2019 04:16
Democracia e progresso econômicoDepois de anos de progresso generalizado, a diminuição do crescimento e o aumento das desigualdades assombram quase todas as democracias. As longas décadas de crescimento semearam a ilusão de que o progresso era o modo-padrão de funcionamento de nossas sociedades e que o futuro seria o prolongamento linear de nossa história de sucessos.
Nós nos esquecemos com frequência de que as estradas da história não são retas e de que as mudanças são muito mais comuns do que as continuidades. O fato é que o século 21 nos trouxe muitas surpresas. As economias ocidentais, ricas e pobres, começaram a sofrer de graves distúrbios. Já nos anos finais do século passado, as economias emergentes, inclusive a brasileira, passaram por tempos tormentosos, que puseram em xeque as receitas universais de gestão das economias.
A partir de 2008, foi a vez das economias ricas, que chegaram à beira do colapso com a incrível crise financeira dos Estados Unidos e, logo após, com a crise bancária e fiscal na zona do euro. As crises agudas foram contornadas e a economia mundial pareceu voltar ao normal, após inéditas intervenções dos governos e dos bancos centrais que atuaram de modo bastante heterodoxo e sem precedente na história.
No entanto, nada voltou a ser como era antes. Em algumas partes, o crescimento voltou, mas de um modo bastante diverso dos ciclos anteriores, com alta concentração da renda e da riqueza numa fração minúscula da população. Ainda estamos tateando para compreender a razão dessa mudança nos efeitos do crescimento na economia americana, por exemplo. Algo certamente tem a ver com o modo como a crise bancária foi resolvida, com a salvação irrestrita dos bancos e das instituições financeiras que causaram o desastre com o seu comportamento irresponsável.
É fora de dúvida, no entanto, que os novos paradigmas tecnológicos têm um grande papel na concentração da renda e do emprego a que estamos assistindo nos últimos tempos. As novas tecnologias estão rompendo os velhos equilíbrios numa velocidade que a sociedade e as instituições não conseguem acompanhar. A adaptação educacional da população para os novos modos de produção da economia é necessariamente lenta e os estados estão passivos ou atrasados diante da invasão das forças tecnológicas.
O resultado é que as nações que estão na periferia da invenção tecnológica crescem pouco ou mesmo nada, especialmente as nações mais democráticas, que respeitam a soberania popular e as instituições representativas. Isso coloca a questão da democracia na ordem do dia. A consolidação dos regimes democráticos deu-se num ambiente de crescimento econômico e de expansão do estado do bem-estar social.
Hoje, nas sociedades democráticas, os estados, de um modo generalizado, encontram-se próximos do limite fiscal e as economias perderam seu dinamismo. A mobilidade social está diminuindo e as expectativas de futuro estão tornando-se sombrias. Nesse clima, a confiança na democracia perde força e a tentação das soluções autoritárias ganha fôlego.
É verdade que as democracias ultimamente têm falhado em impedir que grupos privilegiados se apossem do aparelho do Estado e capturem os benefícios de sua ação. O Brasil é um caso típico. Interesses organizados, do setor privado e do setor público igualmente, exauriram os recursos do Estado em seu proveito e as instituições políticas não estão se mostrando capazes de estabelecer um mínimo de equilíbrio.
Nossa economia vive em estado de estagnação porque quase todos os recursos financeiros do Estado estão, por força das leis, comprometidos com parcelas minoritárias da sociedade. O Parlamento e a Justiça são mais sensíveis a esses interesses especiais do que ao interesse comum da cidadania. E a democracia parece, para muitos, que existe para isso mesmo: para impedir que o interesse geral prevaleça.
No meio dessas dúvidas e incertezas é importante lançar um olhar para os longos horizontes da história: nenhum país até hoje se tornou rico sem ser democrático e nenhum povo foi feliz sem liberdade.